Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
05/03/2004 | 11/07/2003 | 2 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
98 minuto(s) |
Dirigido por Joel Schumacher. Com: Cate Blanchett, Gerard McSorley, Ciarán Hinds, Brenda Fricker, Alan Devine, Gerry O’Brien, Paul Roe, Colin Farrell.
Quando o jornalista Tim Lopes foi assassinado por traficantes de drogas, em junho de 2002, fiquei tão chocado quanto qualquer outro cidadão deste nosso país tão violento – e confesso que me aborreceria muito caso tivesse que apontar os erros de um possível filme baseado na tragédia. Da mesma forma, não me sinto particularmente confortável em ter que escrever sobre O Custo da Coragem, longa-metragem inspirado no assassinato da repórter irlandesa Veronica Guerin, que também foi vítima de traficantes depois de publicar uma série de reportagens que denunciavam os criminosos. Porém, tenho que cumprir o meu dever – e o fato é que a produção dirigida por Joel Schumacher é extremamente burocrática ao narrar os últimos dois anos da vida de Guerin, preferindo se esforçar ao máximo para provocar as lágrimas do espectador do que para desenvolver melhor a história e sua protagonista. Neste sentido, O Custo da Coragem parece ter sido produzido para a televisão, e não para o cinema.
Escrito por Carol Doyle e Mary Agnes Donoghue, o roteiro tem início justamente com a morte de Veronica Guerin, que é seguida por uma série de letreiros que explicam, de forma resumida, o que aconteceu. Assim, logo em seus primeiros minutos O Custo da Coragem esvazia-se, já que as principais informações que poderiam ser desenvolvidas pela narrativa já foram fornecidas – e, de fato, quando a história volta dois anos no tempo, já encontramos a jornalista dando os passos iniciais de sua investigação. O resultado é que Guerin transforma-se, de cara, em um estereótipo (a profissional decidida e competente), deixando qualquer traço de individualidade para trás. Sempre alegre e cheia de energia, a personagem não é levada a sério por seus colegas de profissão – e, em vez de tentar mostrar para o público o equívoco desta percepção, o filme acaba levando o espectador a considerar a possibilidade de que ela talvez não devesse mesmo ser respeitada (o que, aposto, não corresponde à realidade).
Sem jamais ter que se esforçar realmente para conseguir informações, já que se limita a jogar charme para um policial e para um bandido a fim de obtê-las, a Veronica Guerin de O Custo da Coragem estabelece-se como uma jornalista medíocre e irresponsável, capaz até mesmo de publicar várias matérias sem sequer checar a veracidade dos fatos divulgados – mesmo tendo consciência de que pode estar sendo manipulada por suas fontes. Além disso, a moça logo se deslumbra com os holofotes, parecendo importar-se mais com a auto-promoção do que com sua própria segurança (ou mesmo com a de sua família). Ao ser atacada por um homem mascarado, por exemplo, a protagonista visita todos os suspeitos a fim de entregar uma carta a cada um deles – algo que, obviamente, chama a atenção da mídia. No entanto, quando ela revela o que as cartas diziam (`Foi você quem me atacou?`), é impossível, para o público, deixar de se impressionar com a infantilidade da suposta profissional.
Apesar de tudo, é fácil compreender porque uma atriz talentosa como Cate Blanchett aceitou o papel: Veronica Guerin (a real) era uma figura realmente capaz de despertar o fascínio – aliás, o mesmo acontece com todo `mártir`. E todos sabem que personagens trágicos acabam invariavelmente ganhando destaque nas premiações anuais – algo que, diga-se de passagem, já vem acontecendo com O Custo da Coragem. A pergunta é: a performance de Blanchett merece reconhecimento apesar da fragilidade na construção de sua personagem? A resposta é óbvia: claro que não. A maior parte da responsabilidade pela falta de dimensão da Veronica `cinematográfica` pode residir no roteiro e na péssima direção de Schumacher (sobre a qual falarei adiante), mas a triste realidade é que a atriz também contribui para isto, já que exagera no alto astral da jornalista, que chega a fazer piadinhas mesmo depois de levar um tiro na perna. E o que dizer de sua decisão – tomada casualmente – de dispensar a escolta policial (o que nos faz questionar ainda mais seu bom senso)? Quando os vilões finalmente conseguem alcançar seu objetivo, fica até difícil lamentar o destino de Veronica, já que ela parece ter praticamente implorado para ser morta.
Por sua vez, Joel Schumacher volta a decepcionar depois do eficiente Por um Fio, comprovando ser mesmo um cineasta pouco confiável (que o digam os terríveis Em Má Companhia, Batman & Robin e Ninguém é Perfeito). Em suas tentativas de fazer o espectador envolver-se com Veronica, ele chega ao cúmulo de incluir uma ridícula seqüência em que a jornalista dança com sua família enquanto todos se abraçam, felizes. Aliás, a falta de sutileza de Schumacher é tamanha que, para ilustrar a decadência de uma vizinhança dominada por traficantes, ele literalmente cobre as ruas com seringas utilizadas pelos viciados. Para piorar, o diretor ainda inclui uma ponta de seu `protegido` Colin Farrell (revelado em Tigerland – A Caminho da Guerra), que serve apenas como distração e comprova a falta de seriedade do cineasta com relação ao tema de seu filme.
Culminando em uma narração em off absolutamente constrangedora de tão ruim, O Custo da Coragem por pouco não `mata` Veronica Guerin pela segunda vez ao macular sua memória. Para se ter uma idéia, o aspecto mais interessante desta desastrosa cinebiografia diz respeito não à protagonista, mas a um personagem secundário, o criminoso (também real) Martin Cahill – e, ainda assim, somente porque me fez lembrar do ótimo O General, no qual a vida do bandido é retratada.
Ainda bem que as chances de Joel Schumacher dirigir um filme sobre Tim Lopes são mínimas. Desta sina, o nosso mártir está salvo.
19 de Dezembro de 2003
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