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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
08/05/2009 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora

Star Trek
Star Trek

Dirigido por J.J. Abrams. Com: Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, John Cho, Anton Yelchin, Simon Pegg, Eric Bana, Bruce Greenwood, Winona Ryder, Ben Cross, Clifton Collins Jr., Jacob Kogan, Tyler Perry, Chris Hemsworth, Deep Roy, Leonard Nimoy e a voz de Majel Barrett.

 

“Uau”. Esta é a primeira palavra dita pelo capitão James Tiberius Kirk (Pine) ao pousar os olhos pela primeira vez sobre a USS Enterprise, nave da Frota Estelar que comandaria durante tantos e tantos anos e em inúmeras aventuras retratadas em diversas séries de televisão (incluindo animações) e, claro, no Cinema. É uma reação simples, contida, mas que evoca perfeitamente o significado daquele momento, já que, do lado de cá da tela, não é difícil imaginar que os fãs da série estivessem experimentando uma fascinação similar.

           

Longe das telonas desde 2002, quando o roteirista John Logan (auxiliado pelo diretor Stuart Baird, que nunca mais voltou à função) enterrou a série com o fraquíssimo Nêmesis, Jornada nas Estrelas já vinha fraquejando desde que a tripulação original da Enterprise se despedira da franquia para ceder lugar aos pouco carismáticos membros da Nova Geração – que, mesmo protagonizando dois bons filmes (Primeiro Contato e Insurreição), jamais conseguiram evocar o mesmo calor humano e a complexidade psicológica dos personagens clássicos. Picard, Riker e Data, por mais que se esforçassem, simplesmente não podiam competir com a riquíssima dinâmica existente entre Kirk, McCoy e Spock – e, por esta razão, jamais consegui estabelecer a mesma ligação com a série depois que estes últimos a deixaram (no surpreendente A Terra Desconhecida, de 1991). Sempre funcionando como centro motor da franquia, os três amigos encarnavam facetas diferentes da natureza humana, não sendo de todo absurdo compará-los ao Ego, Id e Superego, respectivamente: se McCoy era impulsivo e apaixonado, Spock o contrabalançava com sua mente absurdamente racional – e era das discussões entre estes dois que normalmente surgiam as decisões de Kirk, que oscilava entre sua própria natureza passional e a mente de estrategista de um capitão da Federação.

           

Assim, foi com óbvia alegria que, logo nos minutos iniciais de Star Trek, constatei estar testemunhando um momento-chave da vida de seu protagonista: seu nascimento. Escrito por Alex Kurtzman e Roberto Orci (cujas medíocres carreiras jamais me permitiriam apostar no sucesso deste roteiro), o filme já tem início de maneira emocionalmente impactante, voltando a surpreender ao nos apresentar a uma versão infantil de Spock que, amaldiçoado por representar um improvável híbrido de terráqueos e vulcanos, é vitimado pelo bullying de seus igualmente racionais (mas não menos cruéis) colegas de escola (ou o que se passa por escola em Vulcan). A partir daí, reencontramos os tripulantes originais da Enterprise em suas versões juvenis e testemunhamos os momentos em que estes se encontram pela primeira vez (sem imaginarem que estão vivendo instantes históricos) e em que são destinados às suas tradicionais funções.

           

Embora concebido com a preocupação de permitir que os “não-iniciados” possam acompanhar a história sem qualquer problema (sendo bem-sucedido neste aspecto), o roteiro é inteligente o bastante para incluir uma série de referências que certamente provocarão pequenos orgasmos de reconhecimento nos fãs, desde a declaração de Kirk sobre não acreditar em situações que não possam ser vencidas até a cena em que este faz o teste Kobayashi Maru – um incidente inicialmente mencionado em A Ira de Khan. Além disso, ao manter o bom humor característico da franquia (especialmente em sua fase “clássica”), Star Trek chega a retratar o início de uma tradição que qualquer fã da série conhece: aquela que prega que os tripulantes-figurantes de camisa vermelha estão sempre fadados a um fim trágico.

           

Com uma carreira construída na televisão (ele é o criador de séries como Alias e Lost), J.J. Abrams também não parece se importar em continuar a explorar esta mídia em seus projetos cinematográficos: depois de estrear como diretor de longas no eficaz Missão: Impossível 3, ele volta a comandar um filme baseado em série de tevê neste Star Trek, saindo-se admiravelmente bem ao criar seqüências de ação eficientes como a luta sobre o perfurador, que conta uma montagem intensa, planos “aéreos” (obviamente rodados em estúdio) cheios de energia e uma mise en scène inteligente que estabelece um bom suspense ao mesmo tempo em que cria pequenos momentos ricos em humor. Além disso, Abrams reconhece a dimensão quase mitológica de seus personagens, tornando-os ainda mais grandiosos através do uso freqüente de ângulos baixos e de travellings que se aproximam rapidamente de seus rostos ao mesmo tempo em que confere maior verossimilhança à Enterprise ao revelar suas vísceras de metal e a complexidade de sua estrutura (esta, aliás, é a primeira vez em toda a série que a nave surge realmente convincente em vez de parecer um mero cenário de madeira). Em contrapartida, sua insistência em quadros inclinados e na utilização de reflexos luminosos que tomam conta da tela acaba soando como mero esforço para chamar a atenção, pouco contribuindo visualmente para a narrativa.

           

Mas o elemento mais surpreendente deste Star Trek - e que o torna vitorioso - reside mesmo no fato do filme representar um autêntico reboot da série: adotando um velho recurso da ficção científica (as viagens no tempo) como centro narrativo, o roteiro não hesita em subverter vários elementos da cronologia tradicional da franquia com o propósito de reconstruí-la – e estou certo de que muitos fãs reagirão com absoluto choque e pavor ao testemunharem incidentes que alteram brutalmente a própria mitologia de Jornada nas Estrelas (isto para não mencionar o estabelecimento de relações entre certos personagens que... bom, a prudência me impede de revelar). Com isso, Abrams, Orci e Kurtzman conseguem uma proeza admirável: retornam a série às suas origens ao mesmo tempo em que a tornam completamente imprevisível, já que, a rigor, tudo pode acontecer daqui para a frente – mesmo a morte de personagens importantes (e, de fato, o filme inclui a despedida de ao menos duas figuras que, segundo a cronologia clássica, só deveriam morrer décadas mais tarde).

           

O importante, contudo, é que, por mais que a (H)história seja alterada em Star Trek, as personalidades dos personagens permanecem fiéis àquilo que já conhecíamos: Kirk, por exemplo, é vivido de maneira incrivelmente eficaz por Chris Pine, que encarna perfeitamente a arrogância e a impulsividade do capitão imortalizado por William Shatner – e até mesmo sua dicção remete à caracterização do veterano ator (reparem, por exemplo, como ele pronuncia “Spock” com um “o” aberto que beira o “a”). Enquanto isso, Karl Urban retrata a alma sensível e a fidelidade inabalável de McCoy, ao passo que John Cho faz um Sulu que, embora ainda inexperiente e, portanto, sujeito a cometer erros primários, já dá sinais da incrível competência daquele que, no futuro, viria a se tornar capitão de sua própria nave. E se Zoe Saldana compõe Uhura como uma mulher de personalidade forte que oculta uma ternura surpreendente e Simon Pegg exibe seu talento cômico como o inesquecível Scotty, Anton Yelchin acaba demonstrando ser capaz de criar um Chekov mais interessante que o original (confesso que, particularmente, sempre considerei Walter Koenig o integrante mais insípido da série clásica).

 

Mas é claro que, mesmo fazendo parte de um elenco tão coeso, é Zachary Quinto quem se destaca (ao lado de Pine) como a versão jovem de Spock, um dos personagens mais querido e icônicos da ficção científica. Interpretando um personagem cuja própria natureza se encontra dividida entre a razão absoluta e a emoção incontrolável, Quinto encarna Spock com tamanha convicção que o filme não hesita nem mesmo em colocá-lo diante do original – e é uma surpresa extremamente agradável constatar como, além de compreender a essência do personagem, o ator surge totalmente convincente como uma versão jovem de Leonard Nimoy (que, diga-se de passagem, volta às telas depois de 18 anos de ausência e veste as orelhas pontudas de Spock como se jamais as tivesse retirado, tamanho seu controle sobre as mais sutis nuances do personagem).

 

Falhando apenas por não incluir o clássico tema composto por Jerry Goldsmith para a série (o único tropeço – e grave! – da trilha do sempre brilhante Michael Giacchino), Star Trek comprova que ainda há muito a ser explorado no universo concebido por Gene Roddenberry há mais de 40 anos. E desde que esta revisão da franquia se mantenha fiel ao espírito de seus carismáticos personagens, continuarei a acompanhá-los, feliz, enquanto exploram estranhos mundos novos, buscam novas vidas e novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve.

 

08 de Maio de 2009

 

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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