Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
30/04/2015 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 4 / 5 |
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Dirigido por Ian Sbf. Roteiro de Fábio Porchat e Ian Sbf. Com: Fábio Porchat, Irene Ravache, Marcos Veras, Luis Lobianco, Giovanna Lancellotti, Marcelo Valle, Silvio Matos, Letícia Lima.
Encontrar a comédia em situações intensamente dramáticas não é tarefa das mais difíceis. Até mesmo como mecanismo de fuga e autopreservação, exibimos facilidade notável para o riso diante da catástrofe e para o absurdo inserido na tragédia. Já o oposto, por razões lógicas, é relativamente mais complicado: extrair drama de uma premissa intensamente cômica exige uma abordagem complexa e que normalmente resulta em fracasso – e é o que torna, por exemplo, a série “Louie”, do gênio Louis C.K., uma produção tão fascinante, mas de apelo limitado para a maior parte do público.
Pois algo similar pode ser dito sobre este Entre Abelhas. Escrito pelo ator e comediante Fábio Porchat ao lado do diretor Ian Sbf (parceiros no canal “Porta dos Fundos”), o filme nos apresenta à situação absurda de Bruno (Porchat), que, recém-divorciado e morando com a mãe (Ravache), sofre a perda da ex-esposa Regina (Lancellotti) ao mesmo tempo em que é levado pelo melhor amigo Davi (Veras) para baladas regadas a álcool e prostitutas. O absurdo, porém, não é isso, mas o fato de que, aos poucos, Bruno percebe que as pessoas ao seu redor estão desaparecendo - não deixando de existir, já que ele ainda sente as pancadas quando tromba com os seres agora invisíveis na rua; ele apenas não consegue mais vê-las.
É claro que, em um primeiro instante, torna-se quase inevitável rir diante do pânico do protagonista ao subitamente descobrir-se em um táxi sem motorista. No entanto, mesmo nestes momentos, Porchat se esforça para retratar não apenas o susto caricatural que um personagem exibiria numa comédia de tom surreal, mas também o choque e o desconforto que algo assim geraria em uma pessoa real. Sim, o ator tem, além de um timing cômico invejável, um talento admirável para o humor físico (como notamos na cena em que caminha lentamente testando o ambiente ao redor com os pés, para verificar se há alguém nas proximidades), mas o que surpreende em sua composição é constatar a imensa tristeza que Bruno parece sentir durante toda a projeção e que se apresenta não só nas inflexões melancólicas de sua voz, mas no olhar deprimido de Porchat.
A opção do ator não é isolada, obviamente: o próprio filme traz uma atmosfera constantemente melancólica ressaltada pela trilha de Gabriel Chwojnik e pelas demais decisões narrativas do cineasta Ian Sbf. Em primeiro lugar, as sessões de terapia que Bruno passa a frequentar e que certamente poderiam fornecer material cômico fácil (e óbvio) são tratadas com a seriedade que a condição do rapaz exige – e, longe de surgir como uma caricatura, o psicanalista vivido por Marcelo Valle parece um profissional dedicado que demonstra interesse genuíno de ajudar o paciente. Da mesma maneira, ao encenar um incidente no qual o herói se envolve ao dirigir à noite, Sbf constrói a cena como um verdadeiro pesadelo, empregando também a boa performance de Porchat para demonstrar o desespero e a impotência de Bruno diante da situação.
Não que Entre Abelhas não provoque o riso, pois provoca – e é preciso aplaudir a generosidade de Porchat ao reservar as melhores piadas não para si mesmo, mas para atores como Luis Lobianco (cuja trajetória do receio ao conforto é hilária) e, principalmente, Irene Ravache, cuja composição é tão eficaz que pode enganar quanto à própria complexidade. Vivendo a mãe de Bruno como uma mulher profundamente dedicada ao filho e sempre preocupada com seu bem-estar, Ravache leva o espectador ao riso com sua expressão angustiada e com uma entonação que parece presa no modo “que mundo confuso”, sugerindo que a personagem é uma destas pessoas naturalmente engraçadas que divertem sem perceber (um efeito que apenas uma atriz brilhante poderia criar).
Enquanto isso, Ian Sbf evita vícios estéticos como a profundidade de campo reduzidíssima que marca seus vídeos para o “Porta dos Fundos”, apresentando-se como um diretor perfeitamente capaz de conduzir um filme complicado graças à sua atmosfera que combina bem o riso e a dor. Usando o primeiro ato para estabelecer Bruno como apenas mais um na multidão ao trazer Porchat frequentemente em meio a dúzias de figurantes (algo importante para estabelecer o contraste com o isolamento que se seguirá), o cineasta ainda é hábil ao incluir o ponto de vista dos “desaparecidos” a fim de deixar claro que não deixam de existir e que – mais importante – se sentem confusos e frustrados com o comportamento errático do protagonista (e, em mais de um momento ao longo da projeção, Sbf provoca um pequeno choque ao revelar que Bruno não estava sozinho como imaginávamos). Além disso, o realizador tenta incluir pequenos floreios narrativos (como o raccord que se inicia com o herói entrando numa máquina de ressonância e completado pelo movimento da câmera para baixo no plano seguinte) que, mesmo um pouco óbvios, merecem crédito pelo esforço de sair do lugar-comum e tentar criar transições mais elegantes.
Mas o que mais surpreende e, sim, encanta em Entre Abelhas é perceber como Porchat não se encontra interessado em apenas provocar o riso, mas em discutir uma questão existencial contemporânea e cada vez mais relevante em um mundo no qual, habituados a enxergar os outros como avatares e nomes de usuário na tela do computador, acabamos nos isolando gradualmente sem perceber – como se, de certa maneira, desaparecêssemos do mundo real ao passarmos cada vez mais tempo investindo em nossas personas virtuais. Mas, mais do que isso, há também uma discussão filosófica a ser reconhecida no filme, que traz Bruno como um homem que certamente já se encontrava num processo de autoisolamento bem antes do longa ter início. Não é à toa que as pessoas mais importantes para o sujeito são também as que permanecem por mais tempo em sua percepção, como se a invisibilidade fosse apenas uma manifestação extrema e literal de um desinteresse que o rapaz já demonstrava há muito pelos demais. (E é uma pena que o roteiro faça questão de tentar resumir sua “moral” para o espectador no terceiro ato, demonstrando uma desnecessária insegurança por parte de Porchat e Sbf com relação aos próprios dons narrativos e também uma quase ofensiva desconfiança acerca da inteligência do público.)
Trazendo ainda uma nota de esperança através do reconhecimento de que muitas vezes a mais inesperada e trivial das conexões pode se tornar a mais significativa, Entre Abelhas é uma obra madura e corajosa de um comediante talentoso que, mesmo sabendo que o sucesso fácil viria de um trabalho que trouxesse apenas o mesmo que já fazia em seus populares vídeos, fez o que deveríamos realmente esperar de um artista: criou um projeto que revela sua inquietude criativa, sua ambição e seu desejo de usar a comédia para comunicar algo bem maior do que apenas o riso.
10 de Maio de 2015