Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
06/06/2003 | 23/05/2003 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
101 minuto(s) |
Dirigido por Tom Shadyac. Com: Jim Carrey, Morgan Freeman, Jennifer Aniston, Philip Baker Hall, Nora Dunn, Steven Carell, Catherine Bell e Sally Kirkland.
Em certo momento de O Mentiroso, que marcou a segunda parceria entre o cineasta Tom Shadyac e o astro Jim Carrey (a primeira foi em Ace Ventura), o personagem interpretado por este dizia para o filho que `algumas pessoas ganhavam muito dinheiro fazendo caretas` – numa clara referência à própria carreira do ator. Pois agora, seis anos depois, Shadyac e Carrey voltam a se reunir e, numa nova piada particular, transformam o repórter Bruce Nolan (personagem do comediante) em um sujeito que reclama com seu editor por ser sempre escalado para fazer matérias leves e bem-humoradas, o que pode comprometer sua credibilidade junto aos espectadores. A resposta de seu chefe poderia perfeitamente refletir o que os executivos de Hollywood têm vontade de dizer para o próprio Jim Carrey, cujos filmes dramáticos dificilmente alcançam bons resultados nas bilheterias: `Você tem um dom para provocar o riso, e é isso que as pessoas querem vê-lo fazendo`.
E é justamente isso que o ator faz em Todo Poderoso desde a primeira tomada, quando aparece usando uma touca ridícula e fazendo as caretas que o consagraram. Aliás, a história do filme não poderia ser mais apropriada para o talento cômico de Carrey: frustrado por não ter seus esforços profissionais reconhecidos, o repórter Bruce Nolan sofre um ataque de nervos durante uma transmissão ao vivo e é demitido. Revoltado, ele culpa Deus por seus fracassos, acusando-O de fazer um `péssimo trabalho`. É então que o Todo-Poderoso decide provar a Bruce que Sua tarefa não é nada fácil, concedendo-lhe todos os Seus poderes. Porém, o entusiasmo inicial do sujeito logo começa a desaparecer à medida em que este percebe que ser Deus é bem mais complicado do que ele supunha.
Como já seria de se esperar, Jim Carrey é absolutamente brilhante ao aproveitar o material para criar momentos de eficiente humor físico: desde a cena em que sua namorada arranca seu cobertor (levando-o a se contorcer raivosamente na cama) até o ataque de nervos que leva Bruce a ser demitido (em uma explosão digna de Ace Ventura), o ator prova, mais uma vez, ser um dos comediantes mais talentosos da atualidade, alternando seqüências de histrionismo com outras em que demonstra maior sutileza (como aquela em que tenta provar para o chefe que também é capaz de ser um babaca). Além disso, Carrey exibe seu talento como imitador (quem já o viu personificando Henry Fonda e James Stewart sabe do que estou falando) ao assumir a voz e a personalidade de um famoso policial do Cinema em uma das cenas mais divertidas de Todo Poderoso. Como se não bastasse, o filme ainda lhe fornece a oportunidade de criar um novo bordão, seguindo os passos de O Máskara (`Smokin’!`) e Ace Ventura (`It’s alive!` e `Re-re-really?`): desta vez, com um não tão contagiante `B-E-A-utiful!`.
Enquanto isso, Morgan Freeman se redime de sua péssima performance em O Apanhador de Sonhos e encarna Deus (com o perdão do trocadilho) de forma descontraída e divertida – algo que faltou, por exemplo, ao recente Deus É Brasileiro. Exibindo um insuspeito talento para a comédia rasgada, o ator chega até mesmo a improvisar um `All righty, then!` – outra expressão que se tornou popular graças a Ace Ventura. Outro que merece destaque é Steven Carell, que, no papel do principal rival de Bruce Nolan, protagoniza o momento mais engraçado de Todo Poderoso (você reconhecerá a cena quando assistir ao filme). Por outro lado, os talentosos Philip Baker Hall e Jennifer Aniston pouco têm a fazer ao longo da projeção, já que seus personagens funcionam apenas como espectadores das confusões do protagonista.
Infelizmente, apesar de inspirar algumas boas gargalhadas e de contar com a energia de Carrey, Todo Poderoso jamais chega a aproveitar totalmente o potencial de sua premissa: ao contrário de O Mentiroso, que sempre encontrava novas maneiras de embaraçar o personagem do comediante, este novo filme parece acreditar que o conceito de `Jim Carrey no papel de Deus` é o bastante para atrair os espectadores (e é, como seu sucesso nas bilheterias pode comprovar). Porém, por que se contentar apenas com o básico? Por que os roteiristas Steve Koren, Mark O’Keefe e Steve Oedekerk não aproveitaram para explorar com maior cuidado as oportunidades oferecidas pela história? (A cena em que Bruce procura encontrar uma forma de organizar as preces é apenas uma pequena demonstração de como o filme poderia ter surpreendido o público com sua imaginação.) Um bom exemplo da falta de inspiração do trio de autores pode ser encontrado no momento em que o protagonista decide atender automaticamente a todas as preces recebidas: em vez de ilustrar os conflitos que tal decisão poderia gerar, Todo Poderoso opta por uma piadinha boba envolvendo a loteria. Agora imaginem o que aconteceria, por exemplo, se os torcedores de dois times rivais orassem pela vitória de suas equipes e fossem atendidos por Deus: o resultado provavelmente seria uma partida inesquecível e que jamais chegaria ao fim, já que ninguém poderia perder ou empatar. É uma pena, portanto, que os roteiristas simplesmente descartem possibilidades como esta.
Para piorar, o terceiro ato do filme se rende ao sentimentalismo barato, como se fosse obrigado a apresentar algum tipo de lição de moral – e o fato de exibir, em certo momento, uma cena do inesquecível A Felicidade Não Se Compra só ressalta seu maniqueísmo com relação ao `amadurecimento` de Bruce. Todo Poderoso é capaz de fazer rir, é verdade. Mas está longe de ser a milagrosa comédia que sua interessante premissa poderia ter gerado.
4 de Junho de 2003