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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/09/2016 24/06/2016 1 / 5 4 / 5
Distribuidora
California Filmes
Duração do filme
110 minuto(s)

Demônio Neon
The Neon Demon

Dirigido por Nicolas Winding Refn. Roteiro de Mary Laws, Polly Stenham e Nicolas Winding Refn. Com: Elle Fanning, Jena Malone, Bella Heathcote, Abbey Lee, Alessandro Nivola, Desmond Harrington, Christina Hendricks, Jamie Clayton, Charles Baker e Keanu Reeves.

The Neon Demon é uma mistura de Dario Argento, Stanley Kubrick, David Lynch e lesão cerebral – e se isto soa como uma combinação interessante, acredite: não é. Dirigido por Nicolas Winding Refn, responsável pelos ótimos Bronson e Drive, esta produção é vitimada por uma arrogância proporcional à sua estupidez, sugerindo que vencer a Palma de Ouro de melhor diretor por este último foi uma das piores coisas que poderiam ter ocorrido à carreira do dinamarquês.


E isto vem de alguém que, ao contrário da maior parte da crítica, gostou de Apenas Deus Perdoa, seu esforço seguinte.

Embora escrito a seis mãos (Refn, Mary Laws e Polly Stenham), The Neon Demon tem um fiapo de história: a adolescente Jesse (Fanning), que acabou de completar 16 anos, muda-se para Los Angeles para tentar se tornar modelo profissional. Atraindo imediatamente a atenção de uma poderosa agente (Hendricks), de um célebre fotógrafo (Harrington) e de um famoso estilista (Nivola), ela se torna amiga da maquiadora Ruby (Malone) e desperta a inveja das modelos Sarah (Lee) e Gigi (Heathcote). Ah, sim: Keanu Reeves também aparece em um papel minúsculo como o gerente do hotel barato no qual a protagonista passa a morar, mas não me perguntem por que ele aceitou participar do projeto.

Trazendo uma chuva de glitter já durante os créditos iniciais e que resume perfeitamente o filme em si (muito brilho para pouca substância), a produção é magnífica em seus elementos puramente estéticos: cada plano, por mais trivial que pareça, exibe um apuro que sugere horas de preparação antes do “Ação!”, seja um take de três minutos em uma passarela, seja um plano-detalhe de um dedo tocando um objeto. Aliás, Refn, o designer de produção Elliott Hostetter e a diretora de fotografia Natasha Braier criam uma série de tableaux vivants (pinturas vivas, digamos) que impressionam pelas cores, formatos e composições (um exemplo é aquele no qual Fanning é vista sentada em uma sala iluminada e ladeada por quatro modelos que aguardam um teste).

Ao longo da projeção, confesso, tive várias vezes o desejo de pressionar algum botão do tipo “Print Screen” para poder levar aquelas imagens para casa – quadros como o que traz um personagem deitado numa espécie de cova rasa no meio de um campo impossivelmente verde e de flores roxas ou aquele no qual vemos a silhueta de Jesse através de uma parede em um longo zoom out. E é realmente curioso perceber os conceitos muitas vezes absurdos por trás de passagens como a que traz uma stripper que, vestida com uma daquelas roupas de couro associadas ao sadomasoquismo, parece flutuar no meio de uma boate, como se fosse resultado de um cruzamento entre David Copperfield e Dita Von Teese.

Infelizmente, embora belíssimos, mesmo estes planos acabam sendo sabotados pela abordagem autoindulgente de Refn, que não resiste prolongar ao máximo cada um deles, abusando também do slow motion, dos zooms e dos travellings e panorâmicas que se movem com uma preguiça irritante. Enquanto isso, a lógica das cores se revela óbvia, mesmo que coerente: Jesse usa basicamente roupas claras que refletem sua inocência, Ruby jamais abandona as escuras (adivinhem o motivo) e Hendricks, que representa uma indústria destrutiva (na visão do longa, ao menos) se cobre de roxo. Para completar, em um desfile a protagonista se vê no interior de um triângulo invertido (símbolo feminino) azul que subitamente se torna vermelho quando ela permite que sua vaidade tome conta.

Quanto ao elenco, seria uma discussão inútil tentar analisar suas performances, já que todos são tratados menos como atores e atrizes e mais como objetos de cena por Refn (aliás, o fotógrafo interpretado por Harrington poderia ser um avatar do diretor). De todo modo, é impossível negar que The Neon Demon não existiria caso o cineasta não tivesse conseguido encontrar uma atriz que encarnasse a beleza descomunal da personagem principal – e Elle Fanning é deslumbrante, sendo também eficaz ao encarnar sua ingenuidade (e é tudo que pode ser dito acerca de sua interpretação, já que, como dito acima, esta não interessa de verdade).

Embalado por uma trilha eletrônica que oscila entre o cafona e o irritante, o longa por vezes remete mais a um vídeo softcore, explorando os corpos de suas atrizes com um olhar tão objetificante que se torna impossível alegar que a obra em si esteja criticando esta postura no mundo da moda. Para completar, o realizador demonstra uma tendência quase adolescente de provocar o público, já que inclui passagens supostamente chocantes (vocês as reconhecerão quando assistirem ao filme) que, gratuitas, parecem apenas querer atrair controvérsia.

Criticando a futilidade da obsessão pela beleza e a estupidez da busca para se alcançar um padrão idealizado impossível sem photoshop ou ampla cirurgia plástica, The Neon Demon aparentemente acredita estar dizendo algo relevante, mas que é apenas de uma obviedade ridícula. Ainda que apresentada com cores tão lindas.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2016.

22 de Maio de 2016

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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