Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
16/05/2003 | 09/10/2002 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
120 minuto(s) |
Dirigido por Michael Moore.
Em uma das seqüências mais discutidas de Tiros em Columbine, o documentarista Michael Moore, depois de convencer o ator Charlton Heston a lhe conceder uma entrevista sobre a desprezível National Rifle Association (da qual este é presidente), surpreende o veterano intérprete com perguntas sobre a morte de uma garotinha de 6 anos, baleada por um colega de sala – e quando Heston abandona o local, nervoso, o cineasta o segue e, depois de atrair sua atenção mais uma vez, exibe uma foto da pobre criança. Apesar do forte impacto provocado pelo confronto, um detalhe atraiu minha atenção: naquele exato instante, não havia câmera alguma que pudesse ter enfocado Moore segurando a foto da garota, ou seja: aquela tomada específica foi feita posteriormente, quando Heston já não se encontrava mais ali. Não duvido de que tudo tenha acontecido como visto no filme, mas também não posso ignorar o fato de que o diretor não foi totalmente honesto com o espectador – algo nada recomendável para um documentário.
Determinado a examinar as causas da crescente violência nos Estados Unidos e de tragédias como o massacre no colégio Columbine, em abril de 1999, Michael Moore utiliza, como evidências para seus argumentos, imagens de arquivos, vídeos institucionais, seqüências de animação, conversas por rádio-comunicadores, gravações feitas pelo circuito interno de vídeo de Columbine, e até mesmo trechos de uma apresentação do comediante Chris Rock (que alega que, se cada bala custasse 5 mil dólares, não haveria mais vítimas de balas perdidas). No entanto, não há como negar que, assim como em seus filmes anteriores, o grande astro de Tiros em Columbine é mesmo o próprio Moore, que chega a interromper vários entrevistados com o objetivo de fazer gracinhas. Em alguns casos, suas brincadeiras são pertinentes e reforçam o absurdo do que está sendo dito (como no momento em que ele pergunta: `Você não acha meio perigoso distribuir armas em um banco?`; em outros, porém, o cineasta parece querer apenas ridicularizar sua vítima, já que a piada não parece ter propósito algum (como na cena em que ele indaga se um cachorro que provocou a morte de um caçador `sabia o que estava fazendo`). Em Roger & Eu e The Big One, era até compreensível que Michael Moore se colocasse no papel de protagonista, já que eram filmes que tratavam de questões pessoais; aqui, no entanto, este argumento dificilmente se aplicaria.
Outra diferença entre Tiros em Columbine e os dois longas citados acima reside no fato de que, desta vez, o cineasta não conhece as respostas para suas indagações. Chocado com as altas taxas de homicídio nos Estados Unidos, ele busca ligações entre a violência e o desemprego no país; seu passado de guerras; a facilidade que o americano tem para comprar armas; e até o sucesso dos videogames de lutas. Assim, Moore procura provar (ou negar) suas teorias através de entrevistas com pessoas como a integrante de uma milícia, que afirma que todos deveriam ter armas em casa; e com o executivo de uma fábrica de mísseis. Gradualmente, porém, ele é surpreendido ao descobrir que outros países possuem, por exemplo, maiores taxas de desemprego que os Estados Unidos – algo que não se reflete no grau de violência destas sociedades.
O problema é que, apesar de sua investigação ser interessante, o documentarista perde constantemente o foco de seus esforços, como ao gastar minutos preciosos em uma tentativa de fazer um policial reconhecer que os responsáveis pela poluição urbana deveriam ser presos e, mais tarde, ao investigar o preconceito racial vigente nos Estados Unidos (algo que merece ser denunciado, mas que, infelizmente, nada tem a ver com o objetivo imediato do filme). Para piorar, Moore se esquece de uma regra básica na formulação de teorias: apesar de suas perguntas serem geradas por incidentes específicos (como o tiroteio em Columbine ou a morte da garota de 6 anos), as respostas devem sempre ser aplicáveis a mais incidentes do que aquele que originou a pergunta. Não é isso, porém, o que acontece em Tiros em Columbine: em certo momento, por exemplo, o cineasta revela que a criança que atirou na colega havia encontrado a arma na casa do tio, com quem estava morando desde que a mãe fôra despejada. No entanto, em vez de se concentrar nas questões principais (por que o tio julgou necessário comprar uma arma e por que não a escondeu melhor?), Moore apela para a demagogia ao condenar os responsáveis pelo programa de auxílio-desemprego que impediu que a mãe ficasse ao lado do filho (algo que, novamente, deve ser denunciado, mas não por este filme). Como se não bastasse, o diretor encena um teatrinho ao implorar que o produtor Dick Clark o ajude a acabar com o tal programa, e, quando este o ignora, Moore simplesmente abandona o assunto – o que não o diferencia em nada do repórter que, depois de vaidosamente arrumar os cabelos antes da gravação, finge chorar em frente às câmeras.
Por outro lado, quando Tiros em Columbine acerta o alvo (com o perdão do trocadilho), não há como negar o brilhantismo da argumentação de seu diretor. Ao entrevistar o inteligente cantor Marilyn Manson, Moore finalmente se depara com uma resposta pertinente para suas dúvidas: vivendo em uma cultura regida pelo medo, os americanos compõem uma sociedade assustadiça, paranóica – algo que é fomentado pela própria mídia através de programas sensacionalistas como Cops e até mesmo pelos telejornais tradicionais (há sempre algo `ameaçando` a América, desde terroristas até abelhas assassinas). Ao conversar com o produtor de Cops, o documentarista pergunta porque este não realiza um programa sobre as causas da violência, em vez de retratar apenas os criminosos, e a resposta é tristemente óbvia: a audiência não seria tão boa.
Além disso, não há como ignorar o pavor que os americanos sentem com relação a qualquer coisa que possa prejudicar seu modo de vida: em decorrência do tiroteio em Columbine, por exemplo, eles esboçam uma reação exagerada, típica de sua paranóia habitual, e começam a perseguir qualquer criança considerada `suspeita` (como o menino de 8 anos que é suspenso por levar um cortador de unhas para a escola). Irritado com este comportamento de seus compatriotas, Michael Moore argumenta – desta vez com clareza absoluta – que, atualmente, a administração Bush não precisa sequer fornecer razões para fomentar o medo dos americanos: basta citar uma denúncia qualquer (o que, convenientemente, desvia a atenção da população dos problemas realmente graves, como a crise na economia e os recentes escândalos financeiros).
Provando mais uma vez ser um exímio entrevistador, já que ataca seus `personagens` com fúria e determinação (vejam o que ele faz com Heston, por exemplo), Michael Moore enriquece Tiros em Columbine com uma narração envolvente e bem articulada. Além disso, ele recheia o filme com seqüências brilhantes, como a animação Uma Breve História da América e a montagem que mostra a intervenção norte-americana em vários países (culminando, inclusive, no assassinato de líderes eleitos democraticamente). Apesar de seus problemas estruturais, Tiros em Columbine merece nosso respeito absoluto por sua coragem, relevância e por provar que, na terra de Tio Sam, nem todo mundo aprova as barbaridades cometidas pelo tirano George W. Bush.
17 de Maio de 2003