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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
13/06/2003 23/10/2002 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
103 minuto(s)

O Filho
Le fils

Dirigido por Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne. Com: Olivier Gourmet, Morgan Marinne, Isabella Soupart, Nassim Hassaïni, Kevin Leroy, Rémy Renauld e Félicien Pitsaer.

Durante a exibição do maravilhoso O Filho, vários espectadores abandonaram a sala antes do fim da projeção – algo que me despertou a seguinte dúvida: será que minhas preferências cinematográficas estão se tornando muito diferentes daquelas do público em geral? Será que, em alguns anos, me tornarei aquele tipo de crítico que é apontado pelos leitores como um `esnobe`, já que só gosta de filmes `de arte`? Ou será que as pessoas que deixaram a sala simplesmente não compreenderam a beleza da produção, julgando-a chata? Neste caso, deixemos algo bastante claro: também não sou particularmente fã de filmes muito lentos, daqueles em que nada parece acontecer. Porém, não creio que O Filho seja assim.

Tomemos, como exemplo, a cena em que o professor de marcenaria Olivier entra na casa de um de seus alunos: depois de examinar o lugar, o homem senta-se em uma cadeira e fica alguns momentos em silêncio. Em seguida, deita-se na cama do rapaz e ali permanece, pensativo. Ora, se nos limitarmos a observar o que está acontecendo na tela, a cena pode, de fato, parecer tediosa. No entanto, a coisa muda de figura se levarmos em consideração que Olivier está no apartamento do rapaz que, anos antes, matara seu filho de 5 anos de idade. Agora reveja a cena e imagine o que está passando pela cabeça do pobre sujeito – garanto que a ação psicológica neste caso é milhares de vezes mais intensa do que todas as perseguições vistas em Matrix Reloaded.

Dirigido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, O Filho segue um estilo quase documental, já que a câmera parece seguir o protagonista, não limitando-se somente a observá-lo como uma figura ficcional. Assim, as longas tomadas normalmente revelam apenas o que o próprio personagem vê – e as `pistas` sobre sua personalidade são fornecidas por suas reações e por suas atitudes. Aliás, a performance do belga Olivier Gourmet é simplesmente estupenda: é como se víssemos um autêntico marceneiro em seu cotidiano, já que seus movimentos na oficina e sua interação com os alunos é de uma naturalidade fascinante. Verossímil em seus menores detalhes (a unha arroxeada por uma antiga pancada, por exemplo), Olivier (xará de seu intérprete) é um ser humano de carne-e-osso – e, justamente por isso, é um indivíduo repleto de contradições.

Analisemos sua postura diante de Francis, que assassinou seu filho: trabalhando em uma instituição responsável por ensinar profissões a ex-delinqüentes juvenis, Olivier recebe a tarefa de transformar o rapaz em um marceneiro (ninguém conhece sua ligação com o jovem – nem mesmo este último). Inicialmente relutante, ele acaba aceitando Francis como aluno, mas suas motivações jamais são esclarecidas para o espectador: ele quer conhecer melhor o garoto? Quer prejudicá-lo? Controlá-lo? Talvez até mesmo matá-lo? A verdade é que nem mesmo Olivier sabe exatamente o que procura – é possível que ele queira apenas agir profissionalmente, já que o rapaz merece a chance de reabilitar-se, assim como seus demais alunos.

Mas O Filho, como filme sensível que é, permite que o espectador tire suas próprias conclusões sobre os reais sentimentos de Olivier sem que, para isso, apele para recursos maniqueístas como narração em off ou visitas do protagonista ao psiquiatra. Basta que observemos, por exemplo, que o marceneiro jamais chama Francis pelo nome – embora aja assim com os demais aprendizes. Da mesma forma, veja a expressão cerrada do marceneiro ao ouvir o jovem assobiando alegremente – para Olivier, aquele simples assobio é uma lembrança de que Francis está vivo, e seu filho, morto. Repare, também, como o professor, em vez de entregar um lápis para o aluno, opta por atirar o objeto, como se quisesse manter a distância entre os dois. São sutilezas como estas que tornam evidente que cada segundo ao lado do rapaz é um momento de dor para o pobre homem.

Então, por que ele insiste naquela aproximação? Mais uma vez, o roteiro (também escrito pelos irmãos Dardenne) aposta no envolvimento de seu público, transformando O Filho em um filme que permite que o espectador participe intelectualmente da experiência, não limitando-se a absorver as informações previamente `mastigadas` pela narrativa. Assim, as emoções retratadas pelo longa são simples, mas intensas e genuínas. Olivier, como ficaria qualquer pessoa em sua posição, não sabe o que procura: a presença de Francis certamente é dolorosa, mas é possível que também lhe proporcione algum tipo de alívio, de consolo: conversar com o garoto é massacrante, mas, paradoxalmente, podemos acreditar que seja algo que Olivier deseja há muito tempo, como se o assassino pudesse lhe dizer algo que, de alguma forma, conferisse sentido à tragédia.

Como você pode ver, O Filho pode ser tudo, menos chato (e seu final é um dos mais maravilhosos, tocantes e reveladores que já vi) – isto é, a não ser que o espectador se limite a contemplar passivamente a superfície do filme, sem tentar ao menos ler seu subtexto. Se tentar, provavelmente será surpreendido pela intensidade da experiência.
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29 de Agosto de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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