Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
27/01/2006 22/10/2004 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
95 minuto(s)

O Assassinato de um Presidente
The Assassination of Richard Nixon

Dirigido por Niels Mueller. Com: Sean Penn, Naomi Watts, Don Cheadle, Jack Thompson, Brad Henke, Mykelti Williamson, Michael Wincott.

Em 1974, um sujeito desempregado que se divorciara recentemente da esposa chegou à conclusão de que a culpa por todos os seus problemas (de relacionamento, inclusive) recaíam sobre o governo dos Estados Unidos – e, especialmente, sobre o então presidente, Richard Nixon. Frustrado e desesperançado, ele decidiu matar Nixon e, para isso, planejou seqüestrar um avião e atirá-lo sobre a Casa Branca. O nome deste homem era Samuel Byck, mas, em O Assassinato de Richard Nixon, seu sobrenome foi alterado para Bicke. Por quê? Mais do que para proteger os produtores do longa do ponto de vista legal, suspeito que a mudança foi feita para ressaltar a semelhança de sua história (real) com a de outro personagem (fictício) marcante da década de 70: o taxista Travis Bickle, de Taxi Driver. Afinal, ambos são indivíduos que se colocam à margem da Sociedade e que, desta posição, julgam com severidade os erros de seus semelhantes e, principalmente, do `Sistema`. E é claro que, em determinado instante, os dois chegam à questionável conclusão de que a única forma de `corrigir` o mundo é através da violência.

Escrito por Kevin Kennedy e Niels Mueller (que também assume a direção), O Assassinato de Richard Nixon retrata Samuel Bicke como um homem tímido e inseguro que, por uma destas cruéis ironias do destino, tenta a sorte justamente em uma profissão que não comporta estas duas características: a de vendedor. Recentemente separado da esposa (embora ainda não tenham se divorciado legalmente), Bicke quer se tornar alguém de sucesso a fim de impressioná-la e, assim, salvar seu casamento e voltar para casa e para as duas filhas. Obcecado por sua própria `insignificância` perante a sociedade, ele chega a comemorar o fato de seu novo patrão ter encomendado mil cartões de apresentação para que ele possa distribuir para seus possíveis clientes, como se isto, de alguma forma, lhe conferisse uma posição mais invejável.

Porém, mais do que riqueza ou fama, o filme deixa claro que o que Bicke deseja é, na realidade, apenas fazer parte do conjunto, identificar-se com seus pares – afinal, ser capaz de misturar-se à multidão é melhor do que ser sempre apontado como o exemplo universal de fracasso ou mediocridade. E a verdade é que o angustiado anti-herói deste longa não é uma pessoa especialmente brilhante (ou mesmo `normal`, devo dizer) do ponto de vista intelectual, exibindo um grau de ingenuidade alarmante, como ao sugerir que os Panteras Negras alterem seu nome para `Zebras` e passem a representar negros e brancos desprezados pelo `Sistema`. Aliás, o tal `Sistema` é, para o protagonista, a resposta padrão ao tentar identificar os males do mundo – e esta paranóia do homem pequeno com relação ao governo e às regras do capitalismo é uma característica típica dos ianques, que desejam, como Sam Bicke, conseguir um `pedaço do sonho americano`.

Eu já afirmei em diversas ocasiões que considero Sean Penn o melhor ator de sua geração, um Marlon Brando contemporâneo – e sua performance neste filme é mais um exemplo de sua genialidade. Em vez de ressaltar os aspectos mais peculiares (leia-se: absurdos) da personalidade de Bicke, Penn toma a decisão acertada de investigar sua humanidade: assim, podemos até não concordar com as ações do sujeito (ou mesmo compreendê-las), mas aceitamos a justeza de seus motivos. Esta, aliás, é a tragédia de Bicke: em princípio, suas reclamações são perfeitamente razoáveis; o grande problema diz respeito à dimensão exagerada que confere a tudo. O que ele quer (embora não perceba) é um mundo utópico, impossível: injustiças são inevitáveis e, de fato, ocorrem o tempo inteiro – aborrecer-se com cada uma delas é buscar a loucura voluntariamente. Assim, de certa forma Bicke é uma criança vivendo em um universo de adultos – e é isto que seu irmão caçula (Wincott, perfeito em sua única cena) parece perceber ao inclinar a cabeça de forma triste durante a dolorosa conversa que os dois mantém, em certo instante da narrativa.

O fascinante é que, graças também à direção impecável do estreante Niels Muller, nossa simpatia pela dor do protagonista não nos torna cegos para a realidade de que viver ao lado de alguém como ele seria, no mínimo, extenuante – e, assim, compreendemos por que sua esposa Marie (Naomi Watts, ótima, repetindo a dramática dupla romântica de 21 Gramas) não conseguiu fazê-lo por mais tempo. Aliás, os confrontos entre Sam e Marie representam alguns dos momentos mais fortes de O Assassinato de Richard Nixon, merecendo destaque, é claro, a conversa que mantém por telefone. O desempenho de Sean Penn nesta cena, aliás, é uma verdadeira aula de interpretação: sem jamais ouvirmos o que está sendo dito do outro lado da linha, somos capazes de ler toda a dolorosa conversa através do rosto do ator – e confesso que, assim como acontece em Taxi Driver (quando Travis liga para Betsy), esperei que a câmera se desviasse a fim de evitar um constrangimento maior para o personagem (mas fiquei contente quando isto não aconteceu, já que ver Penn atuando naquele plano específico já valeu o filme).

Há cerca de oito anos, ao escrever sobre Amadeus, comentei que aquele era um filme `maravilhosamente triste` - não no sentido melodramático da palavra, mas sim por retratar o sofrimento de alguém como Salieri, cuja dor era provocada por sua consciência do fato de que jamais seria tudo aquilo que desejava e de que seu legado seria esquecido antes mesmo de sua morte. Pois, no caso de Samuel Byck/Bicke, a frustração era ainda mais amarga; afinal, sua `insignificância` não foi estabelecida pela presença de um gênio grandioso como Mozart, mas sim pela comparação pura e simples com outros indivíduos com existências comuns, corriqueiras. E o que o pobre homem não foi capaz de entender é que mesmo uma vida de obscuridade é única e, portanto, valiosa e digna de celebração.
``

11 de Fevereiro de 2005

Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!