Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
13/05/2016 | 14/05/2015 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Mares Filmes | |||
Duração do filme | |||
125 minuto(s) |
Dirigido por Matteo Garrone. Roteiro de Garrone, Edoardo Albinati, Ugo Chiti e Massimo Gaudioso. Com: Salma Hayek, Vincent Cassel, Toby Jones, John C. Reilly, Shirley Henderson, Hayley Carmichael, Stacy Martin, Bebe Cave, Christian Lees, Jonah Lees, Laura Pizzirani, Franco Pistoni, Guillaume Delaunay, Alba Rohrwacher.
Como seu próprio título já indica, o novo trabalho do italiano Matteo Garrone (Gomorra, Reality) é um filme que se propõe a narrar um “conto de contos”: inspirado em histórias concebidas por Giambattista Basile, o filme traz não apenas uma, mas três fábulas que, na melhor tradição dos irmãos Grimm, apostam num tom sombrio ao acompanhar personagens fantasiosos que, através de suas trajetórias, normalmente levam o espectador a encontrar alguma mensagem subjacente às aventuras apresentadas.
Saltando entre três reinos fictícios, O Conto dos Contos inicialmente nos apresenta ao rei e à rainha de Longtrellis (Reilly e Hayek), que sofrem em função da infertilidade. É então que um Necromancer (Pistoni) visita o casal e explica como podem resolver o problema: matando um monstro do mar, ordenando que uma virgem cozinhe o coração da besta e oferecendo-o para ser devorado pela rainha – o que acaba gerando não um, mas dois jovens (vividos pelos gêmeos Lees), já que um também é concebido pela virgem (Pizzirani). Enquanto isso, no reino de Strongcliff, o rei (Cassel) se entrega a orgias frequentes com todas as jovens sob sua jurisdição até que, ao ouvir uma bela voz, decide possuir também sua dona. O que ele não sabe, porém, é que ela pertence a Dora (Carmichael), cujo corpo demonstra todo o estrago da idade avançada e que vive com a irmão Imma (Henderson). Temendo a reação do monarca ao descobrir que se encantou por uma anciã, Dora se arrisca em um plano que traz consequências terríveis. Finalmente, a terceira história gira em torno do rei de Highhills (Jones), cuja filha (Cave) acaba sendo acidentalmente obrigada a se casar com um ogro (Delaunay).
Aliás, não sei se é preciso dizer que o longa acompanha três histórias, já que cada uma delas parece conter subtramas que tomam boa parte de suas durações, como o confronto entre o rei de Longtrellis e o monstro; a relação entre o rei de Highhills e uma pulga gigante (pois é) e um feitiço inesperado que afeta Dora após seu encontro real. Não é de se espantar, portanto, que o roteiro tenha sido assinado por quatro pessoas, já que a falta de foco das tramas é condizente com a contribuição de sensibilidades diferentes para o mesmo projeto. Além disso, embora consiga saltar de uma fábula a outra com certa fluidez, é impossível negar que, no fim das contas, o filme seja mesmo uma antologia disfarçada, já que o entrecruzamento de personagens é superficial demais para justificar se tratar de apenas um universo grandioso que traz várias aventuras simultâneas.
Não que isto seja um problema, pois não é (mesmo indicando o esforço fracassado de Garrone para evitar o óbvio formato de antologia) – e mais importante que isto é o fato de que O Conto dos Contos impressiona naquilo que é sua proposta principal: construir um universo fabulesco ambicioso. Neste sentido, o design de produção de Dimitri Capuani se mostra excepcional, desde as formações rochosas atípicas que ladeiam o rio no qual o monstro repousa até a imensa ponte que atravessa um lago e que, refletida na água e envolvida por neblina, resulta num daqueles quadros que poderiam facilmente surgir como ilustração de qualquer livro de contos de fadas. Da mesma forma, é importante perceber como os figurinos ajudam a estabelecer as relações entre os personagens, desde os vestidos da rainha vivida por Salma Hayek (sempre combinando vermelho e preto, já que é uma ameaça constante) até aquele usado pela princesa de Highhills durante a maior parte do tempo e que, acabando por se cobrir de sujeira e sangue, faz uma boa subversão da imagem clássica das princesas da Disney.
Dotado também de um senso de humor negro eficaz, o filme diverte com imagens absurdas como a “plástica” improvisada feita por Imma em sua irmã (e que consiste em cola e pele dobrada) e, claro, a primeira aparição do rei interpretado por Cassel, que não pretendo revelar para não estragar o ótimo efeito. Porém, Garrone também é eficiente ao criar planos memoráveis simplesmente do ponto de vista estético, como aquele que traz duas mulheres conversando em lados opostos de um abismo e um outro que acompanha os irmãos albinos sob a água.
Beneficiado por um elenco competente que confere vida a personagens que, mesmo unidimensionais, jamais deixam de ser interessantes, O Conto dos Contos ganha vida especialmente quando Vincent Cassel surge em cena como um monarca aparentemente insaciável em seu apetite sexual ou quando Toby Jones (cujo rosto parece ter sido feito para viver figuras fabulescas) se mostra encantado diante de seu novo bichinho de estimação.
Assim, é lamentável que o roteiro problemático falhe em oferecer uma conclusão razoável para qualquer das histórias principais, parecendo abandoná-las em pontos arbitrários e considerando-se satisfeito simplesmente por oferecer uma confluência de personagens. Com isso, a impressão é a de que, depois de investirmos duas horas naquele universo, somos atirados para fora de qualquer maneira – e se por um lado sentimos falta de sua riqueza visual, a partida de seus personagens não é algo que lamentemos de fato.
E este é um problema realmente difícil de ignorar.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2015.
13 de Maio de 2015