Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
02/02/2017 | 25/12/2016 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Fox | |||
Duração do filme | |||
127 minuto(s) |
Dirigido por Theodore Melfi. Roteiro de Allison Schroeder e Theodore Melfi. Com: Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Jim Parsons, Mahershala Ali, Glen Powell, Aldis Hodge, Kimberly Quinn, Olek Krupa, Kirsten Dunst e Kevin Costner.
Não é “vitimismo” apontar e denunciar injustiças presentes e históricas. Vitimismo é alguém que conta com todos os privilégios do mundo reclamar quando quem tem pouco consegue algo. É alguém que vê personagens de sua raça, credo, gênero e orientação sexual protagonizando 90% dos filmes produzidos por Hollywood e ainda protesta quando vê minorias estrelando o restante das modestas produções que se arriscam a contar histórias que fujam do padrão. Vitimismo é, enfim, se mostrar irritado porque três mulheres negras que, seguindo desconhecidas mesmo contribuindo para um dos grandes feitos da Humanidade, finalmente ganharam um pouco de reconhecimento.
É claro que valores políticos, históricos e/ou sociais não são o bastante para “desculpar” filmes ruins – e quem leu meus textos sobre Histórias Cruzadas ou A Garota Dinamarquesa, por exemplo, sabe que não costumo ignorar problemas em um trabalho apenas por achar que sua mensagem é, no fundo, bem intencionada. Felizmente, Estrelas Além do Tempo não é um destes casos frustrantes; embora conte com sua parcela de problemas (que discutirei abaixo), esta obra resiste às tentações da condescendência, evitando o erro – tão comum – de enxergar os problemas enfrentados por minorias como uma oportunidade para ressaltar a magnitude dos homens brancos (ou de Emma Stone) que as salvam de si mesmas.
Adaptado do livro de Margot Lee Shetterly pelo diretor Theodore Melfi e por Allison Schroeder, o roteiro ambientado no início da década de 60 acompanha Katherine Johnson (Henson), Dorothy Vaughan (Spencer) e Mary Jackson (Monáe), três matemáticas que, trabalhando no departamento de computação da NASA (mais especificamente em seu setor para negros), se esforçam para ganhar espaço em um meio dominado por – como de hábito – homens brancos. Enquanto Katherine é escalada para verificar os cálculos da equipe de Al Harrison (Costner), que comanda a corrida espacial, Dorothy se dedica a compreender o funcionamento dos novíssimos computadores IBM comprados pela agência, ao passo que Mary enfrenta as leis de segregação para realizar cursos que lhe permitam se candidatar a uma vaga como engenheira.
Prejudicado pela trilha sonora óbvia de Hans Zimmer (que ultimamente parece manter a média de três atrocidades para cada bom trabalho), o longa tem um primeiro ato trôpego: já de cara, as heroínas são confrontadas por um policial caricatural cujos racismo e misoginia são superados apenas por seu ódio aos comunistas – o que beneficia as mulheres, que, afinal, estão ajudando a NASA a derrotar os russos. A partir daí, o roteiro exagera nos diálogos expositivos (“Eu também sinto falta do pai de vocês”, diz Katherine para as filhas, o que leva uma destas a responder “Ele está com os anjos”) e irrita ao fazer questão de introduzir um racista particular para antagonizar cada uma das três personagens principais (na verdade, Kirsten Dunst cumpre jornada dupla, enquanto Sheldon Coop... Jim Parsons ocupa a terceira posição) – e confesso que, durante aqueles 25 primeiros atrozes minutos, temi estar diante de uma catástrofe.
E é então que, com a base da história estabelecida e os personagens apresentados, o filme se torna gradualmente mais seguro e coeso. Correto ao expor o racismo ostensivo que dominava a sociedade norte-americana, com seus banheiros, bebedouros e bancos de ônibus segregados, o diretor Theodore Melfi se mostra inteligente ao retratar o preconceito de indivíduos de forma mais sutil: não que não existissem (ou existam) racistas aos montes, mas condená-los é fácil; mais complexo é reconhecer o racismo casual, quase automático, de pessoas que certamente protestariam caso acusadas de preconceito. Assim, em vez dos supremacistas brancos de Mississippi em Chamas e suas cruzes flamejantes, temos uma supervisora que pede que sua subalterna negra “não a embarace”, promoções que parecem estar sempre fora do alcance de funcionários negros e um chefe que, “cego” para diferenças raciais, é também incapaz de enxergar os obstáculos enfrentados por uma das melhores integrantes de sua equipe. Este último, por sinal, serve como uma ilustração perfeita do tipo de injustiça que muitos de nós cometemos no cotidiano: vivido com sensibilidade por Kevin Costner, Al Harrison é um homem que, se preocupando apenas com a competência de seus cientistas, de repente se vê surpreso ao perceber que não fazia a menor ideia da realidade de Katherine, o que o levava a tratá-la de forma desigual não por maldade, mas por inação. E o melhor: quando finalmente toma uma atitude para minimizar a perversão do racismo, ele não o faz para assumir o protagonismo da luta, mas por ser empurrado pela iniciativa da heroína em protestar (e em nenhum momento as três mulheres deixam de lutar por si mesmas, é importante ressaltar).
Como Katherine, aliás, Taraji P. Henson tem a oportunidade de protagonizar a melhor cena de sua carreira ao finalmente explodir depois de acumular uma série de pequenas humilhações, enquanto Octavia Spencer (que detestei em Histórias Cruzadas e admirei em Fruitvale Station) oferece uma performance contida que extrai força precisamente do esforço que sua personagem faz para não reagir aos abusos cotidianos. E se Janelle Monáe encarna Mary Jackson com uma vivacidade e um bom humor que não sacrificam o peso do que vive, Mahershala Ali traz calor à narrativa ao dividir com Henson uma subtrama romântica cujo sentimentalismo funciona de modo surpreendente.
O diretor Theodore Melfi, por sua vez, merece créditos por evocar a pressão experimentada pelo trio principal em momentos como aquele no qual vemos Katherine encostada na parede, ao fim de um corredor que parece espremê-la, ou ao estabelecer um paralelo relevante com as marchas promovidas por Martin Luther King e outros líderes negros quando Dorothy conduz suas subalternas em uma caminhada rumo ao novo departamento no qual trabalharão. Além disso, é comovente apreciar a sutileza de instantes como aquele no qual o militar vivido por Ali vai jantar na casa de Katherine e ocupa uma cadeira ao seu lado na mesa, deixando vaga aquela que se encontra na cabeceira e era obviamente utilizada pelo falecido marido da namorada – o que já é o bastante para que saibamos estar diante de um homem sensível e atencioso.
Ok, cenas como a que trazem as amigas dançando são dispensáveis e a cronologia da narrativa é constantemente confusa (eventos que deveriam durar meses parecem se passar em apenas algumas semanas), mas estes tropeços são pontuais e não comprometem de fato a obra. Por outro lado, confesso não saber como me sentir diante da rima visual que, em dois momentos da projeção, traz um giz branco sendo passado de uma mão para outra – primeiro, de um professor negro a uma Katherine ainda criança; depois, de Al para a Katherine já adulta. Sim, a intenção de Melfi é patente, mas é difícil não enxergar uma certa condescendência masculina e racial na ideia, como se as conquistas da personagem precisassem ser reconhecidas/autorizadas por homens, brancos ou não.
De todo modo, Estrelas Além do Tempo é um filme que reconhece e retrata com propriedade como a jornada percorrida por integrantes de minorias é sempre mais árdua e difícil, já que competência é algo que só pode ser demonstrado se houver oportunidade – e, como Mary diz em certo momento, “toda vez que temos a chance de avançar, eles mudam a posição da linha de chegada”.
E esta, afinal, é a questão central, não é mesmo? É natural que, como sociedade, herdemos o preconceito e a ignorância das gerações anteriores, mas isto não nos obriga a mantê-los e passá-los para as gerações posteriores; a marca de um povo que aprende com os erros do passado reside em seu esforço para lá deixá-los. Outro dia, li no Twitter a celebração de uma ex-jogadora de vôlei diante da indicação de um conservador para o Supremo Tribunal dos Estados Unidos, quando empregou o termo “progressista” como um insulto. Pois insulto é seguirmos parados no tempo, sem nos importar com aqueles que deixamos para trás em função das estruturas de desigualdade construídas por nossos antepassados.
E protestar contra estas não é questão de vitimismo, mas de justiça.
3 de Fevereiro de 2017
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