Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
07/02/2003 | 01/01/1970 | 2 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
167 minuto(s) |
Dirigido por Martin Scorsese. Com: Leonardo DiCaprio, Daniel Day-Lewis, Cameron Diaz, Jim Broadbent, John C. Reilly, Brendan Gleeson, Henry Thomas, Liam Neeson.
Ao longo dos 166 minutos de Gangues de Nova York, há exatamente uma tomada que nos faz lembrar do Martin Scorsese responsável por obras-primas como Taxi Driver, Touro Indomável e Os Bons Companheiros: a fim de ilustrar o destino dos imigrantes irlandeses na Nova York do início da década de 1860, que eram convencidos a se alistarem para lutar contra os sulistas na Guerra Civil Americana, o cineasta acompanha, em um único movimento de câmera, os imigrantes que descem dos navios, são arregimentados em uma lista de voluntários, embarcam em um outro navio rumo à batalha e voltam à cidade em caixões. É uma tomada não apenas econômica, mas também elegante e eficaz. Pena que o restante do filme não seja tão memorável.
Inspirado no livro homônimo escrito por Herbert Asbury em 1928, Gangues de Nova York conta uma história que se passa em Nova York em um período situado entre 1846 e 1862, quando diversas gangues lutavam pelo domínio da cidade. Quando o filme tem início, dois destes grupos estão prestes a iniciar uma batalha: os `Nativistas` (formados por nacionalistas protestantes) e os `Coelhos Mortos` (composto por irlandeses católicos). Respectivamente liderados por Bill `Açougueiro` (Day-Lewis) e pelo `padre` Vallon (Neeson), os integrantes das duas gangues mergulham em um conflito violento que resulta na morte deste último, apunhalado pelo `Açougueiro` em frente ao próprio filho que, 16 anos depois, retorna para vingar o assassinato do pai. Interpretado por Leonardo DiCaprio, Amsterdam Vallon infiltra-se no grupo de Bill e torna-se seu pupilo enquanto espera o momento ideal para matá-lo – algo que se revela muito mais complicado do que o rapaz imagina a princípio.
Infelizmente, ao contrário do que acontecia nos trabalhos anteriores de Scorsese (nos quais o cineasta demonstrava profundo interesse não apenas pelos universos abordados, mas também por seus habitantes), em Gangues de Nova York o maior foco reside no cenário histórico, e não nos personagens. Desta forma, a trama sobre o relacionamento entre Amsterdam e Bill jamais envolve o espectador, que já se encontra excessivamente ocupado em assimilar as diversas informações sobre a política, a economia e a sociedade americanas do período abordado no filme. Como se não bastasse, o rancor de Amsterdam por seu inimigo jamais encontra eco na platéia, já que o `Açougueiro` se revela uma figura muito mais interessante do que o personagem vivido por DiCaprio.
E como poderia ser diferente? Apesar de anti-abolicionista e xenófobo, Bill demonstra possuir facetas que o tornam um ser tridimensional e fascinante: depois de matar o `padre` Vallon, por exemplo, ele impede que seus seguidores mutilem o cadáver e decide enviar o filho do inimigo para um orfanato, a fim de que este `possa receber educação`. Mais tarde, em uma cena brilhantemente conduzida por Day-Lewis, o sujeito revela como perdeu a visão do olho esquerdo e explica porque sempre age com tanta violência – algo que cria um vínculo ainda maior entre ele e o espectador.
Enquanto isso, Amsterdam, além de ser igualmente criminoso (chegando a vender cadáveres para dissecação) e traiçoeiro (observe sua atitude durante o `show` de arremesso de facas), é excessivamente introspectivo, não permitindo que compartilhemos sua dor. Além disso, por que deveríamos lamentar a morte do `padre` Vallon se jamais chegamos a conhecê-lo de fato? Scorsese até procura equilibrar o pouco tempo que o personagem permanece em cena ao escalar Liam Neeson para o papel, mas isto é insuficiente (o objetivo era, obviamente, explorar a persona heróica que o ator construiu em filmes como A Lista de Schindler, Rob Roy, Michael Collin e A Ameaça Fantasma). E, a bem da verdade, não há ninguém em Gangues de Nova York que não possa ser descrito como um `bárbaro`.
Apesar de competente em seus aspectos técnicos (especialmente no que diz respeito aos figurinos e à direção de arte), a produção se perde em sua narrativa – até mesmo a locução em off, recurso que Scorsese utilizou com brilhantismo em vários de seus trabalhos, se mostra inútil desta vez. E isto é lamentável, já que a história de Nova York neste período é fascinante, demonstrando que a divisão simplista entre Norte e Sul durante a Guerra Civil não correspondia à realidade: supostamente defensora da `União`, a cidade (e o Estado, governado pelos Democratas, opositores de Abraham Lincoln) mergulhou no caos quando o presidente decretou uma lei para convocar todos os homens para a batalha – menos aqueles que, favorecidos por um berço-de-ouro, pudessem pagar a fortuna de 300 dólares para se livrarem do alistamento obrigatório. O resultado foi uma verdadeira insurreição social que demonstrou, entre outras coisas, que o preconceito racial ainda era fortíssimo entre a população teoricamente abolicionista.
Todo este contexto histórico é, diga-se de passagem, utilizado como pano-de-fundo pelo cineasta, que, no entanto, mostra-se incapaz de inserir seus personagens naquele cenário: em certo momento, por exemplo, Scorsese se desvia completamente da trama principal para retratar a eleição de um personagem secundário para o cargo de deputado – algo que faz o filme perder o foco desnecessariamente, já que nada tem a ver com o que havia acontecido até então e que é imediatamente esquecido assim que retornamos à história da vingança planejada por Amsterdam.
Gangues de Nova York é, portanto, uma imensa bagunça: misturando temas como vingança, traumas do passado e dramas pessoais com enredos envolvendo bastidores políticos, conflitos históricos e um romance improvável (e totalmente dispensável), Martin Scorsese cria um espetáculo visual que não possui alma - um filme esteticamente belo, mas emocionalmente frio.
8 de Fevereiro de 2003