Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/01/1970 | 21/10/2014 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
97 minuto(s) |
Dirigido por Bing Wang.
Contexto é fundamental. Há filmes que, por uma razão ou outra, funcionam melhor ou pior dependendo de circunstâncias que normalmente consideraríamos irrelevantes – como, por exemplo, a altura relativa da tela de projeção. No entanto, este foi justamente um dos fatores mais importantes em minha apreciação de Pai e Filhos.
Mas me adianto.
Dirigido pelo chinês Wang Bing, do ótimo Três Irmãs (que, se comparado a este trabalho, tem um ritmo digno de Michael Bay), Pai e Filhos traz apenas cerca de 15 planos ao longo de seus 87 minutos de duração – e isto contando as rápidas fusões usadas para quebrar tomadas que teriam continuado indefinidamente (o que traz seu “ASL”, ou average shot lenght, para algo em torno de 5,8 minutos por plano). Mantendo sua câmera praticamente o tempo inteiro na mesma posição, Bing volta seu olhar (e o nosso) para o cotidiano de uma pequena família que ocupa um microbarracão sujo, mofado, abarrotado e que abriga dois adolescentes e seu pai, operário de uma pedreira localizada em uma pequena cidade.
Impedido pelos patrões do sujeito de continuar as filmagens (algo que o cineasta explica em um letreiro ao final da projeção), Bing decidiu empregar o material que já havia rodado para criar uma videoinstalação que, por sua vez, foi adaptada para o formato de longa, trazendo longas imagens estáticas que, na maior parte do tempo, trazem um dos adolescentes deitado no velho colchão (sustentado por blocos de concreto) enquanto se divide entre ver televisão e mexer no celular – e, em certo momento, chegamos mesmo a testemunhar o dia chegando ao fim à medida que o barracão mergulha na escuridão lentamente.
Mas qual o propósito do diretor, afinal? Simplesmente protestar contra a proibição dos administradores da pedreira? Claro que não. Ao manter na tela a imagem sufocante e deprimente daquele espaço minúsculo ocupado por três seres humanos (e seus três cães!), Pai e Filhos praticamente obriga o espectador a encarar aquela realidade: se inicialmente podemos experimentar tédio e inquietude diante da experiência, há um momento no qual temos que tomar a decisão de sair do cinema ou tentar absorver o que vemos – e a segunda opção, embora a mais difícil, acaba trazendo suas recompensas mesmo que estas envolvam uma tristeza contundente.
Pois o fato é que a partir do instante em que decidimos ver o que está na tela, a pavorosa realidade daquelas pessoas se torna inegável, deixando de ser um artefato de representação cinematográfica (ou seja: apenas algo numa tela) e se convertendo em um portal de empatia. Aos poucos, os detalhes daquelas vidas começam a saltar: o buraco no chão, as sacolas penduradas que servem como prateleiras/gavetas, a solidão representada pelos únicos sons presentes (a tevê, o celular e o vento) e uma pequena térmica que o adolescente leva à boca em certo instante, fazendo-nos perceber que ela esteve ali, no chão, aberta, suja e exposta o dia inteiro.
O que me traz ao que discuti no início deste texto: a altura relativa da tela da sala Humberto Mauro, na qual assisti ao filme. Localizada bem próxima ao chão e exibindo dimensões modestas, a tela provocava a sensação não de estarmos vendo um filme projetado numa superfície plana, mas de uma porta (ou janela, como diria André Bazin) escancarada para o interior do barracão – e, neste aspecto, a experiência provavelmente fazia jus ao efeito que Wang Bing buscava na videoinstalação original.
A diferença, claro, é que numa videoinstalação o espectador pode simplesmente parar de observar certa cena e caminhar até outra projeção, ao passo que, no cinema, estamos limitados ao que o realizador quer nos mostrar pelo tempo que ele julgar necessário. O que, na prática, representa prender o espectador àquela realidade.
Exatamente como seus condenados personagens.
Texto originalmente publicado como parte da cobertura da Mostra INDIE 2015.
06 de Setembro de 2015