Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
07/04/2016 | 11/03/2016 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Paramount Pictures | |||
Duração do filme | |||
103 minuto(s) |
Dirigido por Dan Trachtenberg. Roteiro de Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle. Com: Mary Elizabeth Winstead, John Gallagher Jr. e John Goodman.
Na semana da estreia de Rua Cloverfield, 10 no Brasil, o trailer do novo longa ambientado no universo de Star Wars (Rogue One) foi lançado e os cinéfilos descobriram que a história seria protagonizada por uma mulher. Imediatamente, os protestos habituais tiveram início, incluindo uma reclamação curiosa: “Esta ideia de usar heroínas está ficando repetitiva”. O absurdo da afirmação foi logo exposto por uma jovem feminista, que disse apenas: “Ué, homem protagonizando não está repetitivo? Mesmo?”.
Esta discussão me veio à mente ao assistir a esta produção, que, seguindo não um “modismo”, mas algo que já deveria ter se tornado comum há décadas, nos apresenta a mais uma protagonista forte que, sem jamais esperar passivamente a ajuda de uma figura masculina, busca assumir controle da situação na qual se encontra mesmo encarando adversários cuja natureza não conhece inteiramente. Interpretada pela excelente Mary Elizabeth Winstead, Michelle é uma jovem que, depois de terminar o relacionamento com o noivo (voz de Bradley Cooper), coloca suas posses em um carro e deixa a cidade. Depois de sofrer um acidente, porém, ela acorda em um aposento com paredes de concreto e presa a uma barra de ferro, logo descobrindo ter sido aprisionada por Howard (Goodman), que afirma tê-la trazido para seu abrigo subterrâneo para protegê-la de um desastre que parece ter destruído o planeta – uma afirmação que se mantém implausível mesmo depois de corroborada por Emmett (Gallagher Jr), um rapaz que também buscou proteção ali.
E é aí que o roteiro começa a ficar interessante, já que nós sabemos que, por mais inacreditável que seja a história de Howard, ele está dizendo a verdade, já que o título do filme faz a ligação com o ótimo Cloverfield, que em 2008 nos apresentou aos monstros alienígenas que invadiam a Terra. Este, portanto, é um excelente uso de ironia dramática (quando o espectador sabe de algo que um ou mais personagens desconhecem) que, mesmo contando com o conhecimento prévio do público, não elimina as surpresas que a trama pode oferecer.
Pois o fato é que, certo ou não, Howard sugere uma instabilidade em seu comportamento que mantém Michelle e o espectador sempre inseguros acerca de suas motivações – e, neste sentido, John Goodman se revela uma escolha perfeita para o papel, já que seu tipo bonachão, capaz de inspirar confiança, se contrapõe à sua habilidade em assumir personas ameaçadoras e desequilibradas que os irmãos Coen já exploraram tão bem em obras como Barton Fink e O Grande Lebowski. Assim, através de pequenos tiques faciais ou de um simples desviar de olhos, Goodman constrói um indivíduo que provoca reações conflitantes, ora gerando simpatia, ora causando desconforto.
Enquanto isso, Winstead mostra-se hábil ao telegrafar suas impressões momentâneas através da mudança na maneira como simplesmente olha para Howard: inicialmente projetando pavor, ela gradualmente substitui a expressão por tristeza, resignação, confiança e assim por diante (explicitar todas as alterações seria um spoiler). Conferindo inteligência e determinação a Michelle, a atriz é hábil, ainda assim, ao permitir que enxerguemos a vulnerabilidade da personagem – algo fundamental para que temamos por seu destino. Fechando o elenco principal, o ótimo John Gallagher Jr. (que conheci na série Newsroom) compõe Emmett como um rapaz de cultura e intelecto limitados e que, justamente por reconhecer em Michelle alguém mais inteligente e capaz, se limita na maior parte do tempo a acompanhá-la em suas decisões – e é um mérito adicional do longa que a história jamais se preocupe em criar tensão sexual entre os dois, já que ambos têm assuntos bem mais sérios do que a libido para tratar.
Basicamente adotando uma estrutura de filme de câmara (ou seja: ambientado em um único cenário), Rua Cloverfield, 10 se beneficia também do impecável design de produção de Ramsey Avery, que acertadamente concebe o espaço como um misto de bunker e loft, prisão e lar, surgindo simultaneamente claustrofóbico e aconchegante. Contribui para este efeito a fotografia de Jeff Cutter, que se equilibra bem entre tons quentes e frios de acordo com o ponto da narrativa e, principalmente, o estado emocional de Michelle. (Além disso, é divertido perceber a brincadeira sutil feita por Cutter e pelo diretor Dan Trachtenberg logo no início da projeção, que já abre numa janela gradeada que sugere que a protagonista já se encontra em uma espécie de prisão graças ao seu relacionamento problemático.)
Trachtenberg, por sinal, aqui faz uma estreia promissora, demonstrando também coragem ao assumir um projeto que, continuação de um terror found-footage inspirado nos “filmes de monstro” (kaiju) japoneses, não só abandona a estrutura subjetiva como também o gênero, tornando-se mais um thriller psicológico do que qualquer outra coisa.
E se o padrão de qualidade for mantido para um hipotético terceiro longa, mal posso esperar para ver o universo de Cloverfield em sua versão comédia romântica.
09 de Abril de 2016
Assista também ao videocast sobre o filme (sem spoilers):