Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/01/1970 | 04/10/2017 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
107 minuto(s) |
Dirigido e roteirizado por Michael Haneke. Com: Isabelle Huppert, Jean-Louis Trintignant, Mathieu Kassovitz, Fantine Harduin, Franz Rogowski, Laura Verlinden, Aurélia Petit, Toby Jones.
Michael Haneke é um cineasta que tem um prazer especial em torturar seu público, seja ao se negar a seguir as expectativas que ele mesmo gera (como na cena do controle remoto em Violência Gratuita), ao criar sequências em que nos obriga a testemunhar a crueldade com a qual seus personagens são capazes de agir (A Fita Branca), ao criar um mistério e só oferecer uma pista importante nos créditos finais (Caché) ou ao retratar com dolorosa secura as indignidades da velhice (Amour). Aliás, eu poderia citar basicamente toda a filmografia do austríaco como exemplos de seu dom para o sadismo, mas ele me poupa deste trabalho ao criar um “melhores (piores?) momentos” em seu novo filme, Happy End (e é claro que o título é irônico).
Escrito pelo próprio diretor, o roteiro gira em torno dos membros da rica família Laurent, cujo patriarca, Georges (Trintignant), perdeu o interesse em viver desde a morte de sua esposa e passou o controle dos negócios do clã para a filha Anne (Huppert) – que, por sua vez, tenta incutir no filho Pierre (Rogowski) a disciplina necessária para vir a substitui-la, mas sem sucesso. Enquanto isso, o irmão de Anne, o médico Thomas (Kassovitz), é obrigado a assumir a guarda de Eve (Harduin), filha de seu primeiro casamento, desde que sua ex-esposa entrou em coma após o que parece ter sido uma tentativa de suicídio.
Habilidoso ao amarrar todas estas subtramas e ao apresentar os personagens e as relações entre estes, Haneke cria um universo povoado por figuras que, embora materialmente abastadas, parecem viver dominadas pela tristeza e pela insatisfação. Mas, mais do que isso, aqueles personagens são vitimados pela própria incapacidade de comunicação, algo que o cineasta ressalta com ironia ao frequentemente trazê-los trocando e-mails, conversando por janelas de chat em redes sociais ou enviando mensagens pelo celular – e o que Happy End salienta, com isso, é o contraste entre os meios cada vez mais abundantes de contato entre as pessoas e o fato de que, como resultado paradoxal, estas se tornam cada vez mais isoladas (e um dos melhores planos do longa é aquele em que, depois de lermos as mensagens intensamente eróticas enviadas e recebidas pela amante de Thomas, finalmente a vemos no escuro e encolhida sobre a cama, num canto do quarto).
Do mesmo modo, é estimulante testemunhar um veterano como Haneke adotando recursos contemporâneos de linguagem, como ao usar, como câmera subjetiva, uma tela de celular fazendo streaming ao vivo (com direito a comentários publicados sobre a imagem) ou ao criar um vídeo de youtuber. Em contrapartida, não há como negar que vários destes recursos (bem como o plano que traz o registro de uma câmera de segurança) soam reciclados de trabalhos anteriores do diretor (e, de novo, Caché vem imediatamente à mente), o que tira um pouco de seu frescor.
Seja como for, é impossível não reconhecer o controle que o realizador tem sobre a narrativa, seja ao investir em seus longos planos nos quais a câmera só se movimenta ancorada aos personagens, seja ao incluir elipses surpreendentes que subitamente revelam como incidentes importantes ocorreram sem que os víssemos (e que 99,9% dos diretores explorariam sem hesitar). Além disso, o humor de Haneke, mesmo que pontual, é eficaz pelo estranhamento que provoca, surgindo aqui, por exemplo, em uma cena na qual Pierre, cheio de energia e frustração, canta em um karaokê.
No entanto, nem mesmo a segurança técnica do cineasta consegue contornar o vazio de seu roteiro, que, ao se concentrar nos problemas de uma família europeia branca e rica, traz tramas que poderiam ter saído de uma novela de Manoel Carlos, pecando ainda por comentar de forma superficial e tola a situação dos imigrantes no continente.
Longe de ser um dos melhores esforços de Michael Haneke, Happy End ainda assim segue a linha autoral do cineasta, que aqui traz, como a maior perversão dos personagens, sua solidão autoimposta.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2017.
22 de Maio de 2017