Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
04/06/2015 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 1 / 5 |
Distribuidora | |||
Imovision | |||
Duração do filme | |||
120 minuto(s) |
Dirigido por Lírio Ferreira. Roteiro de Lírio Ferreira, Fellipe Barbosa, Sérgio Oliveira. Com: Daniel de Oliveira, Caroline Abras, Sandra Corveloni, Milhem Cortaz, Laura Ramos, Rômulo Braga, Matheus Nachtergaele, Paulo César Pereio e Ruy Guerra.
Sangue Azul é lindo, poético, profano, romântico, triste e mágico. Dirigido por Lírio Ferreira, o filme nos apresenta a personagens que sofrem sem ter muita certeza sobre por que doem tanto, mas que, nos intervalos do sofrimento, bebem, riem e se amam profundamente. Esta é uma obra apaixonada pelo universo que retrata, mesmo que este não seja igualmente valorizado por aqueles que o habitam – e o fato de chegarmos ao final da projeção com um irrefreável desejo de mergulharmos em suas águas mesmo que cientes da melancolia que experimentaremos é um testemunho da eficácia da narrativa.
Escrito por Ferreira ao lado de Fellipe Barbosa e Sérgio Oliveira, Sangue Azul tem um início felliniano ao trazer um circo sendo erguido com determinação por um grupo de artistas supervisionados pelo dono da empreitada, o ilusionista Kaleb (Pereio). Prestes a iniciar uma temporada em uma ilha “situada entre o Brasil e a África”, aqueles artistas desempenham seus números com amor e dedicação – e, entre eles, encontra-se Zolah (Oliveira), que, nascido ali, foi entregue ainda criança a Kaleb por sua mãe (Corveloni). Ao rever a irmã Raquel (Abras), porém, Zolah experimenta uma atração intensa (e, claro, proibida) que talvez explique os motivos que o levaram a ser abandonado na infância. Enquanto isso, os demais integrantes da trupe experimentam suas próprias mudanças durante o tempo que permanecem na ilha, cuja história é recontada pelo sábio Mumbebo (ninguém menos do que Ruy Guerra).
Rodado em Fernando de Noronha, o longa explora magnificamente bem as lindíssimas locações através da fotografia de Mauro Pinheiro Jr., que cria uma paleta de cores supersaturadas que ressaltam não só a geografia local, mas também os ótimos figurinos de Juliana Prhyston. Da mesma maneira, as cenas que retratam os números do circo devotam um olhar quase mágico àqueles artistas, ao passo que a bela trilha de Pupillo ajuda a construir uma atmosfera evocativa que vai do melancólico ao romântico em uma batida. Aliás, se há algo que Sangue Azul tem de sobra é amor por seus personagens, levando o espectador a desejar conhecer aquelas pessoas e a conviver com elas.
Centralizando a narrativa em torno de Zolah, o filme é beneficiado pela excelente performance de Daniel de Oliveira, que encarna o personagem como um indivíduo que encara o sexo como mecanismo de prazer imediato, mas também de fuga – e não é à toa que praticamente todas as cenas que o trazem transando com alguém (e são muitas) retratam o sexo de forma mecânica e nada romântica, já que esta postura reflete seu hábito de sentar-se sobre o canhão do qual é disparado em seu número, como se tivesse um falo imenso e impessoal entre as pernas. Emocionalmente retraído, Zolah é um homem com dificuldades de processar a dor de ter sido abandonado e de desejar a própria irmã – e, portanto, quando finalmente se entrega a um choro dolorido, este sai de forma desajeitada, em pequenas convulsões, como se o sujeito vomitasse sua dor em vez de expeli-la através de lágrimas. Em contrapartida, sua relação com Raquel revela uma vontade de pertencimento única, o que o leva a enfrentar sua maior fobia ao mergulhar (literal e metaforicamente) no universo da garota.
Enquanto isso, os companheiros do protagonista percorrem suas próprias trajetórias, desde o atirador de facas Gaetan (Nachtergaele), que se mostra cada vez mais instável, a Kaleb, cuja admiração pelo Johnny Strabler vivido por Marlon Brando em O Selvagem acaba por transformá-lo em uma aparição que, devidamente vestido em uma jaqueta de couro e surgindo em uma moto, acusa Zolah de evitar “mergulhar” (isto para não mencionar o fato de que, como os companheiros de Strabler, o circo de Kaleb altera a estabilidade da comunidade que visita – o que se torna evidente através da posição da câmera ao enfocar Raquel e o marido na cama, que se altera a cada cena até trazê-los de ponta-cabeça).
Criando aquele que talvez seja o casal gay mais improvável da História do Cinema brasileiro (Pereio e Cortaz), Sangue Azul ainda presenteia o público com uma das cenas mais lindas que a Sétima Arte produzirá este ano: a dança-luta-sedução que Zolah e Raquel protagonizam sob a água em um longo plano no qual se abraçam, se afastam, se agarram e flutuam em meio à agua cristalina de Fernando de Norinha, dando vazão a um desejo proibido que, mais tarde, o velho Mumbebo reconhecerá em cada espectador ao encarar o público de forma cúmplice, mas levemente acusatória.
E também certeira.
Crítica originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2014.
2 de Outubro de 2014