Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
16/03/2007 | 01/01/1970 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
O Bom Pastor é um filme que se passa em um mundo de conversas cifradas, instruções subentendidas, códigos, senhas e contra-senhas – um universo no qual um chapéu deixado para trás distraidamente pode ocultar informações extremamente relevantes. Em outras palavras: o mundo da espionagem.
Recontando os primeiros anos da CIA, o longa tem início com um dos grandes fracassos da agência norte-americana: a tentativa frustrada de invadir Cuba a partir da Baía dos Porcos, em 1961. Tomado pelas suspeitas de que há um espião infiltrado entre seus homens, o introspectivo Edward Wilson (Damon) recebe uma correspondência anônima que contém uma foto e uma gravação – e enquanto sua equipe investiga o material em busca de maiores pistas, o filme nos conduz, através de flashbacks, à juventude de Edward e sua eventual participação na fundação da CIA ao assumir o departamento de contra-inteligência. Parcialmente inspirado
Apropriadamente mergulhado em sombras e belíssimas imagens em contraluz, O Bom Pastor representa o segundo trabalho de Robert De Niro como diretor (o primeiro foi o eficiente Desafio no Bronx, de 1993), que revela, aqui, um olhar inspirado para composições e, como já era de se esperar, um talento inegável para a condução do elenco - não é à toa que todos parecem sussurrar seus diálogos durante toda a projeção, já que uma frase inadvertidamente escutada por alguém de fora pode comprometer planos cuidadosamente orquestrados. Num meio conhecido por devorar seus jogadores, nenhuma precaução é exagerada e De Niro faz com que seus atores compreendam este conceito perfeitamente; é como se todos estivessem sempre olhando por cima dos próprios ombros.
Para tornar tudo ainda mais tenso, o filme recria uma época particularmente nervosa da nossa História recente: num pós-Guerra ciente do poder destrutivo da bomba atômica, duas das principais nações responsáveis pela derrota dos nazistas imediatamente dão início a uma corrida ansiosa pelo domínio estratégico da Inteligência (em seu sentido figurado – a Espionagem – e literal, já que ambos os países buscam cooptar o maior número possível de cientistas). É o começo da Guerra Fria e de um jogo perigoso que manteve o planeta à beira da destruição em diversas ocasiões (especialmente durante a crise dos 13 dias). É neste contexto instável que nasce a CIA, cuja importância estratégica era tão grande quanto seu potencial para o desastre: “Temo que isto irá conferir poder demais a poucas pessoas”, diz o general Bill Sullivan (inspirado
Infelizmente, era isso que viria a acontecer, já que, para justificar suas altas verbas e cimentar sua posição de influência junto ao Presidente, a Agência Central de Inteligência se dedicaria justamente a inflar sua própria importância através da fomentação da paranóia e do medo – uma filosofia que impera ainda hoje, como podemos ver em Fahrenheit 11 de Setembro. Aliás, em certo momento da projeção, um ex-agente russo resume à perfeição esta tática da CIA: “Vocês precisam manter o mito russo vivo para justificarem seu complexo militar industrial. Seu sistema depende da Rússia ser percebida como uma ameaça mortal”. Esta cena, diga-se de passagem, é uma das mais fortes de um projeto consistente em seu tom do início ao fim e que jamais permite que a complexidade de sua narrativa confunda o espectador – uma façanha que deve ser atribuída, em grande parte, ao roteiro impecável de Eric Roth, que já lidara com tramas ambiciosas em Munique e O Informante.
Porém, O Bom Pastor não é apenas um filme sobre a origem da CIA, mas também o retrato de um homem que abre mão de tudo por uma causa (se esta era nobre ou não, é uma discussão que foge aos propósitos desta análise): introspectivo por natureza, Edward Wilson é apresentado ao espectador como um homem de meia-idade solitário e entristecido – e o fato da porta de seu escritório trazer os dizeres “Isto não é uma saída” é uma síntese irônica de sua trajetória ao longo da narrativa. Assim, quando o primeiro flashback nos surpreende com um Edward jovem e alegre, percebemos que algo se perdeu (ou melhor: se perderá) ao longo do caminho. O primeiro passo nesta jornada rumo à destruição da própria alma, aliás, é representado por seu envolvimento com a bela Clover (Jolie), que eventualmente o obriga a abandonar seu amor juvenil e a assumir precocemente uma existência de “adulto".
Interpretado com intensa concentração por Matt Damon, Edward se torna um estranho para a própria família - um “fantasma”, como diz sua esposa. Aliás, até mesmo seu hobby reflete, de maneira simbólica, o preço que ele e sua família pagam pela auto-disciplina rigorosa exigida por sua linha de trabalho: “engarrafar” navios é uma metáfora perfeita para a prisão auto-imposta de sua alma originalmente poética – e quando ele, já mais velho, oferece um raro sorriso para Laura (Blanchard), percebemos que está tentando resgatar, mesmo que por alguns segundos, a alegria descompromissada da juventude. Em um elenco homogeneamente fantástico (aliás, como é bom rever Joe Pesci depois de oito anos longe das telas!), Damon é o destaque absoluto, embora a maquiagem utilizada para envelhecê-lo seja claramente deficiente, exigindo um esforço de imaginação por parte do espectador para que possamos aceitá-lo como um homem de mais de 50 anos de idade.
Tecnicamente irrepreensível, O Bom Pastor traz efeitos visuais que, sem chamar a atenção para si mesmos (algo característico dos efeitos mais eficazes), ajudam a ótima direção de arte na recriação de época, merecendo destaque o plano aéreo que revela a Berlim semi-destruída do fim da Segunda Guerra. Além disso, a montagem de Tariq Anwar salta de um período a outro da história sem que isto interrompa o fluxo da narrativa, o que sempre merece elogios.
Injustamente ignorado pelas principais premiações norte-americanas, O Bom Pastor tem, em seu cerne, um arco dramático que de certa forma reflete aquele presente na magnífica trilogia O Poderoso Chefão: assim como Michael Corleone, Edward Wilson perde o que tinha de mais importante em função de um estilo de vida que lhe foi imposto pelo acaso. E se há algo que os leitores que me acompanham há algum tempo certamente já sabem é que não há elogio maior que eu possa fazer a um filme do que compará-lo à saga concebida por Mario Puzo e Francis Ford Coppola.
16 de Março de 2007
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