Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
28/01/2016 | 25/11/2015 | 2 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
California Filmes | |||
Duração do filme | |||
124 minuto(s) |
Dirigido por Jay Roach. Roteiro de John McNamara. Com: Bryan Cranston, Diane Lane, Louis C.K., Michael Stuhlbarg, Helen Mirren, John Goodman, David James Elliott, John Getz, Alan Tudyk, Richard Portnow, Stephen Root, Roger Bart, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Dean O’Gorman, Christian Berkel e Elle Fanning.
Dalton Trumbo era uma figura fascinante: escritor talentosíssimo, publicou livros, escreveu peças e assinou dezenas de roteiros. Dono de uma personalidade forte e expansiva, era corajoso e teimoso na mesma medida – uma combinação perigosa em uma época na qual seus valores ideológicos eram considerados como traição ao seu país. Imprevisível até o fim da vida, determinou que seu corpo fosse doado à Ciência após sua morte, comprovando o valor que dava à racionalidade e também, claro, seu imenso ego. Trumbo merecia, em suma, uma cinebiografia infinitamente melhor do que este filme que, no máximo, remete a uma produção feita para a televisão.
Vivido por Bryan Cranston, o escritor é apresentado ao público pelo roteiro de John McNamara quando já era um dos roteiristas mais bem pagos de Hollywood, o que não o impedia de ser também um defensor apaixonado dos direitos dos trabalhadores, irritando os donos dos estúdios, por exemplo, ao apoiar exigências feitas pelos carpinteiros que trabalhavam na construção de cenários. No entanto, quando a Guerra Fria leva o senado norte-americano a dar início à sua caça às bruxas anticomunista (um esforço liderado pelo famigerado Joseph McCarthy), Trumbo logo se torna um dos nomes mais visados pelo Comitê de Atividades Antiamericanas que, embora não ligado diretamente ao senador, obviamente existia como extensão de sua paranoia destrutiva. Perseguido pelo comitê e pela igualmente fascista “Aliança Cinematográfica pela Preservação dos Ideais Americanos” (encabeçada por ninguém menos do que John Wayne), o roteirista se viu incluído na lista negra que continha os nomes de profissionais ligados ao Partido Comunista e que, apenas por esta razão, não podiam ser contratados por ninguém em Hollywood.
Trata-se, naturalmente, de uma passagem importante na História do Cinema, já que acarretou na destruição de muitas carreiras promissoras, mas também tristemente atual – e basta constatarmos que, ainda hoje, há vozes estridentes e raivosas atacando artistas que se colocam à esquerda no espectro político e mesmo confrontando-os em momentos de lazer: e assim como neste filme vemos Trumbo num passeio com a família sendo agredido por um idiota incensado pela mídia (representada no longa pela colunista Hedda Hopper, interpretada por Helen Mirren), recentemente vimos o músico Chico Buarque passando por embaraço similar ao sair de um restaurante com amigos. Da mesma forma, quando um executivo chama Trumbo de “soviético de piscina”, torna-se impossível não pensar em expressões como “esquerda caviar”, ao passo que os cartazes de “comunista bom é comunista morto” não precisam sequer ser parafraseados, já que são repetidos ipsis litteris ainda em 2016 (soando tão anacrônicos quanto soaria, em 1950, chamar Trumbo de, digamos, feudalista).
Infelizmente, relevância não significa necessariamente qualidade narrativa e, assim, por mais que julgue a mensagem de Trumbo importante, é difícil defendê-lo como esforço dramático. Para começo de conversa, o fraco e esquemático roteiro de McNamara transforma praticamente todos os personagens em criaturas unidimensionais: Hopper é uma bruxa, Wayne é um babaca simplório, os donos de estúdios são homens inescrupulosos e Trumbo é símbolo do virtuosismo. Aliás, quando tenta criar alguma complexidade, o filme acaba por injustiçar Edward G. Robinson (Stuhlbarg), que é retratado aqui entregando nomes de filiados do Partido Comunista – algo que o ator nunca fez (mesmo se dizendo enganado por “organizações comunistas” às quais doou dinheiro). Na verdade, a única figura minimamente complexa da obra é – vejam a ironia - o fictício roteirista Arlen Hird, que é retratado por Louis C.K. como um homem que, mesmo profundamente idealista, demonstra receio diante das ações dos congressistas norte-americanos, oscilando entre o impulso inicial de se calar e a vontade posterior de enfrentá-los de forma até mais agressiva do que aquela empregada pelo personagem-título.
Como se não bastasse o roteiro pedestre, a direção de Jay Roach torna tudo ainda pior graças à abordagem visualmente desinteressante, empregando uma luz chapada, sem imaginação, que se preocupa apenas em expor bem o rosto dos atores frequentemente vistos em closes mais apropriados para a televisão – o que ainda confere ao projeto um tom de produção barata e preocupada em esconder a precariedade dos cenários e figurinos (o que não corresponde à verdade, já que, neste aspecto, o longa é cuidadoso). O cineasta, aliás, não consegue sequer dar um tom consistente à narrativa, já que, em vez de parecer oscilar com eficiência entre a comédia e o drama, o filme simplesmente não se decide entre estes – e é terrível ver como Roach se entrega constantemente a clichês visuais como a imagem da esposa de Trumbo, Cleo (Lane), entrevendo pela porta o marido tomando anfetaminas (algo que sequer é levado adiante pela trama). Para completar, várias das escalações de elenco são desastrosas: o Otto Preminger de Christian Berkel é uma caricatura, o Kirk Douglas de Dean O’Gorman em nada remete ao original (seja fisicamente ou através da composição vocal) e o John Wayne de David James Elliott parece apenas uma imitação amadora. (Já Michael Stuhlbarg se sai bem melhor como Edward G. Robinson, sendo auxiliado também por uma maquiagem eficiente.)
O que nos traz, claro, ao Dalton Trumbo de Bryan Cranston, que considero um dos melhores atores da atualidade. Evocando com talento a indignação crescente de seu personagem diante da perseguição absurda à qual é submetido, Cranston é um desses intérpretes que conseguem trazer intensidade até mesmo a cenas nas quais surge apenas datilografando rapidamente com dois dedos ou praticando uma versão artesanal do “CTRL+C+CTRL+V” ao recortar e colar pedaços de seus roteiros em ordens diferentes. E, no entanto, por mais que o admire, não posso elogiar sua composição, já que ele é limitado pela maneira rasa com que Trumbo é retratado pelo roteiro e que o prende a duas opções: frustração raivosa ou incredulidade indignada – e um retrato bem mais complexo de um realizador perseguido pelo mccarthismo foi vivido por Robert De Niro em Culpado por Suspeita, por exemplo.
Com isso, só posso supor que a indicação de Cranston ao Oscar seja resultado de uma vontade da Academia de premiá-lo por sua performance magistral em Breaking Bad – e eu não me importaria caso a cerimônia abrisse uma exceção e o presenteasse com uma estatueta por seu Walter White.
Já por Dalton Trumbo... bom, se vibrei ao ouvir Heisenberg dizendo “Say my name”, é com tristeza que admito torcer para não ouvir o nome de seu intérprete depois da frase “And the Oscar goes to...”. Ao menos, não desta vez.
28 de Janeiro de 2016