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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/09/2001 01/01/1970 2 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
146 minuto(s)

A.I. Inteligência Artificial
A.I. Artificial Intelligence

Dirigido por Steven Spielberg. Com: Haley Joel Osment, Jude Law, William Hurt, Frances O’Connor, Sam Robards, Jake Thomas, Brendan Gleeson, Enrico Colantoni e as vozes de Ben Kingsley, Robin Williams, Meryl Streep e Chris Rock.

Lembro-me de ter observado, em minha crítica sobre Jackie Brown, que o filme havia sido prejudicado pelo choque entre os estilos dos dois principais responsáveis pela história, Elmore Leonard e Quentin Tarantino, o que criou uma falta de equilíbrio e harmonia patente no roteiro. Infelizmente, algo bastante parecido acontece em A.I. – Inteligência Artificial: a base da trama e seu tema principal, desenvolvidos por Stanley Kubrick ao longo de duas décadas (a partir de um melancólico conto de Brian Aldiss), recebeu seu tratamento final através das mãos de Steven Spielberg, que `herdou` o projeto depois da morte do diretor de De Olhos Bem Fechados. No entanto, o que um homem sentimental e basicamente otimista como Spielberg faria com um projeto concebido pelo racional e essencialmente cínico Kubrick? A resposta: uma produção que aborda tópicos complexos e instigantes, mas que não os discute profundamente por temer suas conclusões; uma história fadada a um final sombrio que, apesar disso, tenta fazer com que o espectador saia feliz do cinema. Em resumo: um filme com sérios distúrbios de personalidade.

A.I. gira em torno de David, um garoto-robô programado para amar incondicionalmente sua proprietária: uma mulher angustiada cujo filho permanecerá `congelado` até que a medicina encontre uma cura para sua doença. Quando isso acontece e o menino volta para casa, um conflito se estabelece entre as duas crianças e, obrigada por seu marido, a mulher finalmente decide expulsar David de seu lar. Convencido de que será aceito de volta caso se transforme em um `menino de verdade`, o pequeno robô inicia uma longa jornada em busca da mesma Fada Azul que transformou Pinóquio em gente (sua `querida mamãe` havia lido a história para ele). No caminho, ele enfrenta a intolerância dos humanos `orgânicos`, descobre a verdade sobre seu criador e se envolve com vários andróides abandonados.

É fácil entender as razões e questionamentos que levaram Kubrick a se interessar pela história concebida por Aldiss: afinal, qual é a verdadeira natureza do amor? O que leva uma pessoa a amar outra? Este é um sentimento egoísta ou altruísta? Por que a `mãe` de David não consegue amá-lo: ela é incapaz de investir suas emoções em um objeto ou simplesmente não consegue retribuir um sentimento que ela sabe ser provocado artificialmente? Por que as pessoas procuram tanto pelo amor, já que este é um sentimento que invariavelmente levará ao sofrimento, posto que a separação (por morte ou rompimento) é inevitável?

Kubrick jamais se cansava de investigar a natureza humana e é isto que tornava seus filmes tão fortes: ao invés de provocar o choro ou o riso através de técnicas artificiais (como trilhas sonoras emotivas ou piadas óbvias), ele deixava que a platéia investisse seu intelecto e suas emoções na história – e é por isso que todos reagem de maneira tão particular aos seus trabalhos, já que a bagagem individual do espectador desempenha papel importante na experiência (e também é esta a razão que faz com que sua obra ganhe contornos inéditos a cada vez em que voltamos a assisti-la).

Spielberg, por sua vez, é um mestre em provocar emoções: ele sabe o que comove ou diverte o público e não se intimida em utilizar este conhecimento. Além disso, ele não tem interesse em investigar a natureza dos sentimentos de seus personagens. Caso Kubrick tivesse comandado o projeto até o fim, não seria surpresa se, em certo momento da história, alguém questionasse David acerca de seu amor incondicional: ciente de que é uma máquina, o garotinho certamente tem condições de perceber que seu `amor` nada mais é do que um comando lógico – algo que contraria a própria natureza do sentimento. É claro que isso não o faria deixar de amar sua `mãe`, já que isso desobedeceria suas funções básicas, mas certamente tornaria sua busca mais complexa. Já para Spielberg, tudo que interessa é o fato de que David fará qualquer coisa para ter sua mãe de volta – e seus esforços neste sentido acabam se tornando a única motivação por trás do personagem.

Não quero dizer, com isso, que julgo Spielberg um artista `menor` – na verdade, com exceção de Hook e Amistad, devo reconhecer que sou fascinado por seus filmes (ri, chorei e torci em todas as ocasiões em que ele assim desejou). Infelizmente, ele era a pessoa errada para assumir este projeto: suas histórias são essencialmente otimistas (como a redenção de Schindler, por exemplo), enquanto A.I. conta, de fato, uma fábula de tristezas, frustração e melancolia – a busca de David pela Fada Azul é destinada ao fracasso, e nós sabemos disso. Mas Spielberg, não. No tratamento escrito por Kubrick, por exemplo, a `mãe` de David era alcoólatra e, para agradá-la, o garoto preparava suas bebidas favoritas (o que a levava a desprezá-lo ainda mais). Já na versão de Spielberg, a mulher é uma pessoa sem vícios ou maiores defeitos, e David prepara apenas seu café favorito. Desta forma, Spielberg jamais permite que seu filme se torne sombrio demais, como pode ser claramente observado na seqüência que se passa na Feira de Pele – um local em que os robôs são cruelmente destruídos por humanos que odeiam criaturas sintéticas: ao invés de retratar o horror da situação, o diretor quebra a tensão com uma aparição completamente inadequada de Chris Rock como um robô que faz piadas pouco antes de ser triturado (aliás, a resolução desta seqüência também soa de maneira extremamente falsa).

Mas, verdade seja dita, este é o único momento em que Spielberg realmente falha como diretor. No restante do filme, ele procura desenvolver a história como Kubrick o faria, de maneira lenta e elegante, chegando até mesmo a recriar movimentos de câmera e enquadramentos típicos do falecido diretor. Essa é a triste verdade: os graves equívocos de A.I. não devem ser atribuídos ao Spieberg-diretor, mas sim ao Spielberg-roteirista. O final do filme, então, é uma catástrofe total, destruindo até mesmo os ocasionais bons momentos que o antecederam.

Do ponto de vista técnico, A.I. também atinge resultados ambíguos: apesar do incrível design de produção, dos efeitos visuais e da maquiagem, o filme conta com uma trilha sonora lamentável (algo raríssimo na brilhante carreira de John Williams) e com uma fotografia clara, `alegre` demais para o tom da história (falha do também competente Janusz Kaminski). Em contrapartida, o pequeno Haley Joel Osment prova, mais uma vez, ser um ator de imenso talento, conseguindo criar um personagem que desperta a simpatia do espectador apesar de todas as falhas do roteiro neste sentido. A cena em que sua `mãe` o programa para amá-la é extremamente comovente – e o garoto consegue transmitir toda a complexidade do momento com apenas uma sutil mudança em seu olhar (algo que apenas grandes atores são capazes de fazer).

A.I. é uma grande frustração para os fãs de Steven Spielberg e também para os de Stanley Kubrick (como me encaixo em ambas as categorias, sinto-me duplamente frustrado). No final das contas, fica a lição óbvia: por mais talentoso que um diretor seja, há filmes que ele jamais deveria comandar. A Lista de Schindler é um filme que exigia um diretor sentimental – e Kubrick fracassaria se tentasse dirigi-lo. Já A.I. precisava desesperadamente de uma visão mais objetiva, intelectualizada. E, infelizmente, a pessoa mais adequada para a tarefa já havia morrido.
``

8 de Setembro de 2001

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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