Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
25/10/2011 | 12/08/2011 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
93 minuto(s) |
Dirigido por James Marsh.
O cineasta britânico James Marsh parece ter descoberto na década de 70 uma fonte maravilhosa de histórias interessantes e absurdas: depois de seu excelente O Equilibrista, que recontava as peripécias amalucadas do francês Philippe Petit e sua insistência em atravessar o espaço entre as torres gêmeas do World Trade Center, o diretor agora resgata a trajetória do chimpanzé Nim, que, nascido em 1973, foi logo cedido a pesquisadores da universidade de Columbia interessados em criá-lo como um bebê humano a fim de verificarem sua capacidade de absorver a linguagem de sinais. E por que isto só poderia acontecer nos anos 70? Bom, perguntem a Stephanie LaFarge, sua “mãe” adotiva que, criando Nim ao lado de seus próprios (e vários) filhos num lar dominado pela filosofia do Amor Livre, não via qualquer problema em amamentar o macaco ou em observar, divertida, o crescente interesse deste por suas formas femininas.
Mas não se iludam: embora a descrição acima possa sugerir um documentário leve e divertido sobre um macaquinho adorável vestido com roupas humanas e saltando alegre ao lado de crianças felizes, Projeto Nim logo deixa claro que, para a maior parte dos envolvidos no projeto, Nim era menos um ser vivo e mais um simples objeto de estudo. Levado de um lado a outro à medida que o chefe do projeto, Herb Terrace, alterava os parâmetros da pesquisa, o pobre primata era afastado daqueles em quem passava a confiar apenas para ser atirado num novo e assustador ambiente sem qualquer aviso, finalmente sendo devolvido às jaulas mal cuidadas e opressivas nas quais nascera.
Assim como fizera em O Equilibrista, Marsh conta aqui sua história de maneira fluida e interessante enquanto preenche algumas lacunas com breves encenações que jamais soam intrusivas ou artificiais. Ilustrando o aprendizado de Nim através de gráficos dinâmicos e reveladores, o cineasta ainda cria uma lógica narrativa econômica e elegante ao usar travellings para introduzir e remover seus entrevistados da história à medida que entram e saem da vida do chimpanzé. Além disso, o fato de o projeto ter sido amplamente registrado através de vídeos e fotos permite que Marsh reconte boa parte dos acontecimentos usando imagens de arquivo, o que é fundamental para o sucesso do filme.
Não que o foco do diretor seja a pesquisa em si; mais fascinante do que isso, segundo Marsh, é observar a dinâmica por trás do projeto envolvendo os personagens humanos e as relações que estabelecem entre si e com o próprio Nim – e, neste aspecto, o filme, numa reviravolta repleta de ironia, usa os estudos sobre o comportamento do animal para analisar os primatas um pouco mais intelectualmente desenvolvidos que o estudavam. É revelador, por exemplo, observar como o professor Herb exibia uma clara tendência de contratar mulheres jovens e bonitas para auxiliá-lo no projeto – e não é surpresa constatar que logo se envolvia sexualmente com as garotas, embora alegando que isto jamais “interferia nos trabalhos” (uma afirmação curiosa se considerarmos que ele próprio assume que o término do relacionamento com uma delas levou a moça a se afastar da pesquisa). Da mesma maneira, os desentendimentos entre a equipe e o papel nada agregador de Herb, que só aparecia de vez em quando para posar para fotos e protagonizar matérias para a televisão, criavam uma atmosfera pouco produtiva e carregada de tensão.
Do ponto de vista científico, aliás, o projeto Nim se caracterizava pelo caos e pela falta de parâmetros – e, neste sentido, mais uma vez a década de 70 dava as caras ao percebermos que os jovens hippies que trabalhavam na pesquisa não hesitavam em dividir bebidas alcóolicas e maconha com o jovem chimpanzé. E se Stephanie, sua primeira criadora, podia até ser carinhosa, sua postura de encarar as palavras como “inimigas” não representava exatamente uma filosofia compatível com um projeto que girava justamente em torno da comunicação entre humanos e macacos. Para completar, é assustador perceber como ninguém ali pareceu dedicar um tempo mínimo para se familiarizar com a natureza dos primatas, o que, claro, rapidamente levaria a uma série de incidentes violentos à medida que Nim envelhecia e se tornava mais agressivo e perigoso.
Não que o pobre chimpanzé devesse ser culpado pelos ferimentos que infligia aos seus “amigos” humanos, já que, claro, estava apenas manifestando sua natureza, não sendo responsável pela decisão de viver num ambiente obviamente impróprio para sua espécie. Aliás, se há uma figura realmente comovente no documentário, esta é representada por Nim, bastando imaginar uma criança humana em seu lugar para que constatemos o imenso sofrimento imposto ao pobre animal ao longo de praticamente toda sua vida – e é de partir o coração vê-lo enjaulado em um centro de pesquisas cirúrgicas com animais, anos depois de ter sido usado no projeto Nim, enquanto sinaliza para os cientistas seu desejo por “abraços” e “brincadeiras”.
E não deixa de ser deprimente constatar que, em toda aquela história, fomos nós, seres humanos, quem soamos mais animalescos do que o próprio primata que pretendíamos estudar.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura da Mostra de SP 2011.
25 de Outubro de 2011