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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
24/01/1948 24/01/1948 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
126 minuto(s)

O Tesouro de Sierra Madre
The Treasure of Sierra Madre

Dirigido por John Huston. Com: Humphrey Bogart, Walter Huston, Tim Holt, Bruce Bennett, Alfonso Bedoya, Barton MacLane, Arturo Soto Rangel e John Huston.

O ser humano é um animal ganancioso por natureza. Seu instinto predador ainda é intensamente arraigado e sua irracionalidade, preservada. Basta um estímulo, uma situação que o desloque da normalidade e pronto: lá estamos nós, agindo como os animais que somos. Bem, pelo menos é isso o que nos mostra John Huston em O Tesouro de Sierra Madre.

Neste filme, Humphrey Bogart interpreta um americano que passa por sérias dificuldades financeiras em Tampico, onde nada mais é do que um estrangeiro que vive como mendigo. Sua miséria é tamanha que, em certo momento, ele pede esmola por três vezes ao mesmo homem (interpretado pelo diretor Huston). Quando o homem lhe acusa por sua desfaçatez, Dobbs (Bogart) responde: `Eu não vi que era o senhor. Só vi sua mão e o dinheiro`. Com o dinheiro da esmola, ele resolve cortar o cabelo e fazer a barba, numa tentativa frustrada de tentar recuperar sua dignidade. Ele acaba conhecendo outro americano que vive como mendigo naquela cidade, Curtin (Holt), com quem faz amizade.

É quando os dois homens conhecem um velho falastrão, em um pulgueiro no qual resolvem passar a noite. O tal homem, Howard (Walter Huston, pai do diretor), está contando as aventuras pelas quais passou ao longo de sua vida, quando garimpava ouro, se enriquecendo cada vez mais - somente para gastar todo o dinheiro, voltando à penúria. Quando recebem um dinheiro por um trabalho que haviam feito, Dobbs e Curtin resolvem investir o que têm em uma expedição em busca de ouro, ao lado do velho Howard, que lhes avisa sobre o poder maléfico que a `febre do ouro` pode provocar nos homens. Dobbs nega que isso possa lhe acontecer, acusando Howard de ter uma `mente suja`.

No entanto, o próprio Dobbs já dera mostras de ser um homem frio, antes. Em certo momento, um garoto se aproxima para lhe vender um bilhete de loteria e ele ameaça o menino, dizendo: `Se disser mais uma palavra, jogo esse copo de água em você`. O garoto tenta argumentar e Dobbs não hesita em encharcar o moleque.

Assim, os três homens partem em busca de ouro. Eles não sabem ainda, mas não é só uma jornada em busca da riqueza que eles iniciaram. O próprio caráter dos três está prestes a ser desafiado, sendo alterado por cada pequeno acontecimento da aventura que empreenderam. À medida em que vão extraindo o ouro de Sierra Madre, os olhares destes homens tornam-se desconfiados e eles passam a se encarar com reservas.

O roteiro de John Huston, baseado no livro de Berwick Traven Torsvan, é hábil ao retratar a metamorfose dos três aventureiros. No entanto, ele de nada valeria se não fossem as fabulosas interpretações de Humphrey Bogart (completamente esquecido no Oscar daquele ano, numa das maiores injustiças que a Academia já cometeu) e de Walter Huston (que recebeu, justamente, seu Oscar). Bogart passa por uma transformação extremamente bem-elaborada, deixando de ser o homem confiante e amigável do começo da expedição até se tornar o sujeito paranóico e agressivo que vemos no final da história. Até mesmo seus olhares revelam o perigo que ele se tornou para seus companheiros.

Já Walter Huston interpreta um velho banguela (seu filho John Huston o obrigou a tirar a dentadura para fazer este filme) e experiente, que consegue prever praticamente tudo o que acontece no desenrolar da história. Ele conhece a ganância humana, mas não a teme, tendo consciência de que ela faz parte do jogo e da qual homem nenhum pode escapar. Ele confia em seus amigos, mas também tem seus receios (como demonstrado na cena em que ele olha para trás, ao partir com os índios). Enquanto isso, Tim Holt faz o contraponto a Humphrey Bogart, representando a esperança que John Huston ainda nutria pelo caráter dos homens.

O Tesouro de Sierra Madre não é só perfeição, no entanto. Algumas cenas mereciam uma montagem mais adequada, para fazer jus à meia hora inicial de projeção que, objetiva, estabelece o ritmo da história. A seqüência em que Curtis lê a carta que o falecido Cody havia recebido de sua esposa começa bem, mas acaba perdendo o impacto quando se prolonga demais, tornando-se, finalmente, muito forçada. Outro exemplo acontece quando Huston enfoca, por um tempo maior do que devia, a ida de Howard até a aldeia indígena - outro momento que desvia a atenção do espectador, inadvertidamente.

A grande ironia do filme se estabelece, finalmente, quando o personagem de Bogart se encontra com o `Chapéu Dourado`, um bandido mexicano. Naquele ponto da narrativa, Dobbs já se transformou em um homem mesquinho e cruel, em nada diferente do ladrão que está enfrentando. No entanto, enquanto o mexicano não esconde suas intenções, Dobbs ainda se julga com a razão, sem perceber que tem um espelho diante de si. Um belo momento que coroa com brilhantismo um filme que presenteou o cinema com uma cena que se tornou clássica: a célebre `dança do ouro` protagonizada por Walter Huston.
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23 de Junho de 1998

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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