Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Cemitério do Esplendor
Rak ti Khon Kaen

Dirigido e roteirizado por Apichatpong Weerasethakul. Com: Jenjira Pongpas, Banlop Lomnoi, Jarinpattra Rueangram, Petcharat Chaiburi, Tawatchai Buawat, Sujittraporn Wongsrikeaw, Bhattaratorn Senkgraigul, Sakda Kawebuadee, Pongsadhorn Lertsukon, Sasipim Piwansenee, Apinya Unphanlam, Richard Abramson, Kammanit Sansuklerd, Boonyarak Bodlakorn, Wacharee Nagvichien.

Não, o tailandês Apichatpong Weerasethakul (ou “Joe”) não me convence. Depois de ser torturado por seus vazios Tio Boonmee e Hotel Mekong, até apreciando um ou outro elemento aqui e ali, desta vez devo dizer que minha paciência com a autoindulgência do cineasta se esgotou, já que todas as patetices vistas em seus trabalhos anteriores aqui ressurgem elevadas à enésima potência enquanto as poucas virtudes praticamente desaparecem.


Sim, o design de som ainda é envolvente e há uma ou outra ideia genuinamente interessante (como o comentário sobre nossa capacidade cada vez menor de usar a imaginação), mas, de modo geral, Cemitério do Esplendor tem pouco de esplendoroso e muito de motivação para que o espectador deseje estar morto.

Mais uma vez confundindo o sobrenatural/metafísico com algo mágico/belo, “Joe” aqui traz personagens que falam sobre “deixar a energia curar” e médiuns que dizem estar vendo “alguém sentado em algum lugar” – e a picaretagem destes indivíduos só rivaliza com a do cineasta, que parece ter desenvolvido a fórmula perfeita para conquistar certo tipo de público desejoso de enxergar algo profundo em suas construções narrativas. Para isso, basta criar algo suficientemente genérico e vazio para permitir que cada um projete ali o que julga relevante e/ou belo. E quanto aos que descrevem o que é feito pelo tailandês como um cinema de “sensações”, só posso responder que a sensação imperante em sua obra é a de profundo tédio.

Empregando, como de hábito, longuíssimos planos estáticos que trazem personagens falando e/ou se movimentando lentamente (isto quando se movimentam), Weerasethakul chega a empregar uma mise-en-scène digna de teatro amador ao trazer vários figurantes mudando de lugar em bancos públicos e, claro, os inesquecíveis quadros que se detêm em uma bolsa de urina ou em um personagem defecando em cena – algo que certamente os fãs de “Joe” aplaudem como uma grande coragem artística e/ou como símbolo de uma humanidade inquestionável e/ou de um desapego às coisas materiais e/ou de uma comunhão com a natureza comovente.

Já eu interpreto como um alterego do diretor produzindo, na tela, a mesma substância da qual seus filmes são feitos.

Mas esta é a grande proeza do sujeito, que consegue inspirar defesas apaixonadas sobre sua “sensibilidade” mesmo não exibindo qualquer virtude estética, compreensão de ritmo ou de estrutura. Em certo momento, por exemplo, ele cria uma (longa, claro) cena na qual três mulheres se divertem ao observar (e tocar) o pênis ereto de um paciente em coma – um instante que, se presente num filme de Adam Sandler (e poderia estar), despertaria desprezo e apaixonados textos sobre a decadência de Hollywood, mas que, por estar em algo chamado Cemitério do Esplendor, representa uma libertação feminina diante da autoridade masculina (ou algo do gênero).

A arrogância do diretor é tamanha, vale apontar, que ele não hesita nem mesmo em dar tapinhas congratulatórios nas costas do próprio Cinema que faz ao trazer uma cena na qual várias pessoas se encontram em uma sala de exibição que exibe o trailer de um trash de terror (ah, o Cinema de gênero! Que desgraça para a Sétima Arte!). Impassíveis diante daquelas imagens, elas imediatamente se levantam fascinadas quando a tela se apaga – o que, associado à sequência na qual duas mulheres percorrem um bosque discutindo um palácio que não está lá, completa o comentário de “Joe” não só sobre a “trivialidade” do Cinema contemporâneo, mas também a maneira com que a Arte tem matado a imaginação através de sua estupidez. Algo que logicamente pode ser contornado com obras magistrais como as que o tailandês executa. Claro.

Ao escrever sobre Hotel Mekong, comentei que aquele longa havia me levado a identificar um novo gênero, o “filme-aquário”, que descrevi como construído por “obras que compõem o ambiente, mas não são essenciais a este; você pode olhar para a tela ou não; ler as legendas ou não; sair da sala e retornar a qualquer momento e ele continuará lá sem que você tenha perdido algo importante; é perfeitamente natural contemplá-lo por um longo tempo enquanto pensamos em qualquer outra coisa; e, finalmente, você pode discuti-lo após observá-lo ou não, já que isto não fará qualquer diferença e nada de realmente relevante surgiria da conversa.”

Pois Cemitério do Esplendor é, neste sentido, um tanque.

Aliás, se me permitem a coloquialidade da expressão, começo a crer que Weerasethakul está mesmo é de sacanagem conosco, tentando criar a obra mais estúpida que conseguir para ver até que ponto conseguirá se safar sem que alguém perceba sua pegadinha.

Apichatpong Weerasethakul é, em outras palavras, o Ivo Holanda do Cinema.

Texto publicado originalmente como parte da cobertura do Festival de Cannes 2015.

16 de Maio de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!