Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
03/03/2000 | 07/01/2000 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
126 minuto(s) |
Dirigido por Lasse Hallström. Com: Tobey Maguire, Charlize Theron, Michael Caine, Paul Rudd, Delroy Lindo, Kieran Culkin e Kate Nelligan.
É realmente espantoso que um melodrama apenas regular como Regras da Vida tenha sido indicado a sete Oscars, incluindo o de Melhor Filme. Na verdade, mais do que espantoso, este fato vem a comprovar a eficácia do lobby promovido pela Miramax, que no ano passado já havia demonstrado sua competência nesta área ao arrancar a vitória na categoria principal de O Resgate do Soldado Ryan.
Regras da Vida, cujo roteiro foi escrito por John Irving a partir de seu próprio livro, narra a história do jovem órfão Homer Wells (Maguire), que depois de duas frustradas tentativas de adoção, passa a ser criado pelo médico responsável pela direção do orfanato em que vive, o bondoso Dr. Larch (Caine), que lhe ensina tudo sobre a medicina - especialmente no que se refere à realização de partos e abortos. Certo dia, porém, Homer decide viver novas experiências além dos limites da instituição na qual passou toda a sua existência e, para isso, parte ao lado de um casal que viera até o orfanato a fim de realizar um aborto. Ao longo dos meses seguintes, o rapaz torna-se colhedor de maçãs e envolve-se com a bela moça que lhe deu carona - que sente-se extremamente solitária desde que o namorado partiu para a guerra. Sempre negando-se a retornar ao seu lar original (apesar das inúmeras cartas do Dr. Larch, que sonha em ser substituído por seu `filho adotivo`), ele acaba sendo obrigado a rever seus próprios valores e objetivos.
Apesar da bela introdução, que conta com uma tocante narração feita pelo personagem de Michael Caine (que mais tarde se mostrará completamente ilógica, infelizmente), Regras da Vida é um filme carente de foco: a trama, que inicialmente concentra-se na triste (porém repleta de esperanças) vida de um grupo de órfãos, logo se dilui ao tentar desenvolver mais sub-enredos do que um filme de duas horas pode sustentar (ao menos sem um roteiro bem estruturado - algo que falta aqui). Como se não bastasse o forte tema do aborto, a história ainda tenta lidar com questões tão complexas como morte, adultério, guerra e incesto de uma maneira tão relapsa que os acontecimentos mais díspares passam pela vida do protagonista como se fossem meros artifícios para que o filme siga adiante - e é o que são, na realidade.
O grande equívoco deste pretenso drama, no entanto, foi a infeliz escolha de seu herói: apesar da interessante galeria de personagens que habita o orfanato de St. Clouds, Irving resolveu centralizar a história justamente no enfadonho Homer, cuja pequena (e ridícula) peregrinação consegue a proeza de ser mais insípida do que jamais poderíamos descrever nestes parágrafos. Para piorar, Tobey Maguire ainda nos oferece uma atuação absolutamente monocórdia, como se a sua imutável (falta de) expressão pudesse transmitir mais calma do que a lenta edição de Lisa Zeno Churgin. Na verdade, Regras da Vida poderia ter assumido tonalidades radicalmente diferentes dependendo da figura escolhida como foco principal: o acamado garotinho Fuzzy renderia a história mais `lacrimejante`, enquanto que o revoltado Buster, que ocasionalmente sentia vontade de encontrar seus verdadeiros pais a fim de matá-los, representaria uma opção mais intrigante.
No entanto, a alternativa mais interessante seria, sem dúvida, elevar o complexo Dr. Larch à condição de personagem-chave, já que todos os momentos realmente comoventes do filme são por este protagonizados - ou, no mínimo, dizem respeito a ele. Seu vício de cheirar éter, suas mórbidas leituras noturnas, sua posição pró-aborto e seus flertes com uma das enfermeiras são apenas algumas das características que o transformariam em um `herói` (ou `anti-herói`, como queiram) muito mais viável. Na verdade, praticamente durante toda a projeção senti curiosidade de saber mais sobre aquele sujeito: o que ele escondia em seu passado? Como foi parar em St. Clouds? O que o levou a especializar-se em abortos? Que circunstâncias o conduziram ao vício? De onde surgiu o hábito de despedir-se dos órfãos chamando-os de `príncipes do Maine e reis de New England` - algo que oscila entre o doce e o patético? Além disso, a performance de Michael Caine representa, por si só, motivo suficiente para qualquer um assistir a Regras da Vida (além, é claro, da maravilhosa Charlize Theron, que, além dos óbvios atrativos estéticos, comprova ser uma boa atriz).
Em contrapartida, a direção de Lasse Hallström jamais abandona o lugar-comum e suas escolhas dão prioridade, na maior parte do tempo, à bela fotografia de Oliver Stapleton, chegando ao ponto de sacrificar alguns momentos mais intensos da narrativa em função de um ou outro enquadramento que potencialize uma bela paisagem. Cabe destacar, também, a belíssima trilha sonora de Rachel Portman - a verdadeira responsável por algumas das lágrimas derramadas ao longo do filme.
Chega a ser curioso: apesar de ser um evento praticamente irresistível para os cinéfilos de todo o mundo, o Oscar nunca pôde ser verdadeiramente considerado como uma referência em termos de reconhecimento artístico (basta lembrar que Cidadão Kane, por exemplo, foi solenemente ignorado pela premiação). No entanto, é triste perceber que as injustiças cometidas pela Academia, que antes eram creditadas ao seu conservadorismo inabalável, são cada vez mais provocadas pela influência do dinheiro e do jogo de interesses. É como dizem os especialistas: nos últimos anos, o show business tem se tornado muito menos show e muito mais business.
13 de Março de 2000