Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
17/08/2001 | 14/02/2001 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
101 minuto(s) |
Dirigido por André Klotzel. Com: Reginaldo Faria, Petrônio Gontijo, Viétia Rocha, Otávio Müller, Nilda Spencer, Marcos Caruso, Stepan Nercessian, Débora Duboc, Walmor Chagas e Sônia Braga.
Assim como o que ocorre em relação a Alexandre Dumas (pai), adaptar uma obra de Machado de Assis para o cinema é uma tarefa que envolve grandes riscos, mas que também possui certas vantagens: por um lado, a responsabilidade do cineasta/roteirista é colossal, já que a matéria-prima de seu trabalho é uma jóia de valor reconhecido; por outro, há sempre o consolo de saber que, na pior das hipóteses, destruir o projeto exigiria uma incompetência sem igual, já que o texto original geralmente acaba salvando, ao menos em parte, a nova versão.
Felizmente, o diretor André Klotzel não pode ser descrito como incompetente e, assim, este seu Memórias Póstumas se revela um filme acima da média. Roteirizada pelo próprio Klotzel (com diálogos adicionais de José Roberto Torero), a história gira em torno do burguês Brás Cubas, que, depois de morto, decide contar sua vida para o espectador. Dotado de um sarcasmo irresistível, Cubas (justamente por estar livre das convenções impostas aos vivos) é um narrador divertido, despejando suas observações críticas e certeiras sobre a sociedade de maneira despreocupada e eloqüente. Sem manter uma noção verdadeiramente romântica do amor, ele descreve seus envolvimentos afetivos ao longo dos anos de forma quase analítica, rindo, ao lado do público, de suas próprias ilusões juvenis – sem jamais tentar esconder a futilidade de seus conceitos sobre o mundo (talvez porque, em parte, não os veja desta maneira). Assim, ao se deslumbrar com a bela Eugênia, frustra-se ao descobrir seu defeito físico e, de maneira que hoje descreveríamos como `politicamente incorreta`, questiona: `Por que coxa se bonita? Por que bonita se coxa?`.
O filme, aliás, é sábio ao apostar na elegância do humor de Machado, evitando a isca fácil de tentar modernizar (ou popularizar) demais o texto do escritor – o que já comprometeu diversas adaptações de obras de Shakespeare e do próprio Dumas, para citar apenas dois exemplos. Ao reconhecer a atualidade do cinismo de Brás Cubas, Klotzel eleva a dimensão do próprio filme – mesmo que seu roteiro não tenha encontrado soluções para importantes dilemas vividos por adaptações deste calibre: a narração de Cubas, por exemplo, é excessivamente intrusiva. Com isso, o ritmo de Memórias Póstumas torna-se lento em algumas passagens, já que substitui a ação pela descrição.
Outro grande obstáculo enfrentado por adaptações como esta é a necessidade de efetuar cortes na história ao mesmo tempo em que se tenta manter a fidelidade ao original. Nestes casos, o roteirista deve mergulhar na essência do livro e captá-la, descartando tudo aquilo que servirá apenas como distração na versão cinematográfica. Assim, Klotzel elimina (corretamente) a figura de Sabina, irmã de Brás Cubas, mas empaca na recriação de Quincas Borba. É claro que cortar Borba (e o Humanistimo) exigiria uma grande coragem, já que os críticos (e literatos) certamente questionariam a decisão. No entanto, ao longo do filme, o personagem torna-se mera figura decorativa – e seu eventual mergulho na loucura é ignorado. Assim, Borbas não exerce a mesma influência sobre Cubas vista no livro: nem altera sua visão (graças à política do `Ao vencedor, as batatas!`), nem o frustra ao levá-lo a observar sua insanidade.
Em contrapartida, Klotzel demonstra grande inteligência ao modernizar (aí, sim!) o veículo narrativo de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Aqui, Cubas não é um Fantasma-escritor, mas sim um Fantasma consciente dos maravilhosos recursos do Cinema. Com isso, ele assume a postura de estrela de seu próprio filme, brincando com a câmera e os espectadores. Além disso, o cineasta encontra uma forma criativa de contornar o orçamento limitado, que impede a reconstituição detalhada do Rio de Janeiro do século 19, e utiliza gravuras intercaladas à narrativa para ajudar o próprio espectador a recriar o visual da época em sua mente (e, com isso, a verba da produção pôde ser empregada nos belos figurinos e em cenários específicos).
Contando, ainda, com boas atuações de Reginaldo Faria e Petrônio Gontijo (como o jovem Cubas), Memórias Póstumas leva para o cinema de maneira competente a trajetória de um homem medíocre em busca da eternidade. Bem mais interessante como defunto do que como vivente, Brás Cubas é um ícone da nossa literatura que já merecia ter ganho o status de astro há muito tempo (e que me perdoe Júlio Bressane, que dirigiu uma adaptação em 1985). Seu emplasto pode não ter vingado, mas, graças a Klotzel, ele agora certamente sobreviverá a mais uma geração.
3 de Outubro de 2001