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Críticas por Pablo Villaça

120 Batimentos por Minuto
120 battements par minute

Dirigido por Robin Campillo. Roteiro de Robin Campillo e Philippe Mangeot. Com: Nahuel Pérez Biscayart, Arnaud Valois, Adèle Haenel, Antoine Reinartz, Félix Maritaud, Aloïse Sauvage, Médhi Touré, Simon Bourgade, Catherine Vinatier, Saadia Bentaïeb, Ariel Borenstein, Théophile Ray, Simon Guélat, Jean-François Auguste e Coralie Russier.

Durante o auge da epidemia de AIDS, nas décadas de 80 e 90, a síndrome era discutida publicamente (quando era) quase aos sussurros, como se o simples fato de mencioná-la ameaçasse os interlocutores. Como a questão envolvia também outro assunto que, por moralismo tolo, é abordado como um tabu igualmente constrangedor ainda hoje (sexo), o resultado era a desinformação quase completa por parte da maior parte da população, que via as vítimas do vírus HIV como um risco à própria sociedade, acreditando, do mesmo modo, que ser gay era uma condição quase obrigatória para contraí-lo. Para piorar, governos como os de Reagan, Thatcher e Mitterrand agiam com negligência e preconceito criminosos, dificultando pesquisas e, principalmente, a realização de campanhas informativas e de prevenção.


Foi neste contexto hostil que surgiu a ACT UP, uma organização não-governamental que, liderada principalmente por ativistas homossexuais, deu início a uma série de protestos públicos que visavam atrair a atenção do mundo para todas estas questões – e a história do grupo gerou, apenas em 2012, dois documentários: ACT UP! (de Scott Robbe) e Unidos pela Raiva (de Jim Hubbard). Agora, na 70a. edição do Festival de Cannes, o roteirista, montador e diretor marroquino (mas radicado na França) Robin Campillo lança uma versão ficcionalizada envolvendo a filial parisiense da ONG e, em vez de investir numa trama específica, opta por retratar o coletivo se preparando e realizando ações pontuais, bem como as preocupações, debates e relações envolvendo seus integrantes.

É formidável, aliás, como o cineasta consegue conferir urgência a cenas que envolvem basicamente discussões sobre estratégias e pormenores de protestos específicos, trazendo peso dramático, por exemplo, para um confronto (verbal, mesmo que apaixonado) acerca do grau de hostilidade que as ações deveriam projetar. De forma similar, Campillo ilustra como os mesmos ativistas que num momento atiravam balões contendo sangue falso no rosto de um executivo de uma grande empresa farmacêutica podiam ser parte fundamental, em outro momento, dos planejamentos de estudos e testes clínicos, já que contavam com uma experiência que os cientistas não possuíam: a de saber como era o cotidiano de um paciente sob o efeito devastador das drogas de primeira geração criadas para combater a AIDS.

O mais admirável, contudo, é notar como o realizador compreende a complexidade do funcionamento de um grupo como o ACT UP, que, além de lidar com questões espinhosas, se tornava ainda mais complicado por ter o dever de representar subgrupos tão distintos – como fica claro, por exemplo, no instante em que uma transexual aponta como os protocolos de pesquisa das drogas não levavam em consideração a interação entre o AZT e a terapia hormonal envolvida no processo de transição de gênero (e, da mesma forma, Campillo inclui um ativista surdo que exige a presença de uma tradutora de libras para se comunicar com os companheiros).

Mas, ao contrário do que pode parecer a partir da discussão acima, 120 Batimentos por Minuto não é um filme deprimente: sim, ele lida com um tema pesado e o encara com seriedade, mas sua inteligência reside em compreender que aqueles personagens não são “apenas” ativistas, mas seres humanos com outros interesses e que gostam de se divertir, viver e amar (caso contrário, qual o propósito da luta?). Assim, não são poucos os momentos de humor da narrativa, já que os homens e mulheres retratados na obra são capazes até mesmo de rir da própria situação – como no instante em que Sean (vivido pelo argentino Nahuel Pérez Biscayart, grande destaque do filme) recita um monólogo melancólico apenas para fazer graça da solenidade que ele mesmo empregara.

Ao mesmo tempo, o longa evoca a urgência experimentada pelos ativistas, já que, com muitos deles infectados pelo vírus, o tempo é um fator fundamental para todos – e é comovente constatar como boa parte daqueles personagens sabe que os resultados de sua luta provavelmente beneficiarão outros e que eles mesmos não viverão para colher os frutos. Não menos frustrante é constatar como as corporações da indústria farmacêutica atrasavam a divulgação de resultados de testes e pesquisas para evitarem perder a vantagem na competição pelo mercado de medicamentos voltados para a síndrome.

Enquanto isso, 120 Batimentos por Minuto merece aplausos, também, por não se render à covardia de retratar seus personagens gays como seres assexuados, algo tão comum em produções norte-americanas: aqui, eles se entregam ao sexo e ao prazer – e a narrativa inclui uma cena particularmente bela na qual um namorado masturba o outro, que se encontra preso a uma cama de hospital, num ato com conotação menos sexual e mais de puro consolo.

Estabelecendo com clareza as personalidades das figuras centrais do longa, 120 Batimentos solidifica Robin Campillo como um cineasta de visão instigante e criativa, merecendo destaque o momento em que enfoca seu elenco dançando animadamente e, num rack focus, traz a poeira em suspensão iluminada por um holofote, transformando estas partículas em células sendo invadidas pelo vírus HIV e ressaltando o ataque mortal que ocorre nas veias dos personagens enquanto tentam extrair alguma alegria de seus difíceis cotidianos.

Contando ainda com um epílogo doloroso, mas necessário em sua observação do luto, esta produção já figura entre as melhores desta edição do festival – e eu não ficarei surpreso caso ela venha a se manter presente nas premiações do próximo ano.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2017.

21 de Maio de 2017

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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