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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
24/11/2006 01/01/1970 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
87 minuto(s)

Happy Feet: O Pingüim
Happy Feet

Dirigido por George Miller. Com as vozes de Elijah Wood, Robin Williams, Hugh Jackman, Nicole Kidman, Brittany Murphy, Hugo Weaving, Steve Irwin, Anthony LaPaglia.

 Dono de uma filmografia eclética - ainda que relativamente curta – que começou com a trilogia Mad Max e inclui o irregular As Bruxas de Eastwick e o excepcional O Óleo de Lorenzo, o cineasta australiano George Miller retorna à cadeira de diretor com a animação Happy Feet depois de seis anos de ausência, já que seu último longa foi o maravilhoso (e injustamente pouco apreciado) Babe: Um Porquinho na Cidade, lançado em 1998. Responsável também pelo roteiro de Babe: Um Porquinho Atrapalhado, Miller é um dos raros autores que trabalham com segurança tanto em produções adultas quanto infantis – e que, mais do que isso, reconhece a eficácia de se acrescentar toques sombrios a histórias voltadas para públicos mais jovens, conferindo peso dramático a tramas aparentemente inconseqüentes.

Trabalhando a partir de um roteiro que escreveu ao lado de Warren Coleman, John Collee (Mestre dos Mares) e Judy Morris (sua parceira em Um Porquinho na Cidade), Miller se beneficia, em Happy Feet, do sucesso do recente A Marcha dos Pingüins, que se encarregou de apresentar ao público o curioso ciclo reprodutivo dos animais que protagonizam a animação. Assim, quando vemos os pingüins-imperador se agrupando numa tentativa de se protegerem do frio enquanto chocam os ovos deixados pelas fêmeas, imediatamente compreendemos o que está em jogo sem que o filme precise fornecer informações adicionais sobre o que está ocorrendo. Da mesma forma, justamente por conhecermos um pouco melhor os hábitos daquela espécie, torna-se infinitamente mais divertido perceber como Miller e seus co-roteiristas exploram a monogamia temporária dos animais para conceber uma trama na qual o canto dos pingüins desempenha papel fundamental no acasalamento – algo que representa um grave problema para o protagonista, o jovem Mano, que, incapaz de cantar, é discriminado por sua predileção pelo sapateado.

Retratados em Happy Feet como uma espécie fundamentalmente musical, os pingüins desta animação se comunicam principalmente através de canções – e é por muito pouco que o filme não se transforma em uma versão digital e estrelada por animais do belo Os Guarda-Chuvas do Amor, dirigido por Jacques Demy em 1964 e que não traz um único diálogo que não seja cantado por seus atores. Repleto de números contagiantes, Happy Feet presenteia o espectador com coreografias grandiosas (realizadas através de motion capture) que exploram com talento as próprias cores de seus protagonistas, criando ondas de preto e branco que atravessam a tela com harmonia invejável. Além disso, Miller extrai o máximo dos fantásticos cenários “naturais”, culminando numa dança embalada pela aurora austral, que aqui assume ares de luzes de boate.

Tecnicamente brilhante, o longa demonstra imenso cuidado na concepção visual e na animação de seus personagens, que se mostram incrivelmente expressivos - reparem, por exemplo, na riqueza de significados no olhar de Memphis, pai do protagonista, quando se coloca ao lado daqueles que condenam a dança de seu filho: visivelmente inseguro acerca do que acaba de fazer, o pingüim parece tentar esconder a vergonha que sente de si mesmo por trás de uma fachada de falsa convicção, o que é espantoso se considerarmos que aquela “atuação” foi construída em computador. Aliás, também é divertido observar como Memphis (um nome perfeito para um personagem visivelmente inspirado em Elvis Presley) exibe vários maneirismos do “rei do rock” – e é uma sacada genial dos realizadores levá-lo a se casar com uma fêmea chamada Norma Jean, que traz uma pinta sedutora no corpo (Norma Jean era o nome verdadeiro de Marilyn Monroe).

Mas o destaque fica mesmo por conta de Mano, que encanta a partir do segundo em que sai do ovo: absurdamente engraçadinho, o pingüinzinho mal consegue manter seus pés imóveis, caminhando numa dança desajeitada que gradualmente se transforma num alegre sapateado (e a manchinha em seu peito, que remete a uma gravata-borboleta, é um detalhe inspirado) – e sua simpatia permanece intacta depois que ele se torna um jovem adulto, já que seu olhar mantém um ar de inocência contagiante. Enquanto isso, os pingüins “latinos” que se unem a Mano depois de algum tempo acabam se transformando na principal fonte de humor do filme com sua espontaneidade e irreverência.

Compreendendo perfeitamente a liberdade proporcionada pela animação digital, George Miller exibe uma inventividade em seus movimentos de “câmera” que ultrapassa até mesmo o virtuosismo de Robert Zemeckis e Gil Kenan em O Expresso Polar e A Casa Monstro, respectivamente. Assim, durante as seqüências de ação de Happy Feet, acompanhamos os personagens em vôos impressionantes, quando a perspectiva oferecida pelo cineasta muda constante e rapidamente (há até mesmo uma brincadeira metalingüística, quando um pingüim aparentemente tromba na câmera, derrubando-a). Finalmente, Miller faz uma opção inesperada e genial ao incluir, no terço final da projeção, atores de carne-e-osso, criando um estranhamento que contribui para a mudança de tom no ato final.

Esta alteração na atmosfera do filme, aliás, representa uma escolha característica de George Miller – o que não significa que agradará a todos. Ao contrário: é bastante provável que algumas pessoas estranhem o rumo sombrio tomado pela narrativa, o que é uma pena, já que, tematicamente, este é necessário para a lógica da trama, posto que o surgimento dos humanos deve representar, para Mano, uma experiência assustadora. Aliás, descritos como “alienígenas” por vários animais, os humanos são retratados pelo cineasta como se de fato o fossem: parcialmente ocultos por sombras ou desfocados pela presença de paredes de vidro, os homens, mulheres e crianças vistos pelo protagonista são realmente figuras inquietantes – e quando os pingüins usam a dança numa tentativa de comunicação, confesso que me lembrei da utilização de notas musicais como intermediárias em um diálogo entre extraterrestres e terráqueos, em Contatos Imediatos do Terceiro Grau.

Abordando uma série de temas que podem servir como base para várias conversas entre pais e filhos após a projeção, Happy Feet discute, de maneira alegórica (e, às vezes, quase literal), questões como o fundamentalismo religioso, o preconceito contra minorias (e contra o que é diferente, de modo geral) e até mesmo o constante conflito de gerações (e a proibição da dança pelos anciões funciona como referência curiosa a Footlose). Até mesmo a mensagem ecológica, que peca por ser carregada e óbvia demais, pode ser servir como base para debates mais cuidadosos com as crianças, o que é louvável.

Embora traga uma resolução artificial demais para um filme tão bem realizado, Happy Feet jamais deixa de ser encantador e divertido – e, ao lado de A Casa Monstro e Carros, é certamente uma das melhores animações de 2006.

23 de Novembro de 2006

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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