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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/05/2004 13/05/2004 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
163 minuto(s)

Tróia
Troy

Dirigido por Wolfgang Petersen. Com: Brad Pitt, Eric Bana, Peter O’Toole, Orlando Bloom, Diane Kruger, Brian Cox, Brendan Gleeson, Sean Bean, Julie Christie, Saffron Burrows, Garrett Hedlund, Tyler Mane, Rose Byrne.

Adaptar um texto de William Shakespeare para o Cinema é algo que exige coragem por parte do realizador; afinal, foi a qualidade indiscutível da obra do bardo inglês que a levou a permanecer viva por mais de quatro séculos. Imagine, agora, a responsabilidade enfrentada pelo cineasta Wolfgang Petersen, cujo novo trabalho, Tróia, é uma adaptação da obra mais importante da literatura ocidental, A Ilíada, escrita por Homero há quase três mil anos. Com seus quase 16 mil versos, A Ilíada narra o último dos dez anos de duração da Guerra de Tróia, originada pelo seqüestro de Helena, esposa de Menelau (rei de Esparta), por Páris, filho de Príamo (rei de Tróia). Para defender sua honra, Menelau recorre ao irmão Agamenon, rei de Micenas, que reúne uma frota de mais de mil navios para atacar os inimigos. Entre os gregos encontram-se o semideus Aquiles e, é claro, Ulisses (que, ao retornar a Ítaca depois da guerra, se perderia e viveria as aventuras narradas na Odisséia).

Como é de se imaginar, o roteiro escrito por David Benioff toma uma série de liberdades com a obra de Homero, o que é compreensível, já que seria impossível transpor o texto na íntegra para as telas. Infelizmente, boa parte das decisões tomadas pelo roteirista se revela inadequada, enfraquecendo a narrativa e o impacto dramático que o filme poderia provocar. Antes, porém, de abordar os erros da adaptação, creio ser justo apontar seus acertos: em primeiro lugar, Tróia consegue retratar com eficiência a lendária habilidade de Aquiles nos campos de batalha. É fácil compreender o respeito devotado ao herói, que, ao longo da projeção, tem várias oportunidades de exibir seu talento como guerreiro (e Brad Pitt não decepciona neste aspecto, aproveitando os meses de treinamento árduo que antecederam as filmagens). Além disso, Benioff constrói com talento a seqüência da chegada dos gregos a Tróia, criando uma série de momentos tensos entre Príamo e seus filhos Heitor e Páris.

Outra alteração importante com relação ao texto de Homero reside na exclusão de todas as cenas envolvendo os deuses, que, apesar de mencionados várias vezes pelos personagens (especialmente pelo rei de Tróia), jamais assumem um papel ativo no desenrolar dos acontecimentos, como se fossem apenas conceitos religiosos, e não seres reais. Por um lado, esta opção é válida, já que os espectadores certamente teriam dificuldades, por exemplo, em aceitar Páris sendo salvo da fúria de Menelau pela intervenção de Vênus (ainda assim, a versão vista no longa apresenta mudanças excessivamente radicais). Em contrapartida, a ausência dos deuses cria lacunas graves na apresentação de alguns personagens: seria mais fácil compreendermos a fascinação despertada por Helena se soubéssemos que ela era filha de Zeus; e a invulnerabilidade de Aquiles jamais é explicada pelo filme (embora a deusa Tétis, mãe do herói, apareça brevemente, sua natureza não é mencionada – e o mesmo se aplica ao ponto fraco do guerreiro).

Outro gravíssimo problema de Tróia diz respeito à personalidade de Páris, que se torna um completo imbecil, sem traço algum que o redima. Retratado por Orlando Bloom como um jovem fraco, egoísta e inconseqüente, o Príncipe de Tróia chega a despertar a antipatia do público em função de sua covardia. E o que é pior: não conseguimos sequer entender por que ele se mostra disposto a sacrificar seu povo por Helena, já que a química entre Bloom e Diane Kruger é inexistente (além disso, a modelo alemã é absolutamente inexpressiva, o que diminui ainda mais a força da personagem). Talvez esta tenha sido a razão que levou Benioff a reduzir a duração da guerra de 10 anos para algumas semanas: acreditar que alguém lutaria por uma década a fim de recuperar a Helena vista em Tróia exigiria um tremendo esforço de imaginação por parte do espectador (ainda assim, nem preciso dizer que, ao tomar esta decisão, o roteirista destruiu a assustadora dimensão da Guerra de Tróia).

E mais: exibindo uma mentalidade tristemente hollywoodiana, Benioff transforma o digno Agamenon em um verdadeiro vilão dos quadrinhos (no mau sentido) – e a performance exagerada de Brian Cox torna-se uma das piores de sua bela carreira. (Aliás, outra opção infeliz da adaptação é alterar o destino do personagem, já que sua esposa Clitemnestra sequer é citada pelo filme). Enquanto isso, Sean Bean explora ao máximo o pouco tempo reservado a Ulisses, conseguindo ilustrar a grandeza e a sabedoria do herói (quem sabe alguém não decide produzir uma `continuação` e escalar o ator em uma adaptação da Odisséia?).

Porém, o que evita que Tróia se transforme em um desastre de proporções épicas (com o perdão do trocadilho) são as performances de Peter O’Toole, Eric Bana e, até certo ponto, de Brad Pitt. O’Toole, como o rei Príamo, continua a exibir a mesma força impressionante da juventude, tornando impossível, para o espectador, desviar os olhos de sua figura digna e intensa. Bana, por sua vez, cria o personagem mais fascinante do filme: dividido entre sua responsabilidade para com Tróia e o desejo de evitar o confronto a todo custo, Heitor comove com seu apego à família e profundo senso de justiça. Finalmente, Aquiles é um verdadeiro enigma: em certos momentos, o herói parece lutar por um simples desejo de obter a glória e a imortalidade de seu nome; em outros, parece agir impulsionado pelo conceito de Honra; e, mais tarde, por puro desejo de vingança. Obviamente cruel, Aquiles parece dividido entre sua natureza impiedosa e o desespero do roteirista em redimi-lo aos olhos do público – e, com isso, jamais temos uma clara visão de quem ele realmente é. Ainda assim, Pitt merece créditos por evitar que o sujeito se torne apenas uma caricatura.

Adotando o estilo Tony Scott de dirigir cenas de ação (vide Poder de Fogo), o cineasta Wolfgang Petersen mantém sua câmera sempre em movimento durante as batalhas vistas ao longo da projeção, dificultando nossa tarefa de acompanhar o que está acontecendo (e, conseqüentemente, diminuindo a força do conflito). Além disso, Tróia conta com um dos piores usos de `noite americana` da história recente do Cinema, rivalizando até mesmo com os abomináveis filtros azuis vistos em Lamarca, de Sérgio Rezende. Por outro lado, o cineasta se sai bem melhor ao enfocar combates individuais, já que permite o envolvimento do público com os dois oponentes – e isso é especialmente verdade na luta entre Heitor e Aquiles, naquele que é o melhor momento do filme. E se a direção de arte, os figurinos e os efeitos visuais funcionam maravilhosamente bem, o mesmo não pode ser dito com relação à horrorosa trilha sonora de James Horner, que, além de lembrar bastante alguns trechos da trilha composta por Maurice Jarre para Lawrence da Arábia, ainda irrita com sua insistência em se concentrar nos mais do que batidos coros de vozes femininas (que mais parecem gemer do que propriamente cantar um tema).

Interessante e jamais cansativo, Tróia é, como eu disse anteriormente, um trabalho de erros e acertos. E, embora os primeiros apareçam em maior quantidade que os últimos, o apelo universal da história narrada por Homero é o suficiente para que o filme mereça ser visto. Ao menos, este esforço de Wolfgang Petersen está longe de ser o presente de grego que foi Gladiador.
``

15 de Maio de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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