Dirigido por Clint Eastwood. Com: Clint Eastwood, Jeff Fahey, George Dzundza, Charlotte Cornwell, Norman Lumsden, Marisa Berenson, Richard Vanstone.

Muita gente fala que James Cameron é o demônio em pessoa. Quem já trabalhou com o diretor jura que jamais cometerá este erro novamente. Ele já foi descrito como `carrasco`, `megalomaníaco` e `louco`. Houve até quem comparasse seu gênio com o do falecido John Huston.

Sim, Huston tem, ainda hoje, uma das piores famas de Hollywood. Seu egocentrismo e suas manias eram famosos entre atores e produtores da `capital do cinema`. Há quem diga que foram justamente estas características que fizeram de Huston um diretor tão notável. As filmagens de Uma Aventura na África, então, se tornaram lenda. Um jovem roteirista que acompanhou Huston e o restante da equipe à África, Peter Viertel, viria a escrever um livro sobre o que presenciou durante a viagem, e que lançou em 1953, com o aval do próprio Huston.

Trinta e sete anos depois, Clint Eastwood viria a adaptar esta história em seu Coração de Caçador. Apesar dos nomes diferentes (como no livro de Viertel), não há dúvidas: o cineasta John Wilson é mesmo John Huston. O filme narra a maneira como o diretor quase comprometeu as filmagens de Uma Aventura na África com suas manias, quase enlouquecendo os produtores do filme. Entre outras coisas, Wilson ficou obcecado em matar um elefante, chegando mesmo a abandonar as locações quando havia a possibilidade de uma boa caçada.

Clint Eastwood está perfeito como o cineasta. E com isso não me refiro apenas ao modo como ele lembra alguns dos trejeitos de Huston ou a maneira deste falar (o que pode ser conferido em qualquer filme em que Huston tenha atuado, como Chinatown). Não, é mais do que isso: sua obsessão por uma tarefa cuja motivação nem ele mesmo compreende, sua impaciência com relação às demandas de seu produtor, sua deterioração física (Huston viria a sofrer de enfisema pulmonar), em suma: sua composição de personagem é fabulosa. Na verdade, seu trabalho como ator é infinitamente superior do que como diretor, neste filme.

Não que Eastwood seja mau diretor. Qualquer um que tenha visto Bird, Os Imperdoáveis ou As Pontes de Madison sabe que ele é, além de tudo, um diretor versátil. O problema é que, aqui, Eastwood não parecia estar muito inspirado a dirigir. Talvez ele estivesse muito concentrado em sua atuação, já que carregava em suas costas a grande responsabilidade de interpretar um dos maiores diretores que o Cinema já conheceu. O fato é que Coração de Caçador é um filme monocórdio, sem grandes momentos. A caçada final ao elefante, por exemplo, não nos recompensa da maneira como deveria - afinal, ela é o ponto-chave do filme, sua grande `promessa`.

Coração de Caçador é, no entanto, um estudo muito interessante sobre as motivações e as lutas internas de um homem determinado a não ceder em suas posições. Para John Wilson, receber um `não` é como levar uma punhalada. Ele destrata produtores e chefes de Estúdio e, no entanto, nunca deixar de ser gentil com seus subordinados. Quem é esse homem? O que ele deseja? Por que essa obsessão em matar um elefante? `Caçar um elefante não é um crime.`, ele diz a certa altura. `É mais do que isso. É um pecado.` Então por que se torna tão importante para ele completar esta `tarefa` auto-imposta? Loucura? Egocentrismo? Determinação, simplesmente? Ou seria uma maneira de mostrar a Hollywood que ele não lhe pertencia, que John Huston (digo: Wilson) era dono de suas próprias ações, bem como de seus filmes?

As locações são belíssimas e fazem jus a Uma Aventura na África. Além do mais, é muito interessante notar como a `Kay Gibson` deste filme é, claramente, Katharine Hepburn: o penteado, o modo de conversar, até mesmo os figurinos de Uma Aventura.... Um belo trabalho, realmente. Humphrey Bogart também está devidamente representado na figura do `ator` Phil Duncan - sempre com a barba por fazer e um cigarro na mão. Até mesmo Lauren Bacall, que acompanhou Bogie durante as filmagens, está representada neste filme pela `noiva` de Phil: seu penteado e o jeito irreverente de se comportar são idênticos. (Em certo momento, ao posar para uma foto ela pergunta ao repórter: `Audaciosa ou comportada?`).

Apesar de todas estas referências, não é necessário que o espectador esteja familiarizado com Uma Aventura na África para ver este filme. Só torna a coisa mais interessante, como na cena em que Wilson e o roteirista vivido por Jeff Fahey discutem algumas modificações no roteiro. O mais interessante em Coração de Caçador é assistir ao aprendizado de um homem com relação ao seu verdadeiro `eu` e em como algumas das lições mais importantes de nossa vida às vezes surgem da maneira mais dolorosa possível. Afinal, todos temos um pouco de `coração negro` batendo no peito. Aprender a controlar estas batidas é o segredo do equilíbrio. E deste filme.

16 de Maio de 1998