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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
16/01/2003 01/01/1970 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
2003 minuto(s)

Deus é Brasileiro
Deus é Brasileiro

Dirigido por Carlos Diegues. Com: Antônio Fagundes, Wagner Moura, Paloma Duarte, Castrinho, Bruce Gomlevsky, Stepan Nercessian, Hugo Carvana, Chico de Assis, Thiago Farias, Susana Werner e Toni Garrido.

Que Deus é Brasileiro, todo mundo sabe – ou, pelo menos, é o que garante a expressão popular. A pergunta é: Ele também é engraçado? Infelizmente, a se julgar pela forma com que Antônio Fagundes O interpreta, não muito. Neste novo filme de Carlos (ex-Cacá) Diegues, Deus é retratado como um ser que não possui o menor senso de humor - o que é lamentável, principalmente se considerarmos que Ele está protagonizando uma comédia.

Concebido a partir de um conto de João Ubaldo Ribeiro, Deus é Brasileiro parte de uma premissa divertida: estafado depois de bilhões de anos sem tirar férias, o Todo-Poderoso finalmente resolve descansar e, para isso, precisa encontrar um Santo que ocupe Seu lugar durante Sua ausência. Convencido de que o substituto ideal é um certo Quinca das Mulas (Gomlevsky), Deus viaja para o nordeste brasileiro a fim de conversar com o sujeito e, no processo, acaba ganhando a companhia do divertido Taoca (Moura), um rapaz cheio de artimanhas, e da deprimida Madá (Duarte), que pretende ir para São Paulo ao lado do misterioso viajante.

Apesar de ter a grande oportunidade de interpretar um personagem com imenso potencial cômico (como George Burns já havia provado na série originada por Alguém Lá em Cima Gosta de Mim), Antônio Fagundes opta por retratar Deus com uma rabugice pouco atraente. Constantemente irritado, o Criador do Universo atravessa todo o filme resmungando e ridicularizando seus companheiros de viagem, como se tudo não passasse de um imenso incômodo. Com isso, Deus acaba se revelando um personagem (que me perdoem os leitores religiosos) antipático, que jamais merece a compreensão do espectador. Em certo momento, por exemplo, Ele diz: `Sou uma pessoa fácil de se conviver; só não gosto que discordem de mim` – uma frase que poderia ser engraçada, mas que acaba soando de forma irritantemente presunçosa.

Em contrapartida, o jovem ator baiano Wagner Moura, que interpreta Taoca, rouba o filme de seu veterano colega de elenco ao conferir graça a praticamente todos os diálogos que lhe são destinados - basta constatar o irresistível despeito com que ele diz sobre Deus: `Antigamente, Ele andava sobre as águas`, ou sua hilária indignação ao ser `acusado` de usar brincos: `Brinco, não. É piercing!`. Transformando Taoca em uma espécie de primo de João Grilo, protagonista de O Auto da Compadecida, Moura atrai a atenção e a simpatia da platéia, eclipsando todos aqueles com quem contracena – incluindo a talentosa Paloma Duarte, cuja personagem parece estar em um trágico drama, e não em uma comédia (algo parecido aconteceu com a atriz em A Partilha). E o que dizer da falta de talento descomunal de Susana Werner, que não consegue sequer interpretar uma apresentadora infantil caricatural? (Para ver o que uma boa atriz poderia fazer com o papel, confira o belo trabalho de Cláudia Abreu em Ed Mort.)

Porém, a principal fraqueza de Deus é Brasileiro reside mesmo em seu roteiro, escrito a oito mãos: além dos fracos diálogos, das piadinhas óbvias e da falta de inspiração generalizada, a história ainda possui uma série de buracos inexplicáveis. Tomemos, como exemplo, a cena em que uma recém-casada se recusa a dançar com Antônio Fagundes: por que o desespero da garota? Ela está possuída por algum demônio? E, caso a resposta seja positiva, qual é o objetivo da cena? É como se, depois de criar a situação, os roteiristas desistissem de usá-la e a abandonassem sem maiores explicações. Aliás, o mesmo acontece com relação a uma subtrama envolvendo Deus e Madá: em várias cenas, o primeiro demonstra possuir algum interesse particular na garota (algo que chega a chamar a atenção de Taoca), mas o filme jamais se dá ao trabalho de explicar a natureza deste sentimento, como se temesse as repercussões. Porém, se este é o caso, por que manter a cena em que Deus dança com a menina e também aquela na qual Ele a beija carinhosamente? Para finalizar, o que podemos dizer sobre as piadinhas envolvendo homossexuais – algo que, além de não funcionar e não se encaixar no contexto do filme, ainda faz Deus parecer preconceituoso?

Mas não é só isso: em diversos momentos da projeção, os roteiristas preparam o espectador para piadas que nunca chegam, como na cena em que Deus tampa os ouvidos para não escutar a ladainha de Taoca; e no momento (já citado acima) em que Ele, depois de assumir a forma de uma bela mulher, beija Madá – o que certamente deveria despertar um comentário malicioso de Taoca, que, ao invés disso, permanece calado. E prefiro nem me aprofundar na decisão que o Todo-Poderoso toma de `não fazer milagres` para encontrar Quinca das Mulas, embora, ao longo do filme, acabe realizando diversas outras proezas sobrenaturais.

Apesar de contar com a maravilhosa fotografia do veterano Affonso Beato (que já colaborou inclusive com Pedro Almodóvar) e com efeitos especiais aceitáveis, Deus é Brasileiro sofre em função da direção pouco inspirada de Diegues, que jamais confere um ritmo adequado ao filme – algo fatal para uma comédia. Esta produção, aliás, pode ser perfeitamente definida pelas características de sua tomada final: bela, mas terrivelmente longa.
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12 de Fevereiro de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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