Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
21/01/2016 | 25/12/2015 | 1 / 5 | 2 / 5 |
Distribuidora | |||
Fox | |||
Duração do filme | |||
124 minuto(s) |
Dirigido e roteirizado por David O. Russell. Com: Jennifer Lawrence, Robert De Niro, Virginia Madsen, Édgar Ramírez, Bradley Cooper, Isabella Rossellini, Elisabeth Röhm, Dascha Polanco, Jimmy Jean-Louis, Isabella Crovetti-Cramp, Melissa Rivers, Drena De Niro e Diane Ladd.
Joy, novo filme do cineasta David O. Russell, começa com uma cena de novela - uma daquelas produzidas pela tevê norte-americana e que, exibidas durante o dia, conseguem ser mais artificiais e absurdas do que suas primas mexicanas. E é assim, exibindo atores sem talento claramente lendo suas falas em cartazes fora de quadro, que o diretor indica ao espectador a abordagem narrativa que adotará no longa: a de uma fábula novelesca.
Tangencialmente baseado na vida da empresária Joy Mangano (produtora executiva do projeto, diga-se de passagem), o roteiro do próprio realizador se concentra na vida da personagem-título (Lawrence), que, pobre e responsável por cuidar da mãe (Madsen), de dois filhos pequenos, do ex-marido (Ramírez), do pai (De Niro) e da avó (Ladd), acaba por inventar um novo tipo de esfregão, tornando-se sucesso em um canal de televendas. Não é, obviamente, a mais promissora das histórias, mas qualquer artista talentoso pode encontrar drama na mais tola das premissas – e é provavelmente por saber que precisaria conferir interesse a uma trama rasa que O. Russell faz uma aposta malsucedida ao adotar estrutura, tom e ritmo completamente equivocados.
Para começar, há a auto importância do projeto, que abre com uma dedicatória “às inúmeras mulheres que triunfaram diante de grandes adversidades”. Ora, num ano marcado por uma importante valorização das causas feministas na política, na sociedade e nas artes, a promessa de um longa inspirado por uma mulher forte e sua natureza perseverante é admirável – o que apenas torna a realidade do filme em si ainda mais decepcionante, já que não só se concentra na comercialização de um símbolo da submissão feminina ao patriarcado (o esfregão) como emprega, como estratégia narrativa, a emulação das mesmas novelas que ao longo das décadas se tornaram (até mesmo por preconceito e elitismo) símbolos do entretenimento raso concebido primordialmente para mulheres. Em outras palavras: Joy pode ter boas intenções, mas não a sensibilidade necessária para realizá-las.
Habitado por caricaturas criadas exclusivamente para transformar em pesadelo a vida da heroína, o longa prende a garota a uma mãe que praticamente não se levanta da cama, passando todo o dia assistindo a (claro) novelas; a um pai pouco sensível às suas necessidades e ambições; a um ex-marido que, mesmo amável, exibe uma dependência pouco saudável e a uma meia-irmã (Röhm) repleta de ressentimentos e inveja. De forma similar, a estética perseguida pelo cineasta e pelo diretor de fotografia Linus Sandgren remete propositalmente à artificialidade das novelas, apelando para zooms ridiculamente dramáticos, grandes angulares que distorcem o universo da protagonista e cortes que revelam, em close, os rostos dos personagens que a reprimem.
Neste sentido, a lógica e a construção cuidadosa dos eventos é o que menos importa: de um momento para outro, o ex-marido de Joy surge com uma namorada antipática que imediatamente a humilha; uma encomenda de 50 mil esfregões para a semana seguinte é fabricada sem que compreendamos como uma empresa minúscula daria conta de uma demanda súbita tão grande; e personagens que num instante parecem apoiar a personagem-título subitamente passam a hostilizá-la ou a sabotá-la. Sutileza, claro, é o que menos importa, culminando num diálogo do pai interpretado por Robert De Niro que soa embaraçoso de tão artificial em seu propósito de inspirar a compaixão do espectador pela filha: “Eu dei a ela confiança para achar que era mais do que uma dona de casa desempregada vendendo bagulhos de plástico para outras donas de casa desempregadas num canal a cabo barato. (...) Eu a fiz pensar que ela era mais do que era na verdade”.
Faltaram apenas a risada maligna e a torcida no bigode. (E que De Niro tente vender o momento como um esforço de empatia por parte de seu personagem é prova de seu brilhantismo como ator, mesmo falhando.)
Aliás, ainda que a lógica narrativa do diretor funcionasse (e repito: não funciona), a falta de coesão ao aplicá-la acabaria por comprometê-la. Percebam, por exemplo, como O. Russell constrói o longa visualmente para representar o ponto de vista de Joy (os momentos dramáticos são levemente distorcidos pelas grandes angulares e o posicionamento da câmera frequentemente chega quase à subjetividade total), abandonando esta abordagem subitamente quando o personagem de Bradley Cooper é apresentado, quando, então, o cineasta demora a enfocar seu rosto (já visto por Joy) apenas para aumentar o impacto da “revelação” de que se trata do ator que já viveu pares românticos com Jennifer Lawrence em outras ocasiões. Como se não bastasse, a narração em off feita pela avó vivida por Diane Ladd não só é dispensável como acaba se estabelecendo como um truque barato para provocar um draminha que a relação mal construída entre avó e neta não conseguiria evocar. Por outro lado, a sequência que introduz os bastidores do canal de televendas dirigido por Neil Walker (Cooper) é dinâmica e interessante, estabelecendo-se como o único momento de energia da projeção.
Impossibilitada pelo péssimo roteiro de construir uma personagem minimamente coerente, Jennifer Lawrence – que, de imediato, já seria jovem demais para o papel (equívoco similar ao cometido em Trapaça) – fica presa às necessidades imediatas de cada cena, mudando sua composição bruscamente de um momento para outro: aqui, é uma jovem insegura; ali, uma adulta capaz de enfrentar qualquer um (e não, não há transição orgânica que sugira amadurecimento). Assim, ela salta do papel de mulher perdida e derrotada ao de advogada autodidata praticamente entre duas cenas, surgindo inexplicavelmente com óculos que não usara até então e que supostamente servem apenas para conferir ar de inteligência à jovem. E se isto já seria suficientemente sexista (além de envolver um estereótipo ridículo), a coisa se torna ainda pior quando Joy, seguindo o maior dos clichês, ilustra sua decisão de enfrentar os problemas ao cortar o próprio cabelo diante do espelho, como se a eliminação das longas - e femininas - madeixas a tornasse mais forte.
No entanto, talvez o tropeço mais irritante de Joy seja incluir uma sequência de pesadelo na qual a protagonista se enxerga dentro das novelas que a mãe costuma acompanhar, quando não só vê os parentes sob luz ameaçadora como ainda visita o velório de sua versão infantil (“Simbolizando o sacrifício da promessa que representava quando criança, entenderam?”, parece gritar o diretor). Ora, se o propósito de iniciar o longa com uma cena de novela era justamente o de indicar para o público a intenção do próprio longa de se apresentar como uma, o pesadelo – que obviamente busca ressaltar ainda mais a ideia – acaba anulando a estratégia: afinal, se o sonho é uma representação fabulesca da vida de Joy, isto transforma o filme em si... em quê? Numa representação novelesca que contém outras, como bonecas russas construídas por um autor que não compreende a própria intenção?
Vindo de um realizador experiente como David O. Russell, isto é no mínimo decepcionante. Não, estou sendo caridoso demais: é um desastre completo.
21 de Janeiro de 2016