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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
21/12/2016 10/11/2016 4 / 5 / 5
Distribuidora
Mares Filmes
Duração do filme
134 minuto(s)

Belos Sonhos
Fai bei sogni

Dirigido por Marco Bellocchio. Roteiro de Valia Santella, Edoardo Albinati e Marco Bellocchio. Com: Valerio Mastandrea, Bérénice Bejo, Barbara Ronchi, Guido Caprino, Fabrizio Gifuni, Dario Dal Pero, Nicolò Cabras e Emmanuelle Devos.

Tenha bons sonhos”, diz a mãe do pequeno Massimo (Cabras) ao colocá-lo para dormir, certa noite. Confortado por aquele carinho e pela presença daquela que o ama e protege, o garoto adormece tranquilo.


Ao acordar algumas horas depois, já se descobre órfão, embora não saiba ainda que a mãe cometeu suicídio. Anos mais tarde, ele já virou um correspondente de guerra, ganhou o rosto do ótimo ator Valerio Mastandrea e agora limpa o velho apartamento no qual morou durante a infância e que herdou após a morte do pai. Não demora muito para que notemos seus olhos tristes e as marcas deixadas pela perda precoce da mãe.

Dirigido pelo veterano italiano Marco Bellocchio, Tenha Bons Sonhos (tradução literal do título original, mas que acabou virando Belos Sonhos no Brasil) é um filme que reflete a nostalgia e a compreensão do cineasta de 77 anos sobre a efemeridade da vida e as cicatrizes que vamos colecionando ao longo dos anos. Econômico ao ilustrar o transtorno bipolar da mãe do protagonista (Barbara Ronchi, comovente) através da simples contraposição da dança com o filho na primeira cena da projeção e sua postura prostrada minutos depois, Bellocchio também desenvolve com cuidado a relação entre Massimo e o pai, que, naturalmente mais distante e frio, se afasta de vez após a morte da esposa.

Refletindo em sua perigosa profissão um desejo possivelmente inconsciente de suicídio, Massimo parece incapaz de se desvencilhar das imagens de sua infância e da incompreensão acerca do que houve na noite que alterou irremediavelmente sua vida, chegando a soar como pura negação sua insistência em acreditar que se tratou de um ataque cardíaco fulminante. Da mesma maneira, é interessante notar como, durante certo período, ele encontra no futebol uma válvula de escape – e o processo que leva a este encontro é retratado de forma tão orgânica pelo filme que se torna fácil perceber por que o esporte acaba desempenhando papel tão essencial na vida de tantos (mesmo que, como eu, você não tenha uma proximidade particular com este).

Remetendo à lógica narrativa de Alain Resnais em Meu Tio da América (eu ficaria surpreso caso esta referência não seja proposital), Bellocchio permite que compreendamos os impulsos destrutivos de Massimo em vários pontos de sua trajetória ao incluir, antes de certas atitudes tomadas pelo personagem, planos rápidos de um programa de tevê que via na infância e que aterrorizava sua mãe, transformando a figura do personagem sombrio que o estrelava numa explicação quase abstrata dos efeitos das perdas sofridas.

Montado com brilhantismo por Francesca Calvelli, que cria uma estrutura cronologicamente fluida, Tenha Bons Sonhos usa a recorrência dos flashbacks como um modo inteligente e eficaz de ilustrar, através da natureza inesperada de suas aparições, como nossas memórias frequentemente se mostram tão determinantes quando o que vivemos no presente, moldando nossas personalidades, alterando expectativas e – no pior dos casos – limitando nossa capacidade de sonhar com um futuro que compense um pouco as dores do passado.

21 de Maio de 2016

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2016.

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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