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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
09/06/2016 10/06/2016 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
134 minuto(s)

Invocação do Mal 2
The Conjuring 2

Dirigido por James Wan. Roteiro de Carey Hayes, Chad Hayes, James Wan e David Leslie Johnson. Com: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Madison Wolfe, Frances O’Connor, Lauren Esposito, Benjamin Haigh, Patrick McAuley, Simon McBurney, Maria Doyle Kennedy, Simon Delaney, Bob Adrian, Bonnie Aarons e Franka Potente.

Filmes de gênero tendem a atrair diretores preguiçosos. Seguros de que conseguirão ao menos repetir as mesmas convenções já testadas em produções infinitamente superiores, estes realizadores se contentam com o bê-á-bá e com o clichê, criando obras genéricas que mesmo em seus melhores momentos remetem apenas a outras melhores. Assim, quando algo como Invocação do Mal 2 (ou como seu antecessor – não confundir com Annabelle -, Corrente do Mal, A Bruxa ou O Babadook) surpreende pela eficácia com que traz vida nova à linguagem – mesmo que não necessariamente por sua originalidade -, a sensação de qualquer cinéfilo é a de estar diante do tipo de filme que despertou sua paixão pela Arte em primeiro lugar.


Baseado em uma história real (assim como O Hobbit, imagino), esta continuação traz o casal Lorraine e Ed Warren (Farmiga e Wilson) investigando os eventos supostamente sobrenaturais ocorridos numa vizinhança humilde de Londres entre 1977 e 1979 e que envolviam a jovem Janet Hodgson (Wolfe), uma de quatro irmãos criados pela humilde Peggy (O’Connor). Alegando ouvir vozes estranhas e testemunhar móveis movendo-se sozinhos (o “alegando” fica por conta da realidade; no longa, tudo ocorre diante da câmera), Janet é atormentada pelo espírito de um homem que morreu no local e que parece divertir-se ao assustá-la, ao feri-la e mesmo ao mudar o canal de tevê para - oh, Deus, isso é horrível demais para descrever - para que exiba um discurso de Margaret Thatcher (sim, ele é extremamente cruel).

Mais uma vez caprichando na recriação de época e usando-a para ajudar a criar a atmosfera angustiante e sombria da narrativa, Invocação do Mal 2 estabelece o lar dos Hodgson como um espaço humilde por fora e devastado por dentro, ressaltando a sujeira e as rachaduras nas paredes, o esgarçamento dos móveis e, claro, as cores tristes que dominam o lugar e que se contrapõem com a residência infinitamente mais agradável dos Warren (que, no entanto, logo exibe corredores estreitíssimos e aposentos opressivos quando necessário). Aqui e ali, o filme não resiste a fazer piadinhas óbvias com a tecnologia do período (ao segurar uma imensa câmera, Ed comenta: “É tão pequena e leve!”), mas estes elementos são compensados por outros mais sutis, como o suporte da janela da cozinha que remete a um crucifixo. Da mesma maneira, os figurinos podem ocasionalmente apelar para a caricatura (como o terno engomadinho e os óculos do esnobe debatedor que questiona os Warren), mas, na maior parte do tempo, costura uma lógica admirável – como, por exemplo, ao trazer certo(a) personagem usando roupas vermelhas que vão perdendo a cor e se tornando marrons à medida que sua realidade se transforma (e, não à toa, reparem na cor do cobertor que o(a) envolve em sua última cena).

Esta oscilação entre acertos fabulosos e tropeços pontuais ocorre também na seleção musical: se o interlúdio que enfoca Ed cantando uma canção de Elvis Presley para a família Hodgson permite um respiro na narrativa, tornando aquelas pessoas mais próximas do espectador, a escolha de “I Started a Joke” para acompanhar outra sequência é simplesmente desastrosa, convertendo em piada (duh) o que deveria ser uma passagem melancólica. Ainda assim, é preciso reconhecer os esforços da obra para humanizar os personagens ao incluir breves instantes mais intimistas como aquele em que Maurice Grosse (McBurney) fala sobre a filha – e se o amor avassalador de Ed e Lorraine soa um tanto artificial, isto é equilibrado pelo carisma de Patrick Wilson e Vera Farmiga. Para completar, a performance da jovem Madison Wolfe, como Janet, impressiona pela combinação de vulnerabilidade e ameaça, remetendo, em seus melhores momentos, à de Linda Blair em O Exorcista. (Eu disse “em certos momentos”.)

Investindo na concepção de imagens icônicas de terror desde o primeiro plano, que traz as janelas inconfundíveis da casa de Horror em Amityville, o diretor James Wan (Jogos Mortais, Invocação do Mal, Velozes & Furiosos 7) usa sem parcimônia os inquietantes ângulos holandeses (inclinados) e também as sombras duras que ocultam de forma quase impossível os rostos deformados e assustadores dos espíritos e demônios que torturam os heróis (e o garotinho de olhos completamente brancos visto rapidamente na introdução é um de meus “favoritos”). Além disso, Wan sabe que a atmosfera é mais importante do que sustos ocasionais para deixar o público preso à poltrona e, assim, mantém o céu sobre a casa da família Hodgson sempre nublado, abrindo-o apenas quando se torna apropriado para seus propósitos.

Ok, o cineasta por vezes não resiste às possibilidades do digital ao criar movimentos de câmera que falham por chamarem a atenção para si mesmos (quantas vezes teremos que ver um plano no qual “atravessamos” uma janela enquanto um efeito sonoro tolo pontua a travessia?) e, da mesma maneira, um dos espíritos vistos aqui é artificial demais em sua natureza de animação, mas na maior parte do tempo Wan demonstra uma disciplina admirável, construindo seus sustos com calma e inteligência. É notável, por exemplo, como ele nos posiciona junto aos personagens em dois momentos nos quais estes se encontram sentados no chão, tornando os arredores grandiosos e ameaçadores, e também como emprega a câmera subjetiva em determinado ponto para gerar suspense quando o personagem em questão está com a visão comprometida.

E mesmo que o diretor abuse dos planos nos quais a câmera oscila entre algum humano e certo ponto do cenário, indo e voltando enquanto nos preparamos para que finalmente revele algo, o fato é que este recurso jamais deixa de funcionar – ainda que nos julguemos capazes de antecipar o que virá. Além disso, há ao menos um plano em Invocação do Mal 2 que posso classificar como “brilhante” sem hesitação: aquele no qual vemos Ed em close enquanto, às suas costas, ao fundo e desfocada pela pequena profundidade de campo, Janet parece estar incorporando o espírito maligno que assombra sua casa e cuja aparência podemos apenas adivinhar.

Eficiente como exercício de gênero, esta continuação é um daqueles filmes de terror que conseguem causar um efeito muito mais duradouro do que os sustos pontuais: aqueles arrepios na nuca que voltam quando simplesmente nos lembramos das imagens que os provocaram.

15 de Junho de 2016

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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