Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
29/09/2016 | 30/09/2016 | 4 / 5 | 2 / 5 |
Distribuidora | |||
Fox | |||
Duração do filme | |||
127 minuto(s) |
Dirigido por Tim Burton. Roteiro de Jane Goldman. Com: Asa Butterfield, Eva Green, Samuel L. Jackson, Rupert Everett, Allison Janney, Chris O’Dowd, Ella Purnell, Finlay MacMillan, Kim Dickens, Lauren McCrostie, Hayden Keeler-Stone, Georgia Pemberton, Milo Parker, Raffiella Chapman, Pixie Davies, O-Lan Jones, Judi Dench e Terence Stamp.
Tim Burton é um diretor que sabe que as crianças gostam de sentir medo. Sua especialidade, como comprovam alguns de seus melhores trabalhos, reside na combinação entre o fabulesco e o tenebroso, entre histórias fantasiosas que trazem personagens desajustados encontrando um espaço de conforto e a constatação de que este espaço frequentemente envolve uma natureza sombria. Os heróis burtonianos clássicos (Edward Mãos-de-Tesoura, Ed Wood, o Victor de A Noiva-Cadáver e mesmo o Bruce Wayne de Michael Keaton) são indivíduos condenados à solidão por suas dores, seus traumas e suas sensibilidades que só descobrem alguma paz quando abraçam justamente as características que o mundo insiste em condenar.
Neste aspecto, O Lar das Crianças Peculiares é o veículo perfeito para o cineasta, já que envolve um protagonista, Jake (Butterfield), que se vê à vontade com o velho avô Abe (Stamp) e as histórias que este conta, mas não com o próprio e desinteressado pai (O’Dowd) ou com os colegas de escola, que só sabem atormentá-lo. Assim, quando Abe morre em circunstâncias misteriosas, o rapaz perde seu único amparo emocional – até descobrir que há verdade por trás dos casos que passou a vida ouvindo sobre o orfanato comandado pela Srta. Peregrine (Green) e habitado por crianças com fantásticos poderes. Viajando até o lúgubre vilarejo de Blackpool para explorar o local, Jake finalmente se vê diante das criaturas que julgava fictícias e que, agora ameaçadas por monstros que querem lhe devorar os olhos, precisam desesperadamente de sua ajuda.
O arco dramático a ser percorrido pelo jovem herói, claro, logo se torna óbvio: fragilizado por anos de bullying e pela baixa autoestima, o garoto aos poucos perceberá a própria força, achará um lugar no qual é querido, etc e tal. Porém, se a jornada do personagem é mais-do-mesmo, isto é compensado pelo universo no qual esta ocorre – e até mesmo a inexpressividade de Asa Butterfield se revela apropriada ao permitir que o rapaz sirva como uma tela em branco na qual o espectador possa se projetar e, ainda mais importante, ao atuar como contraponto à natureza extrema de seus companheiros de aventuras.
Adaptado a partir do livro de Ransom Riggs (que não li), o roteiro da geralmente competente Jane Goldman (Stardust, Kick-Ass, Kingsman) explora com particular talento as habilidades dos “peculiares” do título, o que não é exatamente uma surpresa se lembrarmos que a roteirista escreveu X-Men: Primeira Classe e desenvolveu o argumento de Dias de um Futuro Esquecido. Desta forma, um dos prazeres de O Lar das Crianças Peculiares envolve a descoberta dos talentos de cada criança e a interação entre estas: há, por exemplo, o garoto invisível, a menininha com uma força descomunal, a adolescente que precisa usar sapatos de chumbo para não flutuar e os pequenos gêmeos cujos rostos sempre cobertos por uma máscara nos deixam curiosos acerca de sua aparência e de seus dotes até o clímax. No entanto, ainda mais interessante do que estes dons atípicos é a atmosfera sombria e melancólica construída por Tim Burton, que mantém o público sempre inquieto com relação ao que espera Jake – algo que o diretor sugere, por exemplo, através da hesitação das crianças em compartilhar o que sabem com o novo amigo ou de um sorriso que subitamente deixa o rosto da srta. Peregrine quando o rapaz lhe dá as costas.
O excelente design de produção, como não poderia deixar de ser em um projeto de Burton, contribui para isso: o vilarejo que parece ter parado no tempo está sempre encoberto por névoa, os figurinos evitam que os pequenos se tornem adoráveis (as meninas parecem usar variações dos vestidos das gêmeas de O Iluminado), o “esconderijo” de Emma (Purnell) é basicamente um navio-fantasma apodrecido e o orfanato parece simultaneamente aconchegante e misterioso com seus inúmeros cômodos e o vasto jardim que o cerca - com direito a “esculturas” que remetem a Edward Mãos-de-Tesoura. Enquanto isso, a fotografia se torna tão dessaturada em seus tons de cinza que chega a flertar de perto com o preto-e-branco ao ilustrar o mundo de Jake, ganhando vida apenas quando este conhece seus novos amigos. (Aliás, o 3D presta um imenso desserviço ao projeto, drenando tanto as cores que só descobri que o cabelo da srta. Peregrine era azul ao assistir ao trailer do longa antes de escrever este texto.)
Mas o mais notável na narrativa é comprovar a experiência do cineasta ao tornar seu filme macabro, mas mantendo sempre uma pontinha de leveza para evitar que os espectadores mais jovens fiquem excessivamente atemorizados – um equilíbrio que Burton já exibe desde o princípio ao criar créditos iniciais com um tom sinistro que imediatamente cedem lugar à imagem ensolarada de uma praia na Flórida. De maneira similar, a figura impactante de um personagem cujos olhos foram removidos é contrabalançada pela graça de vê-lo dizer “Sei que você me acha louco, mas a ave explicará tudo”. E não é à toa, tampouco, que Samuel L. Jackson, que aqui surge num visual apavorante como o vilão Barron, faça constantes piadas com seus alvos, usando o humor para fugir do grotesco absoluto.
Incluindo ainda homenagens mais do que apropriadas a Ray Harryhausen em dois momentos distintos, O Lar das Crianças Peculiares se perde um pouco em seu clímax ao render-se a sequências de ação burocráticas e a confrontos frágeis, mas ainda assim é suficientemente competente em seus dois primeiros atos para despertar a vontade de voltarmos a visitar seu universo, seus personagens e seus pequenos horrores.
29 de Setembro de 2016
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