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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
05/01/2001 15/12/2000 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
124 minuto(s)

Os Contos Proibidos do Marquês de Sade
Quills

Dirigido por Philip Kaufman. Com: Geoffrey Rush, Kate Winslet, Joaquin Phoenix, Amelia Warner, Stephen Moyer, Stephen Marcus e Michael Caine.

A maior proeza do cineasta Philip Kaufman em Os Contos Proibidos do Marquês de Sade é, sem dúvida, conseguir fazer com que o espectador simpatize com seu protagonista: um homem que colocava seu prazer acima de tudo e de todos, e para quem o sofrimento alheio (físico ou psicológico) atuava como um potente fator rumo ao êxtase sexual (a ponto de seu nome ter se tornado um termo psiquiátrico que define distúrbios de comportamento semelhantes ao seu).

O roteiro, escrito por Doug Wright a partir de sua própria peça, aborda os últimos anos da vida do Marquês de Sade, passados em um hospício (na verdade, Sade passou boa parte de sua existência entrando e saindo de prisões em função de incidentes provocados por sua natureza violenta - aos 28 anos, por exemplo, ele ofereceu carona em sua carruagem para uma pobre viúva e, ameaçando-a com uma faca, chicoteou-a repetidas vezes). Contando com a compreensão do diretor do hospício, o bondoso padre Coulmier (que acredita que, desta forma, o paciente sublimará seus impulsos), ele mantém o hábito de escrever textos repletos de erotismo, violência e obscenidades. O que Coulmier ignora é que, graças à ajuda de uma camareira, o Marquês está enviando os textos para seu editor - e que os livros estão causando frisson em Paris. Enojado com o conteúdo da obra de Sade, Napoleão Bonaparte envia um médico, notório por seus métodos desumanos, para Charenton a fim de `curar` o escritor.

A partir daí, o roteiro mergulha gradualmente na lógica perversa de Sade sem, contudo, deixar de apontar as hipocrisias que governam a sociedade e seus `bastiões da moralidade`, que condenam quase tudo em público e agem de maneira oposta quando se encontram entre quatro paredes (comportamento ilustrado à perfeição pelo personagem de Michael Caine). Esta crítica social, mais atual do que nunca, é repetida à exaustão pelo Marquês, que parece empenhado em libertar as fantasias mais recônditas de seus leitores. Aliás, é esta sua aparente liberdade que o torna tão atraente aos olhos do espectador - mesmo que suas preferências e atitudes sejam absolutamente chocantes em alguns momentos.

O fato é que nossa simpatia por Sade torna-se mais compreensível se considerarmos que Wright evita aprofundar-se em demasia nas facetas mais sombrias do personagem: é claro que conhecemos sua natureza sádica (estou sendo redundante, eu sei), já que o próprio Marquês não se cansa de divulgá-la, mas ouvi-lo discursar (sempre com humor irresistível) sobre o assunto é bem diferente do que vê-lo praticar atos cruéis. Se o víssemos torturar a viúva, por exemplo, é possível que não conseguíssemos mais encará-lo da mesma forma, o que obviamente destruiria os propósitos do filme. Da forma como é retratado aqui, o Marquês de Sade não se torna muito pior do que o Visconde de Valmont de Ligações Perigosas (que também colocava o prazer pessoal acima da noção de decência, mas sem precisar apelar para chicotes ou facas).

Do ponto-de-vista técnico, o roteiro de Doug Wright é irrepreensível: enxuto, relativamente fiel à História e ágil, ele desenvolve a narrativa de forma interessante e sedutora. A trama envolvendo a jovem Simone, por exemplo, é totalmente apresentada ao espectador em apenas duas ou três cenas - quando percebemos, ela já tem vida própria e influencia o desenrolar dos acontecimentos de maneira inequívoca. Além disso, os diálogos são extremamente elegantes (algo raro nas produções hollywoodianas), o que denuncia sua origem teatral (em certo momento, enquanto dita sua última obra para a camareira Madeleine com o auxílio de vários pacientes do hospício, o Marquês lamenta: `Oh! Minha prosa gloriosa, filtrada através da mente de loucos!`).

Para tornar a experiência ainda mais prazerosa (estou começando a soar como o próprio Sade), todo o elenco de Os Contos Proibidos do Marquês de Sade está afinadíssimo: do cínico Geoffrey Rush ao ardiloso Michael Caine, todos desenvolvem com brilhantismo seus personagens. Joaquin Phoenix, em especial, cria um Coulmier carismático, que, com sua aterrorizada benevolência, acaba representando o próprio espectador na história, já que, como nós, enxerga o Marquês com um misto de fascinação e horror. Kate Winslet, enquanto isso, dá um toque de leveza a uma trama que, em sua maior parte, é carregada demais. É uma pena que o Oscar, ao contrário de outras premiações, não possua uma categoria de `Melhor Elenco` (algo que passei a lamentar desde que assisti a Boogie Nights e Magnólia).

Os Contos Proibidos... só tropeça um pouco nos minutos finais, quando parece encontrar dificuldades para encerrar a narrativa de maneira satisfatória. É quase como se o roteirista tentasse, ao mesmo tempo, justificar os atos de seu protagonista e condená-los (o que explica o destino de Coulmier). O que ele parece esquecer é que o próprio Marquês não precisava de justificativas para seu comportamento, como fez questão de esclarecer no livro Aline et Valcour: `Não parei ao ter meras dúvidas; eu conquistei, retirei e destruí tudo em meu coração que poderia ter interferido em meus prazeres`.

Esta não deixa de ser uma boa filosofia de vida - desde que o prazer em questão não envolva o espancamento ou sofrimento de outras pessoas. Se envolvesse, confesso que, hipócrita ou não, eu seria obrigado a concordar com a internação do indivíduo. Sade é menos assustador na tela do cinema.
``

15 de Janeiro de 2001

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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