Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
04/02/2000 | 22/10/1999 | 4 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
121 minuto(s) |
Dirigido por Martin Scorsese. Com: Nicolas Cage, Patricia Arquette, John Goodman, Ving Rhames, Tom Sizemore, Queen Latifah, Marc Anthony, Mary Beth Hurt e Cliff Curtis.
Sofrimento sem redenção. Esta seria uma forma adequada de descrever Vivendo no Limite, um filme sobre solidão, medo e angústia que jamais fornece respostas fáceis para os dolorosos dilemas de seus personagens. E nem poderia, já que o mundo em que estes vivem é uma Nova York repleta de sombras, fantasmas e pesadelos - na verdade, uma visão muito mais claustrofóbica desta grande metrópole do que aquela transmitida em Taxi Driver, outro clássico dirigido por Martin Scorsese a partir de um roteiro de Paul Schrader.
Mas as semelhanças entre as duas obras não se resumem aos seus realizadores: ambas ainda trazem, como protagonistas, homens chocados com a realidade que são obrigados a testemunhar todas as noites durante suas incursões pelos recônditos mais sujos da cidade. No entanto, enquanto o Travis Brickle de Robert De Niro sublimava sua repulsa através do isolamento e da violência, o personagem de Nicolas Cage neste novo filme tenta desesperadamente encontrar alguém que compartilhe suas dores - ao mesmo tempo em que procura, justamente, salvar as vítimas da brutalidade imposta pelo caos urbano (é extremamente evocativa a cena em que ele, durante um delírio, resgata fantasmas que haviam sido enterrados no cemitério de asfalto no qual a cidade se transformou).
Adaptado a partir do livro homônimo de Joe Connelly, Vivendo no Limite acompanha a trajetória de Frank Pierce (Cage), um paramédico de Nova York, durante um período de dois dias e três noites. Deprimido por não ter conseguido salvar uma vida sequer nos últimos meses, Frank ainda tem visões perturbadoras do fantasma de Rose, uma garota de 18 anos que faleceu em suas mãos depois que ele, nervoso, não conseguiu intubá-la em um procedimento de emergência. Ao longo do filme, ele trabalha ao lado de três paramédicos diferentes, interpretados por John Goodman (cuja preocupação excessiva com a alimentação é uma maneira de desviar sua atenção dos horrores que testemunha), Ving Rhames (um sujeito que já passou pelo drama que Frank está vivendo, e que encontrou uma saída em Cristo), e Tom Sizemore (o mais perturbado de todos, que chega ao ponto de tentar assassinar sua própria ambulância). O elenco conta, ainda, com a presença de Patricia Arquette como a filha de um homem que foi ressuscitado por Frank - e que também está atravessando um difícil período em sua vida.
Como se pode constatar, Vivendo no Limite é um filme sobre personagens, e não sobre uma determinada história. A inter-relação destes `náufragos` metropolitanos não é apenas um determinado aspecto da trama - mais do que isso: é a própria trama. E Scorsese nos envolve com tamanha habilidade que os alívios cômicos espalhados ao longo do filme alcançam um efeito interessante: ao mesmo tempo em que rimos do absurdo de determinadas situações, sentimo-nos constrangidos por estarmos rindo de toda aquela tragédia que testemunhamos ao lado de Frank.
Nicolas Cage, aliás, vive alguns de seus melhores momentos neste filme. Sua eterna expressão de cansaço estabelece o retrato perfeito de um homem cujas forças já chegaram ao fim há tempos, e que só consegue manter-se em atividade graças aos fiapos de esperança que sente ocasionalmente (seja em função da jovem que entrou em sua vida ou da infinita expectativa de conseguir salvar alguém - apesar de estremecer todas as vezes em que recebe um chamado através do rádio de sua ambulância). As causas de seu sofrimento, no entanto, não residem no estresse ou no choque provocado pela presença constante da morte. A ironia é mais sutil: o que Frank não consegue perceber é que está sofrendo por escolha própria, pois ninguém pediu que ele se compadecesse das vítimas que atende (algo que é brilhantemente observado em um dos momentos mais tocantes do filme).
No entanto, cabe ressaltar que Vivendo no Limite não é só virtude: na verdade, ele é um pouco mais longo do que deveria. Obcecado por seus personagens, Scorsese acaba insistindo em demasia em alguns determinados aspectos. O fantasma de Rose, por exemplo, é um recurso utilizado à exaustão, o que acaba comprometendo sua função na história: de perturbador, ele passa a incômodo e, finalmente, acaba tornando-se simplesmente cansativo. Além disso, o tom de sua história oscila excessivamente entre o real e o grotesco, o que, apesar de intencional, impede em parte a identificação com o espectador. Porém, estas `falhas` são insignificantes se comparadas à intensidade de sentimentos despertados pelo restante do filme.
Observação: agora, um recado à empresa responsável pela legendagem desta obra para o cinema: quando um diretor opta por concluir seu filme de uma determinada maneira, é mais do que necessário respeitar-se sua decisão. Se Scorsese quis focalizar duas pessoas abraçadas por um bom tempo antes do clássico `FADE OUT`, devemos acreditar que ele tinha seus motivos: talvez sua intenção fosse levar a platéia a concluir aos poucos que aquele gesto de carinho seria o máximo de conforto que os personagens teriam, ou de nos passar, através do silêncio, um pouco da tranqüilidade que nos foi negada ao longo da projeção (e que também está sendo sentida por quem está na tela). Assim sendo, é um imenso absurdo que, no meio da cena, surja uma legenda com o nome da pessoa responsável pela tradução, informando-nos (mais cedo do que o desejado) que o filme chegou ao fim. A sensação que fica é a de uma conclusão abrupta - o que teria sido evitado se tivéssemos desfrutado a oportunidade de simplesmente contemplar aquele abraço por mais tempo.
5 de Fevereiro de 2000