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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
08/09/2016 26/08/2016 3 / 5 4 / 5
Distribuidora
Sony
Duração do filme
88 minuto(s)

O Homem nas Trevas
Don't Breathe

Dirigido por Fede Alvarez. Roteiro de Fede Alvarez e Rodo Sayagues. Com: Jane Levy, Dylan Minnette, Daniel Zovatto, Emma Bercovici, Katia Bokor, Franciska Töröcsik e Stephen Lang.

O Homem nas Trevas tem um roteiro que com muita generosidade poderia ser chamado de medíocre. Por sorte, tem também um diretor que o emprega como mero ponto de partida para realizar um exercício de gênero eficiente que, em seus melhores momentos, consegue levar o espectador a esquecer o absurdo daquilo que está vendo na tela.


Acompanhando três ladrões que invadem a casa de uma pessoa cega, o filme é uma espécie de versão moderna do ótimo Um Clarão nas Trevas, substituindo porém a doce e frágil personagem de Audrey Hepburn pelo ex-fuzileiro vivido por Stephan Lang (Avatar), que encarna o sujeito como um homem de físico imponente que parece ter perdido não só a visão, mas também alguns parafusos ao combater no Iraque – e não demora muito até que os jovens Alex (Minnette), Rocky (Levy) e Money (Zovatto) percebam ter tentado roubar a residência de Jason Voorhees. Com isso, o roteiro de Rodo Sayagues e do diretor uruguaio Fede Alvarez gradualmente salta do suspense inicial ao puro terror, abraçando até os tipos estúpidos que infelizmente se mostram frequentes neste tipo de produção e que tentam fugir dos vilões subindo escadas que os deixarão encurralados, atiram fora oportunidades óbvias de escapar e desperdiçam chances de imobilizar de vez os monstros que na primeira oportunidade devolverão o favor com um golpe fatal.

Seguindo as convenções do gênero inclusive ao adotar uma bela jovem como protagonista (porque a sugestão de violência sexual é vista por Hollywood como recurso narrativo, não como problema), O Homem nas Trevas não é obra de sutilezas, deixando claro desde o princípio quem “merece” morrer ou viver: se Alex demonstra certo critério moral e fidelidade para com o pai (embora não hesite em explorar sua empresa de segurança – provavelmente a pior do mundo – para arrombar casas), Money é um sujeito agressivo que vandaliza as residências de suas vítimas por pura diversão, ao passo que Rocky, mesmo manipulando o primeiro descaradamente por sabê-lo apaixonado, ao menos tem o nobre propósito de salvar a filha pequena (ou seria sua irmã?) das garras da mãe alcoólatra que é o pesadelo de qualquer assistente social.

Mais interessante, por outro lado, é a composição do Homem Cego – ou seria, caso o filme tivesse qualquer ambição de complexidade: se poderia projetar uma ambiguidade curiosa resultante do conflito entre suas ações violentas e a vulnerabilidade sugerida por sua deficiência visual, o ex-militar acaba sendo encarnado por Lang como um indivíduo de físico imponente, mas modos animalescos ressaltados por sua capacidade de farejar suas presas e pela composição vocal extrema, que transforma seus (poucos) diálogos em um som que parece estar saindo de um modulador quebrado. Por um lado, é comovente constatar como ele mantém fotos da filha pequena, morta em um atropelamento, espalhadas pela casa mesmo sendo incapaz de enxergá-las, como se extraísse conforto apenas por saber que o registro da garota se mantém ali (e o fato de um dos retratos estar de cabeça para baixo é ao mesmo tempo tocante e inquietante); por outro, qualquer possibilidade de identificação com sua dor é atirada fora pelas sombras que insistem em ocultar seu rosto, tornando-o sempre ameaçador, e por outras revelações feitas ao longo da projeção.

Mas se O Homem nas Trevas não é o desastre que poderia ser, isto se deve à condução eficaz de Alvarez, que já havia surpreendido na refilmagem de A Morte do Demônio, sua estreia na direção de longas e na qual já havia trabalhado com a boa atriz Jane Levy (Sam Raimi produziu os dois projetos, por sinal). Hábil ao estabelecer o espaço físico da casa que sediará a narrativa através de um plano-sequência que apropriadamente chama a atenção para si mesmo (o que nos faz reparar em cada detalhe do imóvel), o cineasta adota uma abordagem clássica na maneira como faz questão de plantar visualmente cada elemento que virá a utilizar posteriormente, de pequenos cacos de vidro a portas trancadas, passando por armas ocultas e pelo martelo na área de trabalho do vilão. Da mesma forma, Alvarez não hesita em buscar referências em outros títulos notáveis do gênero, como ao citar O Silêncio dos Inocentes na ótima cena em que os personagens se perdem em um porão completamente escurecido ou ao resgatar brevemente Cujo, substituindo Dee Wallace por Levy.

Inteligente ao escolher a miserável cidade de Detroit como palco da história, transformando suas vizinhanças abandonadas após a crise de 2008 em autênticos bairros-fantasma (se você acha que o longa exagera a realidade, sugiro o ótimo documentário Burn, de 2012), o diretor comanda com segurança o ritmo da narrativa, deixando o espectador tenso desde o ótimo plano inicial, que, mesmo entregando para onde tudo caminhará, funciona pela imagem impactante que cria. Em contrapartida, é um pouco difícil perdoar besteiras como a capacidade oscilante do vilão de ouvir ou farejar o que está ao seu redor: ele deixa de escutar janelas sendo quebradas, mas ouve a respiração de alguém em outro aposento; não percebe estar passando a centímetros de invasores suados e sujos, mas é atraído pelo chulé de um sapato; e por aí afora. Para completar, chega a divertir que ele consiga saber exatamente onde se encontra o rosto de alguém para socá-lo, mas demonstre uma falta de percepção espacial ridícula ao desfechar um golpe com uma tesoura de poda.

Tolo também em seu moralismo barato, que leva Rocky a comprovar sua decisão de mudar de vida ao dizer que fez uma tatuagem final (“foi a última vez que marquei meu corpo”) e ressalta a canalhice do Homem ao relacionar seu caráter à falta de crença (“não há nada que um homem não possa fazer ao aceitar que Deus não existe”), O Homem nas Trevas comprova que Fede Alvarez é mesmo um realizador talentoso.

Agora imaginem o que ele poderá fazer com um roteiro sólido e original.

14 de Setembro de 2016

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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