Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
18/02/2000 | 02/02/2000 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
119 minuto(s) |
Dirigido por Danny Boyle. Com: Leonardo DiCaprio, Tilda Swinton, Virginie Ledoyen, Guillaume Canet, Paterson Joseph, Staffan Kihlborn e Robert Carlyle.
É fácil não gostar de A Praia. O ritmo irregular, as constantes mudanças no tom da narrativa e a crescente sensação de desconforto provocada pelas transformações do protagonista são motivos mais do que suficientes para que o espectador saia do cinema insatisfeito com o que viu - o que é uma pena, já que o filme também possui aspectos positivos que merecem ser analisados com maior cuidado.
Neste novo trabalho do diretor Danny Boyle (Trainspotting), Leonardo DiCaprio interpreta Richard, um jovem cuja vida se resume a viajar - não como um turista comum (desses que apenas desejam fotografar pontos turísticos), mas sim procurando assimilar a cultura do país que está visitando. Em um hotel barato localizado na Tailândia, o rapaz conhece o Sr. Patolino, um sujeito estranho que lhe revela a existência de um lugar ao qual se refere como `A Praia`. Logo em seguida, o homem comete suicídio, deixando para trás um mapa ensangüentado que indica para Richard justamente a localização do suposto paraíso perdido. Curioso, este decide procurar o local, convidando um jovem casal de franceses para acompanhá-lo.
Depois de algumas aventuras, os viajantes chegam à tal praia, onde são recebidos por uma espécie de comunidade hippie que habita o local há seis anos. Agora, Richard e seus amigos conhecerão o prazer de se viver em um verdadeiro Éden - e também descobrirão o terrível preço que deve-se pagar por isso.
Com uma fotografia absolutamente deslumbrante, A Praia é um destes filmes cuja trama fica em segundo plano se comparada à imensa quantidade de imagens de tirar o fôlego (como Lendas da Paixão, por exemplo). Infelizmente, é bastante provável que boa parte dos cenários naturais vistos ao longo da história não sejam tão `naturais` assim: Hollywood tem o hábito de `aperfeiçoar` as paisagens através da utilização de efeitos de computador. Mas pouco importa: mesmo nos momentos em que estes são claramente utilizados, como na cena em que Richard e Françoise fazem amor em meio à fosforescência dos plânctons, a beleza alcançada é o suficiente para que desejemos mergulhar na tela.
Neste ponto, a direção de Boyle é perfeita: ele não só nos convence de que a tal Praia é a própria materialização daquilo a que chamaríamos de Paraíso, como ainda consegue estabelecer o estilo de vida adotado por aquela comunidade sem deixar que o filme se torne cansativo ou irreal (apesar de ser meio estranho o fato de não haver nenhuma criança em um ambiente onde todos mantém relações sem a menor preocupação com métodos contraceptivos - os únicos que possuem preservativos são três pescadores suecos que não parecem ter com quem utilizá-los). Em contrapartida, o cineasta passa pelos `pontos-de-virada` do roteiro sem a menor sutileza, permitindo que a platéia perceba claramente que o tom da história está sendo alterado - como no momento em que um trágico ataque de tubarão ocorre e, mais tarde, quando Richard vê os `capatazes` enquanto vigia os surfistas americanos. Seria mais inteligente se o espectador só viesse a perceber as transformações do personagem de DiCaprio à medida em que estas fossem ocorrendo, e não antes.
O astro de Titanic, aliás, oferece mais uma boa performance em A Praia. Richard é um sujeito extremamente ambíguo que, sob a superfície de camaradagem, esconde um lado assustadoramente sombrio. Aliás, ao decidir atuar neste filme, o ator não poderia ter feito escolha mais corajosa e surpreendente. Afinal, consagrado como símbolo sexual depois de interpretar o náufrago Jack Dawson, seria muito fácil emplacar sucesso atrás de sucesso - bastaria atuar em uma série de comédias românticas sem maior relevância. Ao aceitar protagonizar esta produção, DiCaprio comprova ser um artista que ambiciona mais do que ser apenas um multimilionário sem nada de inteligente para mostrar no currículo (algo que acontece com um dos grandes ícones da geração anterior de Hollywood, Harrison Ford - ou você consegue se lembrar de algum filme realmente provocante, capaz de instigar grandes discussões, do qual este tenha participado desde Blade Runner, de 1982?).
Pois há uma cena em A Praia que, por si só, daria margem para interessantes debates: depois de ser atacado por um tubarão, um dos habitantes da comunidade passa seus dias acamado, gemendo incessantemente em função de seus graves ferimentos. Seus lamentos acabam perturbando a serenidade da comunidade e a solução encontrada para que todos voltem a viver em paz é impressionante: o homem ferido é levado para o meio da floresta, para morrer sozinho. A narração de Richard neste momento representa um dos melhores momentos do filme - e o curioso é que são justamente cenas como esta que acabam criando uma sensação intensamente incômoda no espectador, levando-o a repelir o que vê.
Aliás, os próprios produtores de A Praia perceberam que o filme que tinham em mãos, apesar de provocante, era um fracasso em potencial (algo que realmente se concretizou). As drásticas alterações no roteiro, especialmente em seu final, comprovam suas frustradas tentativas de tornar a história mais palatável para os espectadores mais jovens - DiCaprio é o protagonista, afinal de contas. Nada adiantou. Na verdade, o resultado foi uma sensível piora na qualidade do filme, que agora parece sem unidade: além de acabar soando vazia, como se o diretor propusesse uma séries de questões sem se dedicar a respondê-las, a trama é concluída com um otimismo inadequado e sem sentido (o porquê daqueles dois personagens ainda se corresponderem é um mistério).
A impressão que fica, ao final da projeção, é a de que A Praia possui mais beleza do que conteúdo, sendo bastante confuso em vários momentos. Não foi à toa que o Sr. Patolino enlouqueceu.
3 de Março de 2000