Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
16/04/2004 | 07/02/2003 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
110 minuto(s) |
Dirigido por Liliana Cavani. Com: John Malkovich, Dougray Scott, Ray Winstone, Chiara Caselli, Lena Headey.
Não há figura mais fascinante do que um bom vilão. Aliás, uma das empreitadas mais divertidas das quais participei como membro da OFCS (associação de críticos da qual faço parte desde 2002) foi a criação de uma lista dos `100 Maiores Vilões de Todos os Tempos` – um esforço que consumiu alguns meses de trabalho, mas que gerou ótimas discussões no grupo. Apesar de satisfeito com o resultado, devo dizer que senti certa frustração por não ter conseguido emplacar dois nomes na lista: Zé Pequeno (Leandro Firmino da Hora), de Cidade de Deus, e Tom Ripley, que já foi interpretado por nada menos do que quatro atores ao longo dos últimos 44 anos (um quinto nome, Barry Pepper, se juntará à lista este ano, com o lançamento de White on White).
Criado pela escritora americana Patricia Highsmith, Ripley possui várias semelhanças com outro grande vilão que saltou dos livros para as telonas, Hannibal Lecter: ambos são extremamente inteligentes e têm imenso orgulho de seu bom gosto e refinado senso estético. Pianistas talentosos, Ripley e Lecter possuem seus próprios códigos morais, que seguem rigidamente. Por outro lado, Lecter é obviamente insano, o que o livra de quaisquer sofrimentos que poderiam ser provocados por sua consciência. Esta, aliás, é a principal diferença entre os dois personagens: ao contrário do psiquiatra canibal, Tom Ripley sabe que é um ser humano desprezível – e se o víamos dar seus primeiros passos na criminalidade em O Sol por Testemunha (onde foi vivido por Alain Delon) e O Talentoso Ripley (estrelado por Matt Damon), em O Retorno do Talentoso Ripley o personagem já não hesita em reconhecer que, afinal de contas, nasceu com um dom para a contravenção. Ainda assim, ele demonstra certo incômodo com relação ao que faz: `Sou uma criação`, ele diz, em certo momento deste filme. `Um improvisador talentoso. Não tenho consciência. Quando era mais jovem, isso me incomodava, mas não mais`. É claro que o simples ato de falar com amargura sobre sua `falta de consciência` revela a existência da mesma – um paradoxo que o torna ainda mais interessante.
Roteirizado por Liliana Cavani e Charles McKeown, O Retorno do Talentoso Ripley é a segunda versão do livro Ripley’s Game a ser levada para o Cinema, já que Wim Wenders já o havia adaptado em 1977, no fraco O Amigo Americano. Ambientada vários anos depois dos acontecimentos vistos em O Sol por Testemunha e O Talentoso Ripley, a história desta vez gira em torno de Jonathan Trevanny, um moldureiro que está morrendo em função de leucemia. Certo dia, durante uma festa, ele comete o equívoco de ofender Ripley ao questionar seu refinamento artístico. Assim, quando é procurado por um antigo comparsa que está à procura de um assassino que possa eliminar dois mafiosos, Ripley indica o nome de Jonathan, alegando que, por estar à beira da morte, o sujeito não tem nada a perder – e o fato de não ser um matador profissional será uma vantagem, já que ninguém conseguirá reconhecê-lo. O que Ripley quer, obviamente, é vingar-se do desafeto ao tirar-lhe o único bem que este possui: a inocência.
Porém, nada é tão simples quando se trata de Tom Ripley. Interpretado por John Malkovich, o personagem é um enigma até para si mesmo, já que se revela capaz de atos surpreendentemente nobres. Em certo momento, por exemplo, ele assume o controle de uma situação (na qual não deveria se intrometer) apenas para auxiliar outra pessoa – e a autoridade e a segurança com que ele age demonstram sua experiência no assunto (não posso dizer muita coisa, a não ser que a tal seqüência se passa em um trem em movimento). Olhando-se no espelho com curiosidade, Ripley parece tentar decifrar o próprio semblante, como se buscasse uma resposta para suas ambigüidades morais – e, quando lhe perguntam por que decidiu interferir no problema, ele responde: `Eu não sei... Mas isso não me surpreende`. Aliás, não é surpresa constatar que Malkovich se torna o melhor intérprete do personagem, superando até mesmo as boas performances de Matt Damon e Alain Delon (já Dennis Hopper, que encarnou o vilão em O Amigo Americano, foi um grande embaraço. Só o chapéu de cowboy que ele usa naquele filme já seria o bastante para ferir o bom gosto do Ripley vivido por Malkovich, Damon e Delon).
É uma pena, portanto, que O Retorno do Talentoso Ripley deixe tanto a desejar. Um dos principais problemas do longa, diga-se de passagem, reside na composição de Dougray Scott, que jamais leva o espectador a acreditar que Jonathan esteja realmente doente – algo fundamental para que aceitemos sua decisão de tornar-se um assassino. Em determinado instante, por exemplo, o sujeito diz não ter forças para executar certa ação, mas não há nada em sua postura que indique fragilidade, o que compromete sua afirmação. (Na versão de 77, o personagem não estava realmente doente, o que – ao lado da ótima performance de Bruno Ganz – o tornava mais verossímil.)
Enquanto isso, Lena Headey transforma Sarah, a esposa de Jonathan, em uma figura desagradável, que parece ansiosa para ver o marido morto. `Eu o amo demais, mas parte de mim ficará agradecida quando tudo isso terminar`, ela afirma, como se a doença prolongada do companheiro a tivesse esgotado. No entanto, além de Hadey se revelar fria demais no papel, jamais vemos Jonathan realmente enfermo, o que torna o desgaste de Sarah inaceitável. Por outro lado, o filme inclui uma personagem ausente da versão de 77, a enigmática Luisa, esposa de Ripley. Pianista famosa, ela conhece o `lado negro` do marido, mas não o reprova; ao contrário, isto parece atraí-la. Infelizmente, o roteiro jamais se concentra em Luisa, deixando o espectador curioso com relação à sua personalidade e ao seu passado (como ela e Ripley se conheceram? Há quanto tempo estão juntos?).
Belamente fotografado por Alfio Contini, O Retorno do Talentoso Ripley conta com uma trilha sonora composta pelo inigualável Ennio Morricone e foi dirigido com competência pela italiana Liliana Cavani, que não é estranha a personagens moralmente ambíguos (ela comandou o estranho O Porteiro da Noite, no qual a judia vivida por Charlotte Rampling se envolvia, anos depois da Segunda Guerra, com o nazista que a torturara, interpretado por Dirk Bogarde). Assim, é no mínimo curioso que este filme não tenha sido lançado nos cinemas americanos, indo parar diretamente nas prateleiras das locadoras. O longa tem seus defeitos, é verdade, mas nada que pudesse justificar tal procedimento por parte da Fine Line. Tom Ripley merecia um tratamento melhor.
24 de Março de 2004
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