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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/12/2000 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
121 minuto(s)

Chocolate
Chocolat

Dirigido por Lasse Hallström. Com: Juliette Binoche, Alfred Molina, Judi Dench, Carrie-Anne Moss, Lena Olin, Peter Stormare, John Wood, Leslie Caron, Victoire Thivisol e Johnny Depp.

Eu não me sinto muito à vontade para escrever sobre produções que foram indicadas ao Oscar de Melhor Filme antes que eu pudesse assisti-las. Infelizmente, isso é algo relativamente comum, já que os títulos lançados na `temporada do Oscar` (isto é, novembro e dezembro) geralmente chegam ao Brasil apenas depois que as indicações foram divulgadas. O problema é que, na maioria das vezes, o crítico acaba entrando no cinema com uma expectativa já elevada - afinal, está prestes a conferir uma das `melhores produções do ano` (pelo menos, segundo a Academia) -, e isso pode comprometer seu trabalho. Felizmente, não costumo me deixar iludir pelos filmes produzidos pela Miramax, estúdio dos irmãos Weinstein: já houve um tempo no qual as obras lançadas por eles eram sinônimo de qualidade ou, no mínimo, de inventividade. De uns anos para cá, porém, a maior virtude da Miramax é saber `vender` seus produtos para os membros da Academia.

Chocolate não é exceção: apesar de ser um filme correto e bem produzido, ele jamais poderia ser classificado como `um dos cinco melhores do ano` - nem mesmo em um ano cinematograficamente fraco como 2000. Sua historinha é bem contada, não há dúvida - mas só. Situada no ano de 1959, ela gira em torno de Vianne Rocher (Binoche), uma misteriosa mulher que se muda, ao lado da filha, para uma pequena vila no interior da França e lá inaugura uma chocolataria. Porém, Vianne logo é obrigada a enfrentar o preconceito dos habitantes do lugarejo, que não compreendem o fato dela vender tentadores produtos à base de chocolate em plena Quaresma. Para tornar tudo ainda mais complicado, a moça resolve fazer amizade com um grupo de nômades que foram `banidos` da cidadezinha, o que obviamente provoca um imenso desconforto em seus vizinhos.

Para início de conversa, boa parte dos personagens que habitam o universo criado pelo cineasta Lasse Hallström se resume a estereótipos: temos o prefeito conservador que domina a cidade (que, sendo Conde, também representa a nobreza intolerante; a viúva que mantém luto por mais de quatro décadas; a mãe dominadora que não dá folga ao filho; a desajustada que pratica pequenos furtos; e, é claro, a `fada-madrinha` que conhece os segredos de todos e sabe como solucionar seus pequenos conflitos (justamente a personagem de Binoche). Como não li o livro de Joanne Harris, no qual o filme se baseia, não posso dizer se estas caricaturas já estavam presentes em sua narrativa ou não; seja como for, o fato é que o roteiro escrito por Robert Nelson Jacobs (Dinossauro) abusa dos clichês e do sentimentalismo barato, forjando situações que atuam somente como meio para que Vianne possa demonstrar seu bom coração e suas intenções nobres. Aliás, a adaptação de Jacobs é maniqueísta a ponto de permitir que o espectador esteja sempre à frente da trama, adivinhando o que acontecerá em seguida - incluindo-se, aí, a morte de determinado(a) personagem. Além disso, há a inevitável cena na qual alguém faz um discurso que resume a moral da história: neste caso, as virtudes da tolerância (o que, além de tudo, segue a fórmula do politicamente correto).

Enquanto isso, Hallström não consegue definir o tom apropriado para a narrativa e acaba oscilando entre a fábula e o real. O que leva Vianne a passar a vida na estrada: a memória de sua mãe e seu próprio espírito andarilho ou o `chamado do vento norte`? Por que o chocolate provoca tantas mudanças em quem o consome: eles são `mágicos` ou simplesmente causam efeitos químicos (parecidos com os do álcool) em função das fórmulas indígenas descobertas pelos antepassados de Vianne? E por que esta insiste em tentar resolver os problemas alheios: ela é mesmo uma espécie de `fada` ou apenas quer agradar aos seus novos vizinhos? Em outros casos, esta indefinição entre o fantástico e o corriqueiro poderia conferir um certo chame à trama: em Chocolate, no entanto, ela provoca apenas confusão e jamais leva a algum lugar. Como se não bastasse, as alterações sofridas por diversos personagens soam implausíveis demais (especialmente a de Caroline, que parece acontecer apenas para cumprir uma determinação do roteiro).

Confesso, também, que não compreendo como Juliette Binoche conseguiu ser indicada ao prêmio de Melhor Atriz (quero dizer: compreendo, mas não aceito): sua atuação é correta, mas não apresenta nada de novo ou de intenso. Além disso, sua personagem é repleta de contradições, o que compromete seu trabalho (entre outras coisas, ela sente-se deprimida por ter sido `excluída` da sociedade local. Então, por que ela fez questão de provocar a ira de todos através de várias atitudes, como, por exemplo, a de marcar uma `celebração à fertilidade` justamente no dia da Páscoa?). O mesmo se aplica ao trabalho de Judi Dench, que convence, mas não emociona. Por outro lado, Lena Olin (esposa do diretor) constrói uma bela personagem - que, aliás, é a única que percorre um arco dramático reconhecível. Devo destacar, também, os ótimos desempenhos de Alfred Molina e Carrie-Anne Moss, que conseguem sobreviver à unidimensionalidade com a qual o roteiro brindou seus personagens.

Com relação aos aspectos técnicos, é importante ressaltar a ótima direção de arte, já que todos os ambientes vistos em Chocolate possuem um caráter particular; a bela fotografia de Roger Pratt; e a tocante trilha sonora de Rachel Portman, que repete o feito alcançado em Regras da Vida (também dirigido por Hallström e distribuído pela Miramax) ao tornar-se a única pessoa envolvida neste projeto que realmente mereceu uma indicação ao Oscar.

Em 1999, Regras da Vida conseguiu ocupar, sob a ótica da Academia, o lugar que certamente poderia ter pertencido a obras como Magnolia, Quero Ser John Malkovich, Clube da Luta, Matrix, O Gigante de Ferro, Três Reis ou O Mundo de Andy. Em 2000, Chocolate desbancou um número bem menor de concorrentes: de imediato, penso em Alta Fidelidade, Garotos Incríveis, A Fuga das Galinhas e Os Contos Proibidos do Marquês de Sade. Mesmo assim, nenhum destes últimos seria capaz de provocar calorosas discussões como aqueles citados em primeiro lugar - e isso, em parte, diminui um pouco minha revolta. De todo modo, ficarei feliz no dia em que a Miramax não conseguir mais comprar suas indicações.

Eu posso sonhar, não posso?
``

19 de Fevereiro de 2001

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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