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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
31/08/2017 01/01/1970 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Imovision
Duração do filme
102 minuto(s)

Como Nossos Pais
Como Nossos Pais

Dirigido por Laís Bodanzky. Roteiro de Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi. Com: Maria Ribeiro, Clarisse Abujamra, Paulo Vilhena, Felipe Rocha, Herson Capri, Sophia Valverde, Annalara Prates e Jorge Mautner.

Laís Bodanzky é uma cineasta de poucos e ótimos filmes. Desde sua estreia em 2000 com Bicho de Sete Cabeças, ela realizou os igualmente tocantes Chega de Saudade e As Melhores Coisas do Mundo, além de colaborar com um dos segmentos de Mundo Invisível (que não vi). Pois este seu novo trabalho, Como Nossos Pais, tem belíssimos momentos que fazem jus aos seus antecessores, o que é uma boa notícia; a má é que para cada dois ou três deles há também ao menos um tropeço inexplicável.


Mais uma vez co-escrevendo o roteiro ao lado do marido e parceiro Luiz Bolognesi, a diretora aqui acompanha Rosa (Ribeiro), que, mãe de duas filhas, é praticamente forçada a criar as crianças sozinha enquanto ainda se responsabiliza pela manutenção financeira da família através de um emprego que detesta, já que seu marido, Dado (Vilhena), passa a maior parte do tempo viajando para atuar na defesa de tribos indígenas ameaçadas pela exploração de madeira no Amazonas. Certo dia, durante mais um almoço repleto de hostilidade na casa da mãe, Clarice (Abujamra), Rosa ouve uma revelação que serve como a gota d’água em seu cotidiano já exaustivo, atirando-a numa crise que a fará questionar o casamento, o emprego e seu próprio papel como mulher na sociedade.

Aliás, se há um ponto inquestionavelmente eficiente em Como Nossos Pais é a habilidade dos roteiristas em retratar a dinâmica de um relacionamento longo como aquele entre Rosa e Dado – e, principalmente, seus problemas. É típica, por exemplo, a atitude do sujeito ao retornar de mais uma viagem e fazer o papel do pai que só brinca com as filhas, deixando a função (antipática e necessária) de disciplinadora para a esposa, chegando mesmo a questionar sua autoridade diante das crianças. Da mesma maneira, há uma autenticidade palpável na forma como os dois discutem e na impaciência que toma conta da protagonista ao ouvir um “Você tem alguma coisa mais a dizer?”, quando responde apenas com um “Não” seco e acompanhado por um olhar que indica que sim, tinha muitas.

Bodanzky é habilidosa, também, ao construir a tensão crescente sob a qual vive Rosa, mantendo ainda um controle notável sobre a narrativa no que diz respeito à apresentação e às relações entre os vários personagens, já que todos ficam fortemente registrados junto ao público. Além disso, é admirável como o longa evoca as memórias afetivas que aquela mulher nutre em relação ao pai, Homero (Mautner), ao incluir breves planos que, fotografados em tons mais quentes, trazem uma atmosfera agradável que falta ao restante da vida atual da personagem.

Basicamente carregando o filme nas costas com uma performance irretocável, Maria Ribeiro jamais toma decisões óbvias ao retratar as dúvidas, inseguranças, mágoas e tentações de Rosa, conferindo vulnerabilidade aos instantes em que ela se mostra forte e força àqueles em que ela surge vulnerável, criando, com isso, uma mulher multifacetada e fascinante – e duvido que surjam muitas atuações (femininas ou masculinas) melhores do que esta ao longo de 2017. Mas créditos também devem ser atribuídos a Paulo Vilhena, claro, que evita transformar Dado em um antagonista, ilustrando seu egoísmo evidente, mas também seu carinho pela família e a preocupação com a esposa (e depois de ser surpreendido tantas vezes por Vilhena – incluam aí também Entre Nós -, creio que passou do momento de parar de me surpreender e aceitar o fato de que ele é um bom ator). E se Clarisse Abujamra interpreta uma personagem que deve se equilibrar entre a hostilidade e o amor pela filha, Jorge Mautner vive Homero como um sujeito tão pacífico e doce que, em certos momentos, cheguei a me perguntar se o personagem tinha algum problema psiquiátrico. Aliás, eu poderia elogiar aqui todo o elenco, que se mostra incrivelmente coeso - com exceção de Herson Capri, que, em sua breve participação, soa artificial e inverossímil.

Em defesa do ator, porém, é importante notar que seu Roberto Natham (sim, com nome e sobrenome, como numa novela mexicana) é o único papel realmente mal concebido e desenvolvido pelos roteiristas, representando um daqueles erros colossais que citei há pouco: por que diabos o roteiro, num período politicamente tão conturbado como o que vivemos no Brasil, sentiu a necessidade de apresentá-lo como Chefe da Casa Civil? Será que Bodanzky e Bolognesi não perceberam que, com isso, traziam um componente político desnecessário ao longa, levando o espectador a fazer inferências particulares de acordo com seus sentimentos em relação ao governo do qual ele faz parte? (Em um breve plano-detalhe, é possível perceber que ele é membro da administração de Dilma Rousseff, mas, mesmo que o público não note isto, suas possíveis afiliações certamente trazem conotações particulares que em nada acrescentam à narrativa.) Para tornar tudo ainda mais lamentável, a conversa que o sujeito mantém com Rosa soa tão artificial que toda a sequência parece ter saído de um filme completamente diferente. De modo similar, de onde surge o tal Pedro (Rocha), que num instante parece um conhecido de Rosa e, na cena seguinte, já aparece ao seu lado dentro de um carro mantendo uma conversa com tons intimistas e mesmo sexuais?

São passagens como estas, que mais parecem ideias malformadas de um primeiro tratamento do roteiro, que eventualmente comprometem Como Nossos Pais. Estou certo, por exemplo, de que Bolognesi e Bodanzki devem ter se empolgado quando imaginaram a cena na qual Rosa, num ato falho, troca a palavra “fantoches” e pede que as filhas não brinquem com os “fantasmas” de seu pai, mas trata-se de um artifício dramático tão óbvio (isto para não mencionar sua psicologia rasa) que chega a surpreender que tenha chegado até o corte final do longa. Além disso, a diretora tropeça em alguns elementos de mise-en-scène quase imperdoáveis para alguém com seu talento, bastando observarmos a inacreditável cena na qual Rosa e Pedro mantêm uma conversa incrivelmente íntima em um supermercado diante da moça que serve amostras de vinho em um estande (a figurante fica fora de campo, mas torna-se claro que ela está a centímetros dos dois). E quem é que ferve leite hoje em dia a não ser personagens de um filme que vão deixá-lo derramar para que percebamos como estão sobrecarregados de tarefas?

Tornando-se consideravelmente cansativo a partir do terceiro ato, quando já passamos os últimos 80 minutos assistindo a cenas que parecem trazer apenas Rosa discutindo com o mundo (sim, ela parece brigar durante quase todo o filme), Como Nossos Pais demonstra entender tão mal o tom de sua própria narrativa que, em certo momento, ao enfocar Rosa questionando se o marido a trai, a obra parece investir em um piada quando sua filha a informa de que há um homem chamando-a ao telefone – quando, então, descobrimos se tratar na verdade de uma chamada de cunho dramático que corta imediatamente a promessa de humor enquanto compromete também a possibilidade de impacto que a notícia poderia provocar.

Mas é aí que, quando estamos prestes a desistir do longa, surge uma cena fantástica como a que traz Rosa e a mãe conversando no carro – e retomamos a esperança de que o filme se reencontre. O que ele faz quase com a mesma frequência com que se perde.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Berlim 2017.

11 de Fevereiro de 2017

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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