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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/03/2003 06/09/2002 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
150 minuto(s)

O Pianista
The Pianist

Dirigido por Roman Polanski. Com: Adrien Brody, Michael Zebrowski, Ed Stoppard, Maureen Lipman, Frank Finlay, Emilia Fox e Thomas Kretschmann.

Roman Liebling tinha 3 anos de idade quando seu pai (um judeu polonês) e sua mãe (uma imigrante russa) decidiram sair de Paris, onde ele nascera, e retornar à Polônia. Alguns anos depois, quando a Alemanha Nazista ocupou o país, a família Liebling foi obrigada a abandonar sua confortável moradia e se mudar para um bairro que passaria a ser ocupado apenas por judeus – a construção de um muro nas saídas do bairro impediam que seus moradores se movessem com liberdade: era o gueto de Cracóvia. Porém, eles não ficaram ali por muito tempo, sendo levados para um campo de concentração – e foi nesta ocasião que o pai do garoto ajudou o filho a escapar de seus perseguidores, pagando uma soma razoável para que o menino se escondesse na casa de famílias católicas. Ainda assim, a vida de Roman não foi fácil, já que, em inúmeras ocasiões, este foi obrigado a fugir dos oficiais nazistas que, em certo momento, chegaram a utilizá-lo como alvo vivo em uma cruel disputa de tiros. Com o fim da guerra, o rapaz voltou a encontrar o pai, mas, para seu desespero, descobriu que a mãe (grávida de oito meses) havia sido morta no campo de concentração. Décadas mais tarde, Roman Liebling mudaria seu sobrenome para Polanski e viria a dirigir este O Pianista, que, apesar de contar a história do músico Wladyslaw Szpilman, certamente retrata vários elementos da vida do próprio cineasta.

Escrito por Ronald Harwood a partir do livro autobiográfico de Szpilman, O Pianista tem início justamente no momento em que a Alemanha invade a Polônia e começa a decretar leis anti-semitas: no início, os judeus são proibidos de andar nas calçadas da cidade (no caso, Varsóvia) e de se sentarem nos bancos das praças. Em seguida, são obrigados a usar, nos braços, faixas ostentando a Estrela de Davi e, mais tarde, são `depositados` no gueto de Varsóvia. É neste contexto que conhecemos a família do pianista: cultos e relativamente abastados, os Szpilman acreditam que a Alemanha logo será derrotada, já que França e Inglaterra acabam de declarar guerra a Hitler. Assim, é com grande terror que acabam se submetendo às constantes humilhações impostas pelos nazistas enquanto lutam para ficarem unidos – e estas humilhações parecem não ter fim, já que os militares alemães parecem dispostos a realizar novas atrocidades a todo momento, como na cena em que interrompem o jantar de uma família e, para evitar o incômodo de carregar um inválido pelas escadas, resolvem atirá-lo pela janela.

Aliás, eu poderia facilmente preencher toda esta análise apenas com descrições das barbaridades vistas ao longo de O Pianista, já que Polanski parece determinado a transformar o filme em um grito de doloroso protesto (`Vejam o que fizeram conosco! Vejam! Como isso foi possível?`, parece dizer o cineasta) – e, apesar de ser um trabalho excepcional, o fato é que A Lista de Schindler acaba empalidecendo diante do filme de Polanski, que não poupa o espectador de ver, nas ruas do gueto, os cadáveres em decomposição de crianças vitimadas pelo frio e pela fome. No entanto, ainda mais assustador é constatar que, com o tempo, os habitantes do gueto passam a nem prestar atenção aos corpos, como se estes já fizessem parte da trágica paisagem – e, mesmo então, muitos ainda duvidam que os nazistas irão exterminar os judeus, como se simplesmente não quisessem enxergar o destino: `Os alemães não desperdiçariam tamanha força de trabalho!`, argumenta alguém prestes a ser levado para um campo de concentração.

Porém, a bem da verdade, os nazistas utilizam um cruel recurso psicológico para enganar suas vítimas: antes de embarcar os habitantes do gueto rumo aos campos de concentração, oficiais alemães informam que cada família poderá levar até quinze quilos de bagagem (o objetivo, obviamente, é levar os judeus a acreditarem que precisarão de seus pertences pessoais – mentira que é exposta quando as famílias são levadas para os trens sem suas malas e baús, que ficam jogados em um pátio e são vistos em uma única e melancólica tomada, sem que Polanski sinta a necessidade de explicar o que aquilo significa, provando sua sutileza como diretor).

A direção de O Pianista, aliás, é primorosa: ao longo dos 148 minutos de projeção, Polanski consegue realizar uma proeza dificílima em produções deste tipo, levando o espectador a sentir o lento transcorrer dos anos sem que, com isso, a narrativa torne-se episódica ou artificial. E mais: ao retratar a jornada de Szpilman, o cineasta ilustra com competência as dificuldades que este enfrenta para se manter vivo, já que comida era artigo de luxo nos tempos de guerra – assim, sempre que chega em um novo esconderijo, o protagonista é obrigado a procurar algo para comer e beber, mesmo que isso implique em mergulhar o rosto em um balde cheio de dejetos humanos.

Enquanto isso, Adrien Brody oferece uma performance absolutamente inesquecível como Szpilman, encarnando com incrível realidade a decadência física e psicológica do personagem ao longo dos anos: de sua sofisticação inicial até se transformar na figura animalesca vista no fim da guerra. Passivo ao extremo, o pianista não é um herói na acepção habitual da palavra, já que sua postura frente às dificuldades jamais é a de alguém disposto a lutar por seus ideais ou mesmo por sua vida: durante toda a duração do filme, Szpilman é conduzido de um lado a outro de Varsóvia por amigos e aliados, mas jamais questiona os planos que lhe são apresentados. Aliás, a impressão é a de que o sujeito se mantém vivo mais por inércia do que por persistência: ao ficar preso por duas semanas em um apartamento sem comida, por exemplo, ele sequer tenta encontrar uma saída para o problema, limitando-se a deitar em um sofá e agonizar até que alguém venha ajudá-lo.

Presente em praticamente todas as cenas de O Pianista, Brody carrega o filme com uma força impressionante – e, ao contrário do personagem vivido por Daniel Day-Lewis em Gangues de Nova York, que chama a atenção por se tratar de uma figura atípica, Wladyslaw Szpilman é um homem absolutamente comum, não possuindo `tiques` ou outras características que o transformem em uma personalidade única, o que certamente dificultou ainda mais o trabalho do ator.

Mas as qualidades de O Pianista não param por aí: a direção de arte (obra de Sebastian T. Krawinkel) é impressionante, recriando com cuidado o gueto de Varsóvia e também as ruínas em que a cidade se transformou ao longo da guerra – e a cena em que Szpilman vê o resultado dos bombardeios pela primeira vez é impactante, já que a destruição de Varsóvia acaba servindo como reflexo da própria degradação do personagem. Também merecem destaque a sombria e melancólica fotografia de Pawel Edelman e os figurinos de Anna B. Sheppard, que ajudam Polanski a compor o retrato daquela triste época.

Sem se preocupar em criar momentos melodramáticos para arrancar lágrimas do espectador, O Pianista é um filme triste sem que, para isso, precise ser emocionante. A tristeza provocada por esta história não vem de momentos artificialmente criados através da utilização da trilha sonora ou de discursos cuidadosamente escritos, mas sim da constatação assustadora de que os seres humanos são capazes de realizar atrocidades inimagináveis – e o fato do protagonista desta produção ser um pianista somente contribui para salientar este fato, já que estabelece um forte contraste entre a beleza criativa das Artes e a monstruosidade insana da Guerra.

Pensando bem, o protagonista deste filme poderia perfeitamente ser um cineasta. E, de certa forma, é.
``

9 de Março de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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