Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
28/02/1997 | 25/12/1996 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
242 minuto(s) |
Dirigido por Kenneth Branagh. Com:Kenneth Branagh, Derek Jacobi, Julie Christie, Richard Briers, Kate Winslet, Brian Blessed, Nicholas Farrell, Michael Maloney, Richard Attenborough, Billy Crystal, Judi Dench, Gérard Depardieu, John Gielgud, Charlton Heston, Jack Lemmon e Robin Williams.
Shakespeare merece a grandiosidade. Romeu + Julieta (a versão de Baz Luhrmann) é muito bom e tem o mérito de vestir o clássico casal em roupas modernas. No entanto, falta grandiosidade ao filme, o que é uma pena. Já a versão de Hamlet protagonizada por Mel Gibson nem merece ser comentada. Na verdade, nem mesmo Orson Welles conseguiu esta proeza em seu Macbeth.
Foi preciso que Sir Laurence Olivier adotasse as peças de Shakespeare para que este conseguisse chegar em grande estilo às telas. E, agora, Kenneth Branagh. O que estes dois homens têm em comum? Uma total e absoluta veneração pelos textos do dramaturgo inglês. Eles não admiram, apenas. É mais do que isso: assistindo suas adaptações o sentimento é de respeito, adoração e humildade perante a obra do autor. E é exatamente isso o que acontece nesta nova adaptação de Hamlet.
O trabalho de Branagh não é nada fácil. Assim como qualquer cineasta temeria fazer uma outra versão de Cidadão Kane, a tarefa de se adaptar uma peça que já foi transportada para as telas por ninguém menos que Laurence Olivier é temerária. As comparações são inevitáveis. Mas Branagh já havia feito um ótimo trabalho em Henrique V e, agora, repete a dose. E com uma vantagem: é a primeira vez que alguém tem a coragem de adaptar o texto integral, sem faltar uma cena sequer. O resultado é um filme de 4 horas de duração. Mas que vale a pena.
A história todo o mundo já conhece. Depois da morte de seu pai, o jovem Hamlet enfrenta uma profunda amargura ao ver sua mãe se casar com seu tio em menos de dois meses. O que já seria uma situação conflitante por natureza se torna ainda mais insustentável se considerarmos que o pai de Hamlet era o Rei da Dinamarca e sua mãe, a Rainha. Assim, com o casamento o tio de Hamlet, Claudius, assume o trono. É quando o jovem príncipe vê o fantasma do pai, que lhe revela ter sido assassinado pelo irmão - e que chora por vingança.
O forte texto de Shakespeare ganha contornos ainda mais vívidos nesta adaptação de Branagh. E isso não só em função de ter sido adaptado integralmente. A fabulosa Direção de Arte e os maravilhosos figurinos contribuem para fazer deste espetáculo algo inesquecível. Só o `saguão` do Palácio Real, com suas portas espelhadas, já seria o suficiente para render um Oscar ao filme. Mas a Academia tem uma forma peculiar de ver as coisas, o que é uma pena.
Além disso, temos o elenco. Para o papel-título, Branagh escolheu um ator mais do que ideal: ele mesmo. Seus rompantes, seus acessos de fúria, sua fingida loucura (que, em alguns momentos, é dolorosamente real), seu desespero, sua confusão - tudo é transmitido com uma sinceridade avassaladora pelo ator/diretor. Um desempenho que merecia ser premiado. Outra atuação que merecia ter sido reconhecida é a de Derek Jacobi. Jacobi, que já interpretara Hamlet centenas de vezes em sua juventude, agora faz o papel de Claudius, o tio do furioso príncipe. Aqui, Claudius é finalmente retratado como deve: um homem ambicioso que é atormentado pela culpa de ter cedido às suas tentações. Um assassino que se arrepende de seu crime, mas não das conseqüências. Ele lamenta o irmão, mas se regozija em ser Rei e possuir a Rainha Gertrudes, que ama profundamente. Assim, finalmente podemos entender suas motivações e até mesmo lamentar por ele. Claudius poderia ser qualquer um de nós.
Outras atuações que merecem destaque (e isso em um filme que não possui uma única interpretação destoante) são as de Julie Christie, como a bela Rainha Gertrudes, uma mulher dividida entre o amor pelo filho e a atração pelo novo marido; e de Kate Winslet, como Ofélia (provavelmente a personagem que mais sofre na peça, uma vítima indireta da vingança de Hamlet). Sou obrigado a citar, ainda, o belo monólogo de Charlton Heston (que ator!) e a divertida cena de Billy Crystal no cemitério, que é seguida por uma interessante reflexão de Hamlet sobre a fragilidade da vida. Ah, não podemos nos esquecer de Jack Lemmon dizendo: `Há algo de podre no Reino da Dinamarca.` Isso arrepia qualquer cinéfilo ou amante da literatura.
Algumas de minhas cenas preferidas incluem aquela em que Hamlet encontra o fantasma de seu falecido pai; a seqüência que se segue à famosa frase `Ser ou não ser...`; e, é claro, aquela em que Hamlet conversa com um emissário de Fortimbrás e fortalece sua decisão de vingar a morte do pai (seu raciocínio é simples: se centenas de soldados podem morrer por um mísero pedaço de chão da Polônia, por que ele não pode morrer para vingar o assassinato do pai?). Só não concordo muito com a escolha da música usada nesta cena, especificamente. Mas a `locação` (visivelmente uma imagem composta), o texto e a interpretação de Branagh valem a seqüência.
O único grande problema desta nova versão de Hamlet é o fato de que, em alguns momentos, o filme perde o ritmo e se torna lento. É óbvio que isso era de se esperar em uma projeção tão longa, quanto mais se considerarmos que o ritmo de uma peça não é o mais adequado para o cinema. No entanto, Branagh poderia ter dado uma edição mais dinâmica a estas cenas. Não que elas cansem o espectador. Provocam alguma inquietação, apenas. Mas isto é um pecadilho frente às virtudes do filme.
A direção é, como já dito, grandiosa. Branagh opta por filmar longas seqüências sem realizar um único corte. A câmera se move captando a reação dos atores como se estes estivessem realmente sobre um palco. Já em outras, as imagens são sobrepostas com o intuito de dar um dinamismo maior à ação. Pena que isso não aconteça sempre que necessário.
Hamlet é, enfim, um filme belíssimo e envolvente. Uma versão à altura (senão melhor) do clássico de Olivier. Branagh não só conseguiu criar uma adaptação comovente e fiel ao texto de Shakespeare, como ainda nos brinda com figurantes de luxo: basta dizer que Judi Dench e John Gielgud não têm uma fala sequer neste filme. E isso não é para qualquer um: Branagh deve ser realmente especial. Como seu filme.
6 de Maio de 1998