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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
03/03/2015 03/03/2015 3 / 5 2 / 5
Distribuidora
Duração do filme
165 minuto(s)

O Nascimento de uma Nação
The Birth of a Nation

Dirigido por D.W. Griffith. Com: Henry B. Walthall, Lillian Gish, George Siegmann, Ralph Lewis, Mae Marsh, Elmer Clifton, Miriam Cooper, Mary Alden.

O Nascimento de uma Nação é um filme absolutamente desprezível e repugnante. Infelizmente, também é uma das obras mais importantes da história do Cinema, que se popularizou definitivamente ao provar que também representava uma significativa forma de arte. Além disso, a impecável técnica desta produção revolucionou a maneira de se fazer filmes, estabelecendo uma série de inovações que são utilizadas até hoje por cineastas do mundo inteiro, como a utilização de paisagens naturais como locações, close-ups, movimentos de câmera arrojados, desenvolvimento de ações paralelas, e assim por diante. Além disso, o filme de D.W. Griffith praticamente criou os conceitos de `cinema espetáculo`, com suas belas cenas de batalha, e `cinema comercial`, em função de sua espantosa bilheteria (várias vezes maior do que o orçamento da produção). Como se não bastasse, sua duração (165 minutos) provou que os longas-metragens eram viáveis em uma época dominada pelos curtas.

Lamentavelmente, O Nascimento de uma Nação é um filme profundamente corrompido, não se envergonhando de glorificar o racismo e, conseqüentemente, de pregar a dominação dos brancos sobre os negros. E o que é pior: para provar seu ponto-de-vista, esta produção distorce a História de tal maneira que, no final, o espectador é obrigado a torcer pelo `mocinho` - ninguém menos do que o `fundador` da Ku Klux Klan. Com isso, os negros (na verdade, atores brancos maquiados) são estereotipados como figuras ignorantes, violentas e facilmente manipuláveis.

Tendo como pano-de-fundo a Guerra Civil Americana, a trama gira em torno de duas famílias: os Stoneman (representando o Norte abolicionista) e os Cameron (o Sul escravagista). Amigos de longa data, Phil Stoneman (filho de um influente político) e Benjamin Cameron (conhecido como `Pequeno Coronel`) são obrigados a se enfrentar durante uma das sangrentas batalhas que viriam a determinar a vitória da União (leia-se: do Norte). Ferido, Ben é resgatado pelo antigo companheiro e enviado para um hospital de Washington, onde conhece Elsie, irmã de Phil. Apaixonado, ele acaba se recuperando e decide voltar para sua cidade (depois de ser anistiado pelo próprio Abraham Lincoln). Lá chegando, descobre que os bens de sua família tiveram que ser vendidos pela `causa` e que, agora, os negros foram libertados e ganharam direito de voto. Numa eleição repleta de fraudes, o poder Legislativo passa a ser dominado pelos negros, que aprovam diversas leis `abusivas`, como aquela que permite o casamento inter-racial. Revoltado com os constantes `excessos` cometidos contra sua raça, Benjamin decide fundar a Ku Klux Klan - e entra em conflito principalmente com o Vice-Governador (mulato) Silas Lynch, que também está interessado na jovem Elsie Stoneman.

O Nascimento de uma Nação é tão maniqueísta e repulsivo em sua propaganda racista, que chega a ser difícil assisti-lo sem ter impulsos de gritar de revolta. Logo no início, Griffith descreve o Sul como uma terra perfeita, que `não podia ficar melhor`. Tentando provar que os escravos levavam uma boa vida, o diretor chega a mostrá-los dançando, felizes, depois de uma jornada de doze horas de trabalho nas plantações de algodão. Posteriormente, os parlamentares negros são retratados como animais, bebendo durante as sessões da Câmara e colocando os pés descalços sobre as bancadas. E mais: o cineasta chega ao ponto de insinuar que o Honorável Austin Stoneman (inspirado em um Senador que realmente existiu) defendia a causa abolicionista apenas em função de um envolvimento com sua governanta mulata. Não satisfeito, ele transforma o Vice-Governador Silas Lynch em um vilão digno da série James Bond: sempre com um ar calculista e cruel, ele maltrata cachorrinhos e chega ao ponto de dizer para Elsie: `Eu construirei um Império Negro e você, como minha Rainha, estará sentada ao meu lado!`. Assim, não é de se espantar que, em certo momento, Griffith descreva a Ku Klux Klan como `a organização que salvou o Sul da anarquia negra`.

Porém, o mais lamentável é que D.W. Griffith, um excepcional diretor, tenha emprestado seus talentos para uma obra tão indigna. Mas, sendo um genuíno `filho do Sul`, é fácil compreender de onde vieram suas raízes racistas - o que não significa perdoá-lo. Mesmo assim, é impossível não admirar a bela orquestração das impressionantes cenas de batalha, filmadas em plano aberto e a vários quilômetros de distância. Além disso, a estrutura narrativa adotada por Griffth é inegavelmente eficaz, levando o espectador a se envolver com a trama a partir da introdução de personagens e dramas fictício em um contexto histórico (a reconstituição do assassinato de Lincoln é tensa e verossímil).

Para ser completamente honesto, sou obrigado a admitir que o filme também traz alguns momentos belos e marcantes, como a chegada de Benjamin a Piedmont, depois da Guerra, e sua reação frente à devastação de seu lar. E como podemos nos esquecer da tocante mensagem que Griffith transmite ao exibir a frase `A paz depois da guerra`, segundos antes de retratar centenas de cadáveres jogados nos campos-de-batalha?

Pois a verdade é que O Nascimento de uma Nação se proclama um filme anti-bélico, o que é uma intenção louvável. No entanto, de que adiantaria se O Resgate do Soldado Ryan, um maravilhoso libelo contra a guerra, fosse narrado a partir do ponto-de-vista nazista? Se não fosse tão importante para a história da 7ª Arte, esta obra de D.W. Griffith certamente mereceria o esquecimento. Infelizmente, acabou tornando-se indispensável na lista de qualquer um que ama o Cinema - uma curiosa (e constrangedora) ironia.

27 de Novembro de 2000

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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