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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
09/09/2005 03/06/2005 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
144 minuto(s)

A Luta Pela Esperança
Cinderella Man

Dirigido por Ron Howard. Com: Russell Crowe, Paul Giamatti, Renée Zellweger, Craig Bierko, Paddy Considine, Bruce McGill, Rosemarie DeWitt, Nicholas Campbell, Clint Howard.

Max Baer era lutador profissional de boxe há apenas um ano quando, durante um confronto no ringue, nocauteou o adversário com tamanha força que este morreu instantaneamente. Abalado pelo acontecimento e sentindo-se culpado, ele abandonou o esporte por vários meses e, mesmo ao retornar, perdeu vários combates por temer machucar seus oponentes. Aos poucos, passou a assumir uma postura brincalhona em suas apresentações, a fim de tentar superar o trauma, e acabou se tornando campeão mundial – mas nunca deixou de auxiliar financeiramente a viúva e os filhos do lutador morto, sustentando-os até que se formassem na faculdade. Considerado (mesmo por seus adversários) um `cavalheiro` fora dos ringues, Max Baer se orgulhava, entre outras coisas, de ter derrotado um dos atletas favoritos de Hitler – e, justamente por isso (e também por suas origens judias), os filmes dos quais viria a participar como ator chegaram a ser proibidos por Goebbels na Alemanha.

Taí uma história fascinante sobre um cara perseverante e correto que, até o fim de sua vida, foi perturbado por pesadelos e crises depressivas provocadas pelo sentimento de culpa, jamais se esquecendo do lutador cuja morte provocou. Aliás, Baer desempenha um papel importante em A Luta pela Esperança, novo filme do cineasta Ron Howard, já que viria a enfrentar justamente o protagonista desta cinebiografia, o igualmente interessante James J. Braddock, que, depois de ser forçado a abandonar o boxe em função de suas constantes derrotas, retornou inesperadamente em uma série de lutas contra oponentes teoricamente muito mais poderosos – incluindo Baer, então detentor do título.

Infelizmente, o roteiro escrito por Cliff Hollingsworth e pelo picareta Akiva Goldsman transforma Baer em um vilão quase caricatural, retratando-o como um sujeito mau-caráter que, quando não estava gritando com as prostitutas com as quais promovia orgias, preocupava-se apenas em ofender os adversários, chegando até mesmo a ameaçar matar Braddock e a `confortar` a viúva deste. E, no ringue, sua postura é ainda mais desprezível, já que, em certo instante, Howard chega a sugerir a intenção de Baer em realmente matar o protagonista. Ora, isto só indica a insegurança de Howard e seus roteiristas com relação à própria competência: quer dizer que, caso Max Baer não fosse visto como um monstro, não torceríamos por Braddock? Por que não tornar o filme mais complexo justamente ao retratar o embate entre duas figuras com méritos pessoais e profissionais, em vez de obrigar o espectador a `escolher` um deles como `o herói`?

Subestimando a sensibilidade e a inteligência do público, o roteiro recria a trajetória de Braddock de forma puramente esquemática, saltando de um clichê do gênero para outro e seguindo de perto a fórmula consagrada por obras espetaculares como O Campeão (versão de 31), Rocky, um Lutador e Touro Indomável. E isto é uma pena, já que a história de Braddock seria suficientemente interessante para atrair nossa atenção; não era necessário transformá-la em um água-com-açúcar convencional. Aliás, o interesse de Goldsman, Hollingsworth e Howard pelo melodrama é tamanho que, ao lidar com a decadência do lutador, o filme opta por mostrá-lo rico e feliz para, num corte abrupto, retratá-lo na miséria quatro anos depois, fornecendo a explicação para tal queda apenas mais tarde, através de diálogos terrivelmente expositivos, artificiais (como na transmissão feita por um locutor). Ou seja: a clareza e a elegância narrativas são substituídas pelo choque barato e pelo clichê.

Para sorte de A Luta pela Esperança, no entanto, Russell Crowe continua a crescer como intérprete – e é justamente a intensidade que ele transfere ao filme que acaba evitando que este se torne um desastre. É claro que Akiva Goldsman, um dos maiores farsantes de Hollywood, faz de tudo para retratar Braddock como um ser perfeito (`Quem torceria por um indivíduo com falhas de caráter?`, deve pensar o roteirista): o lutador parece incapaz de cometer deslizes que seriam até mesmo perdoáveis para alguém em uma situação desesperadora como a sua. Braddock não bebe, não discute com a esposa, não repreende os filhos, não se exalta com seus inimigos, não perde as esperanças jamais e, é claro, trata com os adversários com imenso respeito, ao contrário do `desprezível` Max Baer. Ainda assim, Crowe transforma o personagem em uma figura plausível, quase levando o espectador a ignorar sua perfeição implausível ao conferir um ar triste e cansado a Braddock, destacando-se principalmente na cena em que este, humilhado, recorre aos antigos companheiros em busca de auxílio financeiro.

Da mesma maneira, Paul Giamatti, sempre um ator eficiente, faz um belíssimo trabalho como Joe Gould, empresário e melhor amigo de Braddock (embora o roteiro deficiente confunda as funções de `empresário` e `treinador`): experiente, Gould desempenha papel fundamental nas vitórias do lutador, oferecendo conselhos e fazendo joguinhos psicológicos para abalar os oponentes. Em contrapartida, o trabalho de Renée Zellweger revela-se um dos piores de sua carreira: afetada ao extremo, ela vive Mae, esposa de Braddock, de maneira artificial, técnica, parecendo calcular o segundo exato no qual deve tremer a voz ou iniciar um choro. Fica claro que ela está `interpretando`, e não `vivendo` a personagem. Comparem, por exemplo, a cena em que ela chora ao ver os filhos sofrendo com o frio e a fome a um momento similar em 2 Filhos de Francisco protagonizado por Dira Paes e perceberá a diferença: enquanto, no filme brasileiro, sentimos o peso, a `verdade` da dor experimentada por aquela mãe, em A Luta pela Esperança vemos apenas uma atriz hollywoodiana tentando ganhar um Oscar – e chega a doer, de tão artificial, o momento em que Zellweger diz que Braddock será sempre `o campeão de seu coração`. Neste instante, quase fui à nocaute, confesso.

Já as seqüências de luta são realizadas de forma competente, mas só: se comparadas aos embates da série Rocky ou de Touro Indomável, tornam-se quase burocráticas – principalmente graças à insistência do diretor de fotografia Salvatore Totino em repetir alguns dos truques que havia utilizado em Um Domingo Qualquer para aumentar o impacto dos golpes dos lutadores, empregando whip-pans (`chicotes`), planos fora de foco e flashes de luz. (E por que a equipe de maquiagem `poupa` Russell Crowe, enfeitando-o apenas com um corte ou outro, enquanto praticamente deforma seus adversários?) Finalmente, é o próprio Ron Howard quem tropeça ao acrescentar, de forma desajeitada, flashbacks (simulando a textura do Super-8) durante as lutas – algo que, para um diretor convencional como ele, deve ter representado um esforço de quase experimentalismo.

No final das contas, A Luta pela Esperança nada mais é do que um repeteco de Alma de Herói, apenas substituindo o cavalo Seabiscuit por James J. Braddock. E, neste caso, confesso que preferiria assistir a um filme sobre um homem decente que se torturou por causar acidentalmente a morte de um colega e que, mesmo sendo reconhecido por sua ética pessoal, acabou se transformando em vilão numa produção de Hollywood. Em suma: um filme sobre Max Baer.
``

10 de Setembro de 2005

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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