Datas de Estreia: | Nota: | ||
---|---|---|---|
Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
23/11/2016 | 21/09/2016 | 4 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
97 minuto(s) |
Dirigido e roteirizado por Xavier Dolan. Com: Gaspard Ulliel, Marion Cotillard, Léa Seydoux, Vincent Cassel e Nathalie Baye.
Na metade da projeção de É Apenas o Fim do Mundo durante o Festival de Cannes, previ corretamente que seria vaiado ao final - não por ser um filme ruim, mas por não ser fácil de ver e nem tentar sê-lo. Dirigido sem quaisquer concessões ao espectador, esta nova obra do canadense Xavier Dolan reconhece o amor entre seus personagens, mas também que estes não conseguem deixar de machucar uns aos outros, tendendo a interpretar da pior maneira o que ouvem.
É compreensível, portanto, que o dramaturgo Louis (Ulliel) tenha se mantido afastado de sua família por 12 anos, limitando-se a enviar cartões em datas comemorativas. Porém, quando o encontramos pela primeira vez, ele está justamente retornando para casa com o objetivo de revelar aos parentes que está morrendo, o que servirá de base para o resto da narrativa, que focará suas conversas com a mãe (Baye), com seu irmão mais velho Antoine (Cassel), com sua cunhada Catherine (Cotillard) e com sua irmã caçula Suzanne (Seydoux). Enquanto cria coragem para dar a notícia, Louis testemunha/protagoniza/causa revelações, brigas e confissões que passam a disparar memórias específicas de sua juventude.
Sem esconder sua origem teatral, que fica exposta na quantidade de diálogos e na ambientação limitada, o roteiro adaptado pelo próprio Dolan a partir da peça de Jean-Luc Lagarce naturalmente reconhece que sua força reside em seus personagens, que, por isso, são encarnados pelos rostos emblemáticos de intérpretes talentosos: Vicent Cassel concentra-se na raiva acumulada de Antoine, cujo sentimento de inferioridade e inadequação é extravasado através de gestos de hostilidade; Marion Cotillard é hábil ao ilustrar como a intimidação constante que Catherine sofre por parte do marido a transformou numa mulher insegura que mal consegue se expressar; Léa Seydoux retrata a ansiedade de Suzanne para impressionar o irmão famoso que pouco conhece; e Nathalie Baye faz da Mãe uma figura surpreendente que, por baixo dos modos expansivos e histriônicos, revela uma percepção aguçada acerca da dinâmica psicológica entre os filhos. Já Gaspard Ulliel faz uma escolha apropriada ao permitir que Louis sirva quase como uma esfinge na qual seus parentes projetam as próprias percepções, limitando-se na maior parte do tempo a escutá-los com uma expressão que oscila entre lamento contido e a certeza de ter agido bem ao partir.
No entanto, mesmo que não disfarce a origem nos palcos, o longa ganha, a partir da direção inteligente de Dolan, uma linguagem profundamente cinematográfica que certamente provoca ideias e reações ausentes no original ao adotar uma montagem fluida – um recurso com o qual o teatro não pode contar – e que constrói uma tensão formidável durante conversas superficialmente inócuas ao acelerar o ritmo dos cortes enquanto os closes predominantes ajudam a criar uma atmosfera claustrofóbica e angustiante. Da mesma maneira, Dolan permite que o espectador testemunhe o tempo subjetivo presente em encontros de olhares – e quando Louis e Catherine conversam no sofá enquanto Antoine e Suzanne discutem ao lado, o cineasta parece testar os limites de sua capacidade de contrapor o espaço objetivo, da briga entre irmãos, e o subjetivo, contido na troca de olhares entre o protagonista e a cunhada e que parece durar uma eternidade. Já em outros instantes, a montagem vai no caminho oposto e pontua o mergulho de Louis nas memórias disparadas por cheiros e objetos que o cercam e que piscam na tela em flashes que recuperam amores e traumas passados.
Admirável como Cinema, É Apenas o Fim do Mundo cumpre muitíssimo bem sua proposta; que esta incomode justamente por ser eficiente demais é terrivelmente injusto.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2016.
18 de Maio de 2016