Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
11/01/2002 | 19/05/2000 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
94 minuto(s) |
Dirigido por Woody Allen. Com: Woody Allen, Tracey Ullman, Elaine May, Jon Lovitz, Michael Rapaport, Tony Darrow, Elaine Stritch e Hugh Grant.
Uma das maiores injustiças que podem ser ditas com relação a Woody Allen é a alegação de que ele sempre interpreta o mesmo personagem. Ele pode até exibir sempre os mesmos trejeitos e tiques nervosos (algo que já faz parte de sua persona cinematográfica), mas os tipos que ele interpreta jamais poderiam ser considerados idênticos entre si – embora possam ser encaixados em algumas grandes categorias: o sujeito atrapalhado e pouco inteligente (Um Assaltante Bem Trapalhão; o sofredor azarado (Broadway Danny Rose; o neurótico (Hannah e Suas Irmãs; o reflexivo (Manhattan; e o fracasso amoroso (Todos Dizem Eu Te Amo) – além, é claro, de pequenas combinações entre estas facetas. E se você julga que esta variedade de `tipos` é pouco representativa, sugiro que analise as carreiras de atores reconhecidos por seu talento, como Robert De Niro e Al Pacino: você perceberá (talvez com surpresa) que todos eles costumam possuir seus próprios grupos de personagens (`o psicótico`; `o explosivo`; `o carrancudo`; etc).
Em Os Trapaceiros, Allen volta a interpretar um personagem pertencente à primeira categoria citada acima: na verdade, seu Ray Winkler poderia perfeitamente ser uma versão envelhecida do Virgil Starkwell de Um Assaltante Bem Trapalhão (eu consigo imaginá-lo tentando fugir da prisão utilizando um revólver esculpido em sabão). O fato é que este seu novo (no Brasil) trabalho recupera um Woody Allen que há muito não víamos: o especialista em humor físico, e não o de tiradas sarcásticas. Infelizmente, este flashback da sua carreira pré-Noivo Neurótico, Noiva Nervosa só acontece durante o primeiro e o terceiro atos de Os Trapaceiros, já que todo o desenrolar do segundo ato envolve um humor um pouco mais sofisticado.
Mas vamos à história: Ray Winkler é um ladrão fracassado que resolve alugar uma loja situada ao lado de um banco a fim de cavar um túnel que lhe dê acesso aos cofres da instituição. Enfrentando as objeções de sua crítica esposa, Frenchy (Ullman), ele se une a um bando de marginais desajustados e dá início ao seu plano. Para evitar que o barulho das escavações atraia a atenção da polícia, no entanto, ele convence Frenchy a vender biscoitos no andar de cima da loja, sem imaginar que o negócio logo se tornaria extremamente bem sucedido. Assim, mesmo depois que seu projeto vai por água abaixo (literalmente), Ray se torna rico graças aos biscoitos da esposa. Esta, por sua vez, decide utilizar seu dinheiro para se tornar uma mulher culta e refinada, e para isso contrata os serviços do interesseiro David (Grant). É quando Ray começa a sentir falta de seus tempos de ladrão e tudo se complica...
O grande problema de Os Trapaceiros é que a trama envolvendo a ascensão social dos Winkler jamais consegue se igualar, em graça e ritmo, ao início da história, que envolve o assalto em si. Assim, depois de apresentar ao público uma quadrilha formada por indivíduos carismáticos em sua mediocridade, Allen volta-se para os problemas de Frenchy e passa a ignorar solenemente os patéticos ladrões – o que elimina boa parte do charme do filme (a seqüência, em estilo de documentário, sobre o enriquecimento do grupo é hilária, mas a partir daí a história entra em parafuso).
É claro que um fracasso de Woody Allen não pode ser avaliado da mesma forma que o fracasso de um filme de Pauly Shore, por exemplo, pois mesmo quando está pouco inspirado, o diretor e roteirista de obras-primas como Desconstruindo Harry consegue conferir um certo charme aos seus trabalhos graças aos seus diálogos certeiros. Tomemos, como exemplo, o orgulho com que Frenchy exibe seu breguíssimo apartamento para um grupo de amigos: `Dizem que tenho um talento inato para a decoração`, ela diz, arrematando em seguida: `Vejam este tapete. Ele acende!`. Já em outro momento, o personagem de Allen se gaba por ter sido apelidado de `O Cérebro` enquanto estava na prisão, ao que o incendiário vivido por Jon Lovitz responde: `Era ironia!`. E o que posso dizer sobre a insistência de Ray em ameaçar a esposa com a frase `Vou ficar violento!`, quando sabemos perfeitamente que ele seria incapaz (fisica e sentimentalmente) de machucá-la? (Aliás, isso me fez lembrar de outra pérola do diretor, quando, em Um Misterioso Assassinato em Manhattan, ele diz para Diane Keaton: `Eu a proíbo de sair de casa! Eu sou o seu marido e estou comandando! Ei, aonde você vai? É isso que você faz quando eu comando?`).
Por sorte, o último ato de Os Trapaceiros retorna ao enredo envolvendo os golpes de Ray, o que concede a Allen a oportunidade de voltar a brincar de maneira leve e descontraída (sua confusão com os dois colares é divertidíssima). Além disso, a seqüência da festa na casa de Chi-chi (interpretada por Elane Stritch, do dramático Setembro) envolve a participação da escritora e diretora Elaine May, em uma rara (e maravilhosa) aparição como atriz nas telonas, vivendo May Sloan, uma prima de Frenchy que se torna cúmplice de um golpe de Ray: em pouco tempo, sua personagem se transforma em uma das melhores coisas do filme, provocando constantes risos na platéia.
É claro que qualquer pessoa que consiga realizar a proeza de escrever e dirigir uma produção por ano acabará, em alguns momentos, lançando títulos menos inspirados. E se considerarmos que Woody Allen vem executando esta façanha desde 1977, chega a ser impressionante que ele tenha conseguido manter uma considerável consistência em sua obra. Os Trapaceiros não é um filme espetacular, como alguns dos trabalhos anteriores do cineasta, mas certamente é bastante superior a diversas bobagens produzidas por Hollywood nos últimos tempos. Ao menos, Allen respeita nossa inteligência.
11 de Janeiro de 2002