Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
30/07/2015 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Lança Filmes | |||
Duração do filme | |||
85 minuto(s) |
Dirigido e roteirizado por Gilson Vargas. Com: Marcos Contreras, Luciana Baseggio, Enio de Abreu, Gustavo Bouzas, Horacio Nieves, Laura Schneider, Lucia Trentini.
Dromedário no Asfalto é um road movie que percorre estradas externas e internas: enquanto seu protagonista viaja de Porto Alegre a algum ponto não especificado do Uruguai, atravessando rodovias, lagos e cidadezinhas, sua mente mergulha em uma jornada de autorreflexão que o conduz ao passado em busca de algo que o permita caminhar rumo a um futuro incerto e talvez doloroso. Com isso, o longa de estreia de Gilson Vargas se apresenta como um exercício melancólico, mas também repleto de momentos de leveza e pequenos sorrisos.
Ancorado por uma narração em off intermitente que aos poucos revela a natureza e o propósito da viagem de Pedro (Contreras), o filme acompanha o rapaz enquanto este consegue caronas, passa noites em hotéis baratos, bebe ao lado de desconhecidos que se tornam novos (e temporários) amigos e se entrega a recordações envolvendo seus pais e sua infância. Carregando todos os seus pertences em uma mochila que se projeta de suas costas como a corcova do animal do título (e que o explica em parte), Pedro caminha com a segurança de um homem que não sabe para onde vai e nem tem pressa para lá chegar, parecendo, por vezes, prolongar a jornada propositalmente como se temesse descobrir-se subitamente em seu destino.
Percorrendo paisagens que parecem muitas vezes desconectadas umas das outras, já que aqui o protagonista surge numa rodovia para, no minuto seguinte, aparecer caminhando sobre bancos de areia ou próximo ao mar, Dromedário no Asfalto segue uma lógica que não é necessariamente geográfica, mas psicológica: não é à toa, por exemplo, que frequentemente vemos Pedro caminhando diante de casas cujas portas e janelas surgem trancadas ou vazias, já que refletem sua solidão – e, da mesma forma, é revelador perceber como o jovem aparece constantemente contemplando o mar, já que sua relação com a água representa uma importante rima visual e temática ao longo da narrativa.
Confessando a uma quase desconhecida não saber nadar em função do temor que sua mãe tinha de vê-lo se afogar, Pedro caminha em uma piscina vazia, atravessa um lago em uma barcaça, caminha perto da linha d’água em diversos instantes e parece encarar o mar com um misto de fascínio e temor – e é preciso aplaudir, por exemplo, o instante em que o diretor de fotografia Bruno Polidoro emprega uma teleobjetiva para mostrá-lo diante do oceano, já que o achatamento típico provocado pela lente parece colocar Pedro diante de um paredão de água, transformando um espaço aberto em algo que beira o claustrofóbico (e tampouco é surpresa, portanto, o fato de seu ponto de chegada trazer uma relação com o mar, símbolo de um futuro em aberto).
Enriquecido pela presença dos rostos comuns que Pedro encontra ao longo do caminho e que costumam revelar almas gentis e generosas, o longa é hábil, também, ao contrapor estas pontuais interações calorosas com os momentos nos quais o rapaz surge sozinho, quando, então, é frequentemente enfocado na parte inferior do quadro, o que salienta sua fragilidade, sua solidão e seu sentimento de pequenez diante do mundo – algo também ilustrado pelo ótimo plano no qual ouvimos a narração descrever como o(a) autor(a) da carta foi “ficando pequeno” enquanto, no filme, o sujeito se afasta da câmera sugerindo um encolhimento diante de nossos olhos.
Aliás, Dromedário no Asfalto é um filme que obviamente confia em sua capacidade de evocar sentimentos através de imagens, desde a natureza desbotada e desfocada das memórias de Pedro até os breves flashbacks que o trazem em um apartamento escuro, vazio e cuja janela se abre para uma parede cinza e sufocante. Assim, ao vermos o que o personagem deixou para trás, torna-se fácil perceber por que busca um lugar ao qual pertença – uma procura que ele praticamente explicita ao conversar com dois novos amigos e perguntar por que estes se encontram naquele lugar específico, como se tentasse entender como aqueles que o cercam conseguem se situar no mundo (algo que é complementado de forma belíssima pela imagem de um caminhão que carrega uma casa em sua carroceria, criando uma metáfora inteligente sobre a busca de Pedro por seu lar).
Beneficiado ainda pelo carisma de Marcos Contrera, que consegue usar seu físico grandalhão para paradoxalmente sugerir a fragilidade de seu personagem, Dromedário no Asfalto é um filme sobre jornadas que tememos completar, mas também sobre a coragem necessária para nos libertamos de nossos pesos (aqui representados pela mochila-corcova) antes de finalmente podermos abraçar ao menos a promessa de um oceano em nosso futuro.
30 de Julho de 2015