Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
05/12/2003 | 13/12/2002 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
97 minuto(s) |
Dirigido por Stephen Frears. Com: Chiwetel Ejiofor, Audrey Tautou, Sergi López, Sophie Okonedo, Benedict Wong e Zlatko Buric.
Depois de prender a atenção do espectador com a promessa de um interessante suspense, Coisas Belas e Sujas, novo trabalho do britânico Stephen Frears, surpreende o público e se revela um inteligente drama sobre a terrível condição em que vivem os imigrantes ilegais na Inglaterra (e, basicamente, em qualquer outro país). Contando com um roteiro maduro (escrito por Steve Knight), o filme não oferece respostas fáceis para as questões que apresenta; aqui nada se resume a `bom` ou `mau`, `preto` ou `branco`: em vez disso, tudo se encontra em uma ambígua zona moral de tons cinzas.
Quando a história tem início, somos apresentados a Okwe, um nigeriano que, vivendo ilegalmente em Londres, trabalha durante o dia como taxista e à noite como recepcionista num hotel. Depois de ser avisado sobre o entupimento em um vaso sanitário de um dos quartos, Okwe descobre, horrorizado, que a obstrução fôra causada por um coração humano. Sem conseguir esquecer o incidente, o sujeito acaba se envolvendo em um esquema assustador ao mesmo tempo em que tenta proteger a bela imigrante turca com quem divide um apartamento.
Interpretado pelo desconhecido Chiwetel Ejiofor, Okwe ganha a confiança e a simpatia do espectador logo nos primeiros minutos de projeção graças à sua bondade evidente. Procurando agir sempre com dignidade, o protagonista é um homem comum que, ao longo de sua vida, foi obrigado a enfrentar situações extremas e dolorosas que lhe deixaram cicatrizes físicas e emocionais - e seu passado misterioso oculta uma tragédia na qual o próprio Okwe pode ter desempenhado um terrível papel. Enquanto isso, Audrey Tautou consegue realizar a proeza de nos fazer esquecer da voluntariosa Amélie Poulain e cria uma personagem amargurada e vulnerável que desperta no herói (e no público) o desejo de protegê-la, de ajudá-la. Fechando o elenco principal, o espanhol Sergi López, que já havia interpretado um personagem sombrio em Harry Chegou para Ajudar, encarna o inescrupuloso Sneaky com uma energia feroz e é responsável por alguns dos melhores momentos do filme.
Aliás, é curioso observar que praticamente todos os personagens de Coisas Belas e Sujas são imigrantes - e os únicos `nativos` são retratados sempre de forma ameaçadora (especialmente os agentes do Departamento de Imigração). Desta forma, Stephen Frears mergulha o espectador no triste mundo dos residentes estrangeiros ilegais, cuja situação precária não permite sequer que eles adoeçam ou mesmo notifiquem as autoridades sobre os crimes hediondos dos quais são vítimas constantes. Assim, o suspense criado em torno do tal coração encontrado acaba interessando menos do que as denúncias sociais feitas pelo roteiro.
Não que o filme ignore a trama envolvendo a investigação de Okwe - embora, em retrospecto, a presença do coração no vaso sanitário se revele um furo inexplicável, mas perdoável, já que seu efeito dramático é ótimo. Além de chocantes, as descobertas do herói (que não vou revelar) contribuem ainda mais para ilustrar a dura realidade dos imigrantes - e, o que é ainda mais interessante, colocam Okwe frente a um dilema de difícil solução: afinal de contas, o que ele deveria fazer? Caso recuse a oferta de Sneaky (que também não revelarei), outro a aceitará - e provavelmente com resultados desastrosos para todos os envolvidos (incluindo pessoas inocentes). Além disso, a participação de Okwe pode beneficiá-lo e, de quebra, solucionar os problemas de sua amiga. Por outro lado, há a inevitável constatação de que a proposta de Sneaky é errada, imoral e não deveria existir.
Por incrível que pareça, o roteiro de Steve Knight consegue encontrar uma resolução eficaz (embora um pouco `hollywoodiana`) para os problemas do protagonista, o que não deixa de ser uma façanha. Em contrapartida, Knight se entrega ao melodrama nos minutos finais, o que é uma pena. Aliás, outro erro reside no esclarecimento sobre o passado de Okwe, que elimina a ambigüidade do herói e soa desnecessária.
Teria sido melhor que Okwe nada dissesse sobre o que aconteceu. Já bastaria a bela e significativa descrição feita no início da projeção: `É uma história africana`. Geralmente, falar menos é a melhor opção.
21 de Outubro de 2003