Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
30/12/2005 | 21/10/2005 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
99 minuto(s) |
Dirigido por Marc Forster. Com: Ewan McGregor, Naomi Watts, Ryan Gosling, Elizabeth Reaser, Kate Burton, Bob Hoskins, Janeane Garofalo, B.D. Wong, Amy Sedaris.
Há duas formas de ver e analisar A Passagem, novo trabalho do diretor Marc Forster: concentrando-nos na história ou apreciando suas escolhas técnicas, da fotografia à montagem, incluindo figurinos, direção de arte e movimentos de câmera. Se optarmos pela primeira, é bastante provável que fiquemos frustrados, pois o roteiro de David Benioff não é dos mais brilhantes ou originais; em contrapartida, a segunda opção revela-se bem mais atraente, já que o filme é um exercício de estilo fascinante, capaz de gerar muitas observações curiosas até mesmo em uma segunda ou terceira visita.
Quando a projeção tem início, vemos um acidente de carro a partir de uma perspectiva pouco usual (o primeiro momento de brilhantismo de Forster) e, em seguida, conhecemos Henry Letham (Gosling), que, embora tenha escapado ileso, encontra-se em aparente estado de choque. Eventualmente, Henry passa a se consultar com o psiquiatra Sam Foster (McGregor), depois que sua médica habitual pede licença do cargo sem maiores explicações – e é a relação entre os dois homens que servirá de fio condutor para a trama. Logo em sua primeira consulta com Sam, Henry informa que se matará dali a três dias, exatamente à meia-noite. Enquanto tenta compreender os motivos por trás da decisão do paciente, Sam percebe que há algo de extraordinário acontecendo, já que este parece capaz de prever incidentes futuros – e, à medida que mergulha cada vez mais no estranho mundo de Henry, o médico se torna mais preocupado com a própria namorada, Lila (Watts), que tentou o suicídio no passado.
Apesar da premissa interessante, A Passagem logo se perde em sua própria trama, criando tantas pistas e reviravoltas que, ainda no meio da projeção, já fui capaz de: 1) concluir aonde a história iria chegar (como eu disse anteriormente, a idéia não é das mais originais e o excesso de `pistas` torna a conclusão óbvia); e 2) perceber que o roteiro simplesmente não conseguiria explicar todos os elementos apresentados ao longo da narrativa. Infelizmente, eu estava duplamente certo. Além disso, Benioff falha ao utilizar os personagens como meros instrumentos do roteiro, jamais desenvolvendo-os satisfatoriamente, o que nos impede de estabelecer qualquer conexão emocional com o que está ocorrendo na tela: observamos os acontecimentos, mas não nos envolvemos com eles. Como se não bastasse, o roteirista (também responsável por A Última Noite e Tróia) falha ao não conseguir amarrar todas as pontas soltas da trama, como mencionei anteriormente.
Em contrapartida, o cineasta Marc Forster aproveita a oportunidade para exercitar seus `músculos` criativos, procurando estabelecer uma lógica visual que se encaixe à proposta de Benioff e ajude a transformar a experiência em algo menos superficial, em um mero item da linha de produção de Hollywood. Assim, o diretor passa a brincar com o conceito de dualidade, utilizando reflexos, rimas visuais e até mesmo figurantes que atravessam a tela vestindo roupas exatamente iguais. E ainda mais importante: através de uma montagem dinâmica, repleta de transições belíssimas e sempre surpreendentes (como no momento em que um movimento para sair do metrô se `transforma` em outro no qual Naomi Watts chega em casa), Forster estabelece um senso de urgência impressionante, como se os personagens não tivessem um minuto sequer a perder. Mas não só isso: estas transições também criam uma fluidez entre momentos diferentes que enriquece o tema principal do filme, como se realidades, `universos` diferentes estivessem se colidindo. Para completar, a fotografia de Robert Schaefer e a desenho da produção investem em cores opressivas, deprimentes, abusando do verde e sufocando personagens e espectadores.
No final, porém, somos obrigados a voltar aos problemas do roteiro, que, verdade seja dita, se revela apenas mais uma variação de uma premissa utilizada por vários outros filmes, por mais que ainda tente se engrandecer com uma justificativa budista para os acontecimentos (não posso citar os títulos destes longas similares, sob pena de estragar a `surpresa` para quem os conhece mas ainda não viu A Passagem, mas um deles foi aquele dirigido por Adrian Lyne em 1990; e alguns dos outros foram comentados aqui, aqui e aqui.).
De todo modo, A Passagem serve, no mínimo, para comprovar o talento de Marc Forster, já que é radicalmente diferente, em tom e estilo, de seus dois trabalhos anteriores, A Última Ceia e Em Busca da Terra do Nunca. E é raro encontrar um cineasta capaz de se adaptar às necessidades narrativas de cada roteiro que dirige, em vez de fazer o oposto: moldá-los ao seu próprio gosto. Só por isso, o filme já merece uma conferida.
29 de Dezembro de 2005