Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
21/05/2016 | 04/01/2017 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Sean Penn. Roteiro de Erin Dignam. Com: Charlize Theron, Javier Bardem, Jean Reno, Adèle Exarchopoulos, Jared Harris, Oscar Best, Hopper Penn, Sibongile Mlambo.
Sean Penn é um ótimo diretor. Responsável por dois filmes excelentes (Na Natureza Selvagem e Acerto Final) e um que considero uma pequena obra-prima (A Promessa), ele é um cineasta com bom olhar para o desenvolvimento de personagens e seus conflitos, além de, como ator, se concentrar particularmente em seu elenco. Aliás, este é um dos problemas de The Last Face, seu novo trabalho: retornar continuamente aos dramas pessoais de seu casal principal quando deveria manter o foco no contexto trágico em que vivem.
Escrito por Erin Dignam, o longa dá um tropeço grave já em seus primeiros segundos, quase não conseguindo se recuperar, ao incluir um letreiro que, depois de explicar a situação básica dos conflitos no Sudão do Sul e na Libéria (o que faz sentido), emenda uma cafonice pavorosa ao dizer que falará da “brutalidade de um amor impossível entre um homem e uma mulher” – no caso, os médicos Wren (Theron) e Miguel (Bardem), envolvidos com uma organização similar ao Médico Sem Fronteiras (ela, como integrante da diretoria; ele, atuando diretamente com os refugiados). Tornando-se próximos quando ela viaja para uma das bases do grupo, eles se apaix...
Aí. Bem aí. Este é o problema: quem se importa com os problemas românticos de um casal de brancos privilegiados quando milhares e milhares de crianças negras estão sendo massacradas em guerras civis brutais? Não é fácil sentir pena das agruras emocionais da protagonista quando acabamos de ver uma mãe desesperada tentando colocar seu bebê num helicóptero que está partindo, abrindo mão de ficar com o filho por saber que ele provavelmente será executado se permanecer ali e terá seu seu coração devorado por guerrilheiros que acreditam que isto os tornará invisíveis durante os combates.
O curioso é que Penn sabe que as questões não se comparam, já que exibe um cuidado imenso ao retratar o verdadeiro genocídio que ocorre naqueles países, jamais poupando o espectador por reconhecer o valor do choque no processo de conscientização humanitária. Assim, The Last Face não só é tenso em suas sequências de violência (incluindo uma cena incrivelmente tensa envolvendo pai e filho) como tenta atingir um forte grau de realismo – e, por esta razão, não é uma daquelas produções hollywoodianas nas quais as crianças estão sempre imunes a qualquer desastre.
Já o romance... ah, o romance. Embaraçoso em vários de seus diálogos (“It’s not grabbing, it’s loving.”), ele se revela ainda mais problemático graças à performance de Charlize Theron, que oferece uma composição monótona que a traz sempre sussurrando em tom sofrido e com os olhos constantemente marejados. Em contrapartida, é interessante notar a dicotomia básica da protagonista, que dedica a vida à ajuda humanitária aos refugiados, mas não consegue trabalhar in loco por sentir medo da violência e por ter dificuldade para lidar com a brutalidade que testemunha. Enquanto isso, Javier Bardem confere dignidade e coragem a Miguel, saindo-se bem melhor no equilíbrio entre os elementos pessoais e profissionais do personagem – e aprecio especialmente o riso que ele dá ao voltar para seu hotel, no conforto de uma capital europeia, e abrir o chuveiro, sugerindo não só o prazer de poder tomar um banho decente como o reconhecimento do absurdo contido no fato de o chuveiro quente ser um “luxo” que os refugiados não têm.
Divididos pelo reconhecimento de que jamais farão diferença no grande esquema das coisas, mas sabendo que alteram radicalmente a vida daqueles que ajudam, Wren e Miguel são muito mais eficazes dramaticamente quando se debatem sobre dilemas como este do que quando sofrem por amor. E capazes de alterar o mundo ou não, ao menos representam bem tantos médicos que dedicam suas vidas no mínimo à tentativa de melhorar a sociedade, contrapondo-se a tantos outros que parecem mais interessados em defender seus interesses corporativos do que em honrar o juramento que prestaram ao se formar naquela que, quando exercida com humanidade, é a mais bela das profissões.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2016.
21 de Maio de 2016