Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
28/09/2017 | 01/01/1970 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Vitrine Filmes | |||
Duração do filme | |||
108 minuto(s) |
Dirigido por Júlia Murat. Roteiro de Júlia Murat e Matias Mariani. Com: Raquel Karro, Rodrigo Bolzan, Valeria Barretta, Renato Linhares, Neto Machado, Martina Revollo, Felipe Rocha, Larissa Siqueira e Marcio Vito.
Há pouco mais de cinco anos, quando escrevi sobre o trabalho de estreia de Júlia Murat, o lindo Histórias que Só Existem Quando Lembradas, encerrei o texto dizendo que aquela era uma jovem artista a ser observada. Pois se seu segundo longa demorou todo este tempo para surgir, ao menos não me desmentiu: Murat é um talento inquestionável.
Co-escrito ao lado de Matias Mariani, Pendular é uma obra complexa, madura, tematicamente rica e que convida o espectador a interpretá-la, não fazendo quaisquer concessões que comprometam sua proposta de estudar, com paciência e de forma contemplativa (uma palavra que usei também para descrever seu primeiro filme), a relação entre o casal de artistas (Karro e Bolzan) que, morando num loft no qual criam suas obras (Ela é dançarina; Ele, escultor), divide o espaço com uma fita crepe laranja para que cada um tenha sua área de trabalho – e não demora muito para que Ele comece a ultrapassar a fronteira com suas obras gigantescas.
Dedicando-se a estudar o processo criativo do casal e, indiretamente, também a análise que sua Arte motiva - em seu círculo de amigos há um crítico (Vito) -, Pendular se concentra especialmente nEla, que, além da pressão que se impõe para criar seu novo espetáculo, ainda deve lidar com o desejo do parceiro de ter um filho. Aberta a explorar o espaço ao seu redor e tudo que nele se encontra para se estimular como criadora, Ela cria uma coreografia improvisada com duas cadeiras (um momento mágico do longa, quando vemos pela primeira vez o resultado de sua lógica como artista) e, ao retomar a parceria com um antigo colega (Machado), passa a conceber movimentos que jogam com o equilíbrio alcançado apenas através do corpo do outro, às vezes servindo de apoio para e às vezes se atirando sobre o companheiro de dança, num jogo de colaboração e “confronto” que reflete sua própria relação com o namorado.
Esta dicotomia encontra eco também no hábito que Ele tem de jogar videogames através da Internet com um adolescente (suponho que seja um adolescente, pois só ouvimos sua voz), que em algumas ocasiões têm uma lógica colaborativa e, em outras, de luta (e há também um instante no qual o garoto apenas assiste ao amigo que joga à distância enquanto o auxilia com dicas). Não é à toa, aliás, que logo no início da projeção Ele ensina a Ela um “jogo” que criou na infância, usando o vidro embaçado do box do chuveiro para tentar desenhar três círculos ao mesmo tempo, com os dedos, sem deixar que as figuras se toquem - objetivo no qual Ele sempre falha, o que é revelador: assim como seus círculos sempre invadem os espaços uns dos outros, Ele invade o dEla.
Além disso, é instigante notar como Pendular retrata a tensão constante entre a Arte e o artista, cujo impulso natural de se expressar por vezes acaba sendo um fim em si mesmo, não tendo outra razão ou lógica a não ser a de comunicar sua própria necessidade de existir. Portanto, quando o escultor confessa para o amigo crítico que “não tem a mais pálida ideia do que está fazendo”, o que está em discussão é o próprio conceito de Arte – e não é preciso um esforço muito grande de imaginação, por exemplo, para antecipar a reação contrariada de alguns espectadores diante das várias cenas de sexo do filme e que, particularmente, considero como extensões naturais das danças que o longa enfoca. Em ambos os casos, Murat emprega o entrelaçar dos corpos como um elemento narrativo para traduzir sentimentos e embates, demonstrando o prazer que os envolvidos extraem um do outro e que num caso é estético e, no outro, sensorial.
Seja como for, no entanto, o que Pendular demonstra bem é que a obra nasce mesmo que o próprio artista não tenha plena consciência de onde ela veio (assim como a dançarina segue um cabo de aço a partir de seu ponto final para tentar descobrir sua origem). Em certo momento, por exemplo, depois de um instante de tensão com o namorado, Ela surge chorando e, de repente, se levanta e inicia uma coreografia com o parceiro de dança que, usando uma camisa da mesma cor daquela que o escultor usara, possivelmente o representa. Com isso, o que era dor se transforma em Arte que, então, se transforma em emoção ao atingir o espectador.
E é então que eu, como crítico, experimento esta emoção e a levo para uma etapa final ao (tentar) transformá-la em palavras.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Berlim 2017.
13 de Fevereiro de 2017
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